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Repensando o Acesso ao cuidado na ESF

A temática do acesso é central para a formulação e execução de políticas públicas, no interior da Atenção Primária à Saúde. No entanto, ainda é escasso no Brasil, um debate mais amplo sobre sua regulamentação institucional. Sua própria garantia não foi tratada como prioridade na formulação e execução da Estratégia Saúde da Família.

É o que afirmam os pesquisadores Charles Tesser, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e Armando Norman, médico de família e comunidade e doutor em Antropologia Médica pela Universidade de Durham, no artigo “Repensando o acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família”, publicado em 2014 pela Revista Saúde e Sociedade.

Os autores afirmam que, ainda que o acesso universal tenha sido uma das pautas históricas do movimento sanitário e da construção do SUS, a discussão institucional sobre o acesso foi ativada tardiamente. Segundo o artigo, a garantia do acesso só passou a aparecer como um item prioritário, na formulação nacional das políticas da Atenção Básica na PNAB, publicada em 2011. Afirmam, entretanto, que “não há nenhum parâmetro ou normatização que signifique mecanismo ‘concreto’ de indução, garantia ou estabelecimento de regras claras sobre o acesso ao cuidado”.

Tesser e Norman incluem na reflexão desse “vazio normativo”, a constituição histórica dos centros de saúde brasileiros, vinculados à tradição da Saúde Pública e à construção de uma APS seletiva, influenciada por diretrizes ideológicas de entidades, como o Banco Mundial. Também realizam um debate com a diretriz “acolhimento”, oficializado nacionalmente pela Política Nacional de Humanização e atravessado tanto por uma dimensão organizativa quanto ética.

No entanto, afirmam que essa diretriz, frequentemente reduzida a uma atividade-fim para dar resposta imediata às necessidades do usuários, “não acabou com a dicotomia artificial e a falsa oposição entre ‘demanda programada’ e ‘demanda espontânea’”. A própria troca de terminologia (acesso – acolhimento) gera uma confusão, tanto na prática como na educação profissional.

Para estruturar um acesso qualificado na APS, o artigo afirma, com base em referências de sistemas de saúde europeus que, um dos passos cruciais é diminuir o volume de usuários adscritos por equipe de ESF e continuar a expansão da política para, no mínimo, 80% de cobertura nacional.

Os autores realizam um denso diálogo com a produção acadêmica da Saúde Coletiva e as implicações dessa produção na estruturação histórica do SUS. Correlacionam a temática do acesso com distintas propostas de modelo de atenção, apontando um isolamento relativo do debate internacional e das experiências na estruturação de APS de outros países. Além disso, apontam os efeitos da associação da biomedicina com a ordem social capitalista realizada no interior do movimento sanitário, que produziu uma subvalorização da clínica individual e hipervalorização de modelos de atenção preventivistas, promocionistas e que propunham uma conscientização político-sanitária da população atendida.

Enfim, o artigo reforça a importância de uma lógica ético-política e antropológica do cuidado que deve tomar corpo nas atividades da ESF, alicerçada na solidariedade social e nos princípios do SUS. Reforça também a necessidade da qualificação profissional para a realização de uma clínica ampliada, qualificada e centrada nas pessoas no interior da ESF. No entanto, indicam que a APS no país está “perigosamente desguarnecida, carente de uma massa crítica de líderes, técnicos, profissionais de saúde, acadêmicos, gestores e políticos envolvidos na construção de uma APS forte, acessível, estruturante do SUS e universal”.

Boa leitura!

Rede APS

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