Faça parte da rede aqui!
Fique por dentro das últimas notícias, eventos, debates e publicações científicas mais relevantes.

Arquivo Mensal novembro 2018

Posicionamentos internacionais sobre a Carta de Astana

No final do mês passado (25-26 outubro), em Astana, Cazaquistão,  o governo local, com a colaboração da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), recebeu a Conferência Global sobre Atenção Primária à Saúde. O produto, já bem conhecido, desse encontro, foi a Carta de Astana, uma “renovação do compromisso político  com a atenção primária à saúde” (nas palavras da OMS) realizado quarenta anos em Alma Ata, no mesmo Cazaquistão. Logo após a Conferência, vários encontros e declarações trouxeram os posicionamentos de diferentes países e atores sobre esta iniciativa.

Como muitas outras questões ligadas à saúde, a iniciativa de revisar a Carta de Alma Ata foi polêmica, recebendo reações radicalmente opostas por diferentes países e atores. Apresentamos aqui os posicionamentos dos atores presentes num encontro organizado pelo Centre for Global Development (CDG), um think tank dos Estados Unidos, que hospedou representantes do Pakistão, Etiopia, Liberia, ademais do Banco Mundial, da própria OMS, e outras organizações e iniciativas privadas; o parecer da ex-ministra da saúde do Equador, e atual diretora do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, Carina Vance; e o posicionamento da Associação Latinoamericana de Medicina Social (ALAMES).

O primeiro posicionamento originou num evento intitulado “Fazendo acontecer a atenção primária à saúde: das aspirações à realidade” (Making primary health care happen: from aspirations to reality). Neste caso o posicionamento dos atores presentes foi, aparentemente, em concordância com a mesma Conferência. De fato, apesar de ter sido inspirado pelo lançamento da nova Carta da APS, este evento quase não discutiu o conteúdo dela, deixando inferir completa anuência. Amanda Glassman, COO (Diretor de Operações) do CDG, opinou que a iniciativa foi uma tentativa de trazer a APS de novo para a agenda [dos doadores? Dos governos?], por ter sido descuidada nos últimos tempos. Evidentemente o posicionamento desta organização, localizada no Distrito Federal de Washington, Estado Unidos (EEUU), é fortemente alinhado com as percepções dos “doadores”, agora na moda de ser chamados de “parceiros”: as grandes organizações privadas (tipo Clinton Foundation), ou nacionais (tipo USAID), que tentam dirigir as escolhas de governos de países capitalistas periféricos dependentes com a “sedução” do dinheiro. O propósito deste encontro, então, se não de apreciar criticamente a nova declaração mundial para a APS, foi de determinar como, na prática, chegar a desenvolver as “aspirações” da Carta de Astana. De fato, o moderador do primeiro painel, quem resumidamente leu os objetivos da declaração, concluiu que eram muito ambiciosos, idealísticos, e que ficou pouco claro como se alcançariam. Previsivelmente, o discurso dos atores presentes, tanto “doadores” como “beneficiários”, sobre como fortalecer a APS centrou-se nas dinâmicas de financiamento por resultados, e o monitoramento externo de indicadores de desempenho. Até chegaram a trazer o Brasil como exemplo, por sua bem sucedida experiência com a APS, que porém enfrenta o problema dos servidores públicos que trabalham também no setor privado. Outro discurso prevalecente foi o da eficiência na alocação de recursos, e a necessidade de vontade política. Os interesses do mercado, obviamente, não foram mencionados, embora se enfatizou o que o setor público pode aprender do setor privado.

O posicionamento da ex-ministra da saúde do Ecuador foi bem no outro lado do espectro: Carina Vance defendeu a importância e a “vigência plena da Declaração de Alma Ata”. Vance ademais relatou como esta questão foi abordada diferentemente pela comissão regional formada-se a raiz dum evento sobre os 40 anos de Alma Ata, organizado pelo governo de Equador e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), por um lado, e o grupo internacional montado pela OMS para a Conferência em Astana, pelo outro lado. No primeiro se defendeu a integralidade da APS, que tem que ir além da provisão de serviços de saúde, para incluir a atuação sobre os determinantes sociais de saúde, e a regulação do setor privado por parte do Estado. Do segundo grupo a ex-ministra denunciou a virtual ausência da sociedade civil, representada apenas pelo Movimento pela Saúde dos Povos (People’s Health Movement), e predominantemente por organizações privadas de atuação internacional (como a Bill & Melinda Gates Foundation). Como apontaram as integrantes da Rede APS que estiveram no Cazaquistão, Vince declarou que “a Declaração de Astana não chega nem perto de alguns conceitos que estão em Alma Ata”. De fato, esta iniciativa representou, no seu olhar, um retrocesso: fala de serviços essenciais, nenhum mencionamento dos interesses comerciais do setor saúde, e a ativa exclusão do termo regulação (do setor privado), demandada pelos EEUU. A ex-ministra identificou que a visão propagada pela Conferência de Astana “é que [a Declaração de] Alma Ata era muito utópica, muito inocente. […] daí a necessidade de substituí-la por um documento alinhado ao discurso hegemônico”.

Similarmente se posicionou a ALAMES, em contra da ideia mesma de escrever uma nova Declaração: se ainda não conseguimos os objetivos de Alma Ata, perguntam, qual a necessidade de formular um novo compromisso? Além disso denunciaram como a formulação mesma da Carta de Astana, que encaixa a APS no centro da Cobertura Universal em Saúde (CUS/UHC), representa um retrocesso, que busca restringir o significado mais amplio da saúde coletiva/pública à provisão de serviços. Subsequentemente argumentaram em contra de algumas alegações expressas pela nova Carta, entre elas: a asserção de ter hoje mais probabilidade de êxito que nunca – desconstruída pela ALAMES ressaltando tanto o pior que estão as condições políticas atuais, quanto a concentração de riqueza que causa um desiquilíbrio  nas relações de poder dos governos com o mercado; e a responsabilidade pela saúde compartilhada entre o setor público e o setor privado – destacando a ingenuidade de querer “colocar a raposa no comando do galinheiro para que não se coma [as galinhas]”. A Associação chegou até definir a mesma Declaração de Alma Ata como insuficiente, mas, por agora, um mapa necessário para guiar a atuação de miles de trabalhadores do campo da saúde e das comunidades nas quais operam. Pedem, então, de manter o foco sobretudo nos componentes políticos da Carta de Alma Ata, concedendo uma revisão desta só quando estiveram alcançados estes objetivos: a participação social, a interculturalidade, o protagonismo e advocacia dos trabalhadores da saúde, e a intersetorialidade.

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a Rede APS

Nota Abrasco sobre a saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos para o Brasil

No dia 14 de novembro, a imprensa nacional e estrangeira veiculou notícias sobre o fim do acordo de cooperação técnica entre Cuba e Brasil, mediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), no âmbito do Programa Mais Médicos (PMM).

Segundo o Ministério da Saúde de Cuba, trata-se de uma resposta às declarações desrespeitosas aos médicos cubanos do presidente eleito do Brasil e à sua intenção de modificar os parâmetros do Termo de Cooperação, renovado em 2016.

Diante disso, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco vem alertar as autoridades e a população para as repercussões da saída dos médicos cubanos sobre a assistência à saúde de milhões de brasileiros, considerando que os médicos cubanos estavam em 2.800 dos 3.228 municípios participantes do Mais Médicos e que, em 611 municípios, todos os médicos atuantes eram cubanos.

A dificuldade de lotação e fixação de médicos em áreas de difícil acesso ou de alta vulnerabilidade social é um problema histórico e estrutural do sistema de saúde brasileiro. Para enfrentá-lo, desde a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, em 1988, diversas iniciativas foram tomadas, em geral com alcance limitado ou temporário.

A situação começou a melhorar apenas em 1994, com a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), que viabilizou a expansão da atenção primária à saúde em todo o território nacional, com base em equipes multidisciplinares, incluindo médicos. Os resultados muito positivos da ESF, contudo, não eliminaram, por completo, as dificuldades de atração e fixação de médicos.

Por isso, foi criado em 2013, o Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB), com os propósitos de lotar médicos em áreas descobertas, expandir cursos de medicina e vagas na graduação e residência e promover mudanças na formação médica.

Junto à ESF, o PMMB é a maior iniciativa do Estado brasileiro direcionada à provisão de médicos para a atenção primária à saúde1,2. O Programa prioriza a inserção de médicos brasileiros formados no país e, no caso do não preenchimento de vagas, busca a participação de médicos brasileiros ou estrangeiros formados no exterior.

Na sua primeira chamada pública, em julho de 2013, houve adesão de 3.511 municípios que necessitavam de 15.460 médicos. Todavia, apenas 1.096 médicos brasileiros se candidataram, tendo sido contratados, juntamente com 522 médicos estrangeiros.

Para atender a demanda dos municípios, firmou-se então o acordo de cooperação internacional com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) visando à vinda de médicos de Cuba, país com reconhecida competência neste tipo de cooperação. Em 12 meses, o programa recrutou 14.462 médicos (79% cubanos, 16% brasileiros e 5% outras nacionalidades), satisfazendo a quase totalidade (93,5%) da necessidade dos municípios inscritos. Assim, o PMMB viabilizou a interiorização das ações de saúde, a melhor distribuição de médicos, incluindo o seu provimento em áreas historicamente desassistidas, onde vivem populações rurais, indígenas, ribeirinhos e quilombolas3.

Acrescente-se que, em chamadas posteriores, ampliou-se a inclusão de médicos brasileiros, mas os cubanos continuaram a exercer um papel essencial em locais em que as vagas não eram preenchidas por brasileiros.

Apesar do curto tempo de implantação, as evidências cientificas expressam um efeito sistêmico notável do PMMB sobre o SUS, com ampliação do acesso e melhoria da qualidade da atenção à saúde. De fato, no período 2012 a 2015, as equipes de saúde que contavam com profissionais do PMMB realizaram, em média, maior número de consultas médicas do que as demais equipes, indicando a efetividade do Programa. Gestantes, crianças e pessoas com diabetes e hipertensão, em especial, tiveram acesso facilitado a consultas médicas.

Ressalte-se que os efeitos positivos do PMMB foram mais pronunciados nos lugares remotos ou habitados por pessoas em situação de vulnerabilidade, nas regiões Norte e Nordeste, nos municípios mais pobres e nas periferias das grandes cidades, superando de modo significativo o desempenho de equipes sem profissionais do PMMB.

De acordo com os estudos avaliativos, os médicos cubanos tiveram desempenho similar ou superior ao dos profissionais brasileiros, apesar das barreiras relacionadas ao idioma e às diferenças culturais, sanitárias e epidemiológicas.

Neste contexto, o PMMB mostrou-se uma contribuição valiosa para a garantia de acesso universal e equitativo a ações de saúde da atenção primária. Tais estudos, como dezenas de outros, confirmam que o PMMB aumentou a efetividade do SUS, garantindo o acesso aos serviços de saúde a expressivas parcelas da população2,4,5. Estimativas apontam que a eventual redução de cobertura da Estratégia Saúde da Família – para a qual o PMMB é fundamental em várias localidades do país, ao assegurar a existência de médicos nas equipes – poderá levar a um aumento de internações e mortes evitáveis, principalmente de crianças.6Projeções recentes dos mesmos autores alertam que a eventual redução ou interrupção do PMMB prejudicaria sobretudo os municípios mais pobres.

A saída intempestiva de mais de oito mil médicos cubanos coloca em risco o atendimento a mais de 23 milhões de pessoas, em milhares de municípios, especialmente nos lugares mais pobres, mais distantes ou nas periferias dos grandes centros urbanos. Como manifestado pela Frente Nacional dos Prefeitos e pelo Conselho Nacional dos Secretarias Municipais de Saúde, há risco iminente de desassistência e piora das condições de saúde, com aumento de complicações, hospitalizações e mortes por causas evitáveis, decorrente de problemas de saúde que deixarão ser tratados.

Nesse sentido, a Abrasco propõe ao governo e ao Ministério da Saúde brasileiros a adoção de medidas para evitar prejuízos ao atendimento e à saúde da população, quais sejam:

Em curto prazo (medidas imediatas)

– Negociar com o governo de Cuba, por intermédio da OPAS, um período de transição para a saída dos médicos, com o compromisso de respeito aos termos do Acordo de Cooperação Internacional atualmente vigente durante esse período de transição;

– Desencadear o processo de chamada pública de médicos para provimento de vagas que forem abertas em decorrência da saída dos médicos cubanos, sem interrupção do atendimento;

– Assegurar a continuidade das estratégias de formação e de supervisão no âmbito do PMMB;

– Assegurar as condições de financiamento, seleção, contratação, gestão de equipes e provisão de insumos adequadas à continuidade do PMMB, articulado à Estratégia Saúde da Família;

– Desencadear, em diálogo com as entidades de médicos e de demais categorias de profissionais de saúde, a elaboração de propostas de carreiras públicas com valorização, estabilidade e condições de trabalho adequadas no âmbito do SUS.

Em médio prazo

–  Implantar proposta de carreira pública para os profissionais de saúde que optarem pela dedicação ao SUS, incorporando a valorização de períodos de atuação em áreas de difícil acesso ou alta vulnerabilidade social;

– Adotar estratégias de desenvolvimento regional e territorial, nas áreas rural e urbana, que articulem políticas econômicas e sociais para promover a equidade no acesso e atenção à saúde de qualidade no SUS, com inclusão de populações mais vulneráveis e respeito às singularidades de grupos específicos (populações do campo, indígenas, quilombolas, ribeirinhos; populações em favelas e periferias urbanas);

– Assegurar a adequação da formação de médicos e demais profissionais às necessidades de saúde de todos os brasileiros, com destaque para a valorização da atenção primária à saúde;

– Assegurar a realização de pesquisas estratégicas voltadas para a compreensão da realidade sanitária brasileira e o desenvolvimento de tecnologias de promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a formação de recursos humanos em saúde, que forneçam subsídios para o fortalecimento do SUS e da garantia do direito à saúde.

A Abrasco agradece aos médicos cubanos inseridos no PMMB por sua colaboração, compromisso e dedicação no atendimento à saúde dos brasileiros nos últimos anos. A Abrasco reconhece que esse projeto de cooperação internacional, mediado pela OPAS, não só favoreceu o intercâmbio entre profissionais dos dois países, como produziu resultados sanitários extremamente positivos para milhões de brasileiros.

Por fim, a Abrasco se solidariza com os gestores municipais, com os demais profissionais das equipes de Saúde da Família e, sobretudo, com as populações dos locais onde os médicos cubanos têm atuado, que podem sofrer efeitos dramáticos da desassistência à saúde com a saída desses profissionais, caso a situação não seja adequada e rapidamente equacionada pelo governo brasileiro.

 

Referências

  1. Facchini LA, Batista SR, Silva Jr AG da, Giovanella L. O Programa Mais Médicos: análises e perspectivas. Cien Saude Colet [Internet]. 2016 Sep;21(9):2652–2652.
  2. Molina J, Tasca R, Suárez J, Kemper ES. More Doctors Programme and the strengtheningof Primary Health Care in Brazil: Reflectionsfrom the monitoring and evaluation of the MoreDoctors Cooperation Project. Qual Prim Care [Internet]. 2017 Apr 29;25(2)
  3. Pereira LLSantos LMP; Santos W; Oliveira A; Rattner D. Mais Médicos program: provision of medical doctors in rural, remote and socially vulnerable areas of Brazil, 2013 -14. Rural and Remote Health, 2016;16:3616. https://www.rrh.org.au/journal/article/3616
  4. Campos GW de S, Pereira Júnior N. A Atenção Primária e o Programa Mais Médicos do Sistema Único de Saúde: conquistas e limites. Cien Saude Colet [Internet]. 2016;21(9):2655–63.
  5. Santos LMP, Oliveira A, Trindade JS, Barreto IC, Palmeira PA, Comes Y, et al. Implementation research: towards universal health coverage with more doctors in Brazil. Bull World Health Organ [Internet]. 2017;95(2):103–12.
  6. Rasella D, Basu S, Hone T, Paes-Sousa R, Ocké-Reis CO, Millett C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: A nationwide microsimulation study. PLOS Medicine [Internet]. 2018; https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002570.

Número especial da Revista Saúde em Debate: Análise Política em Saúde II Contribuições para a APS

O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e o Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS) organizaram mais um número especial da revista Saúde em Debate dedicado à Análise Política em Saúde.

A publicação traz artigos que são produto dos diferentes projetos de pesquisa desenvolvidos nos 12 eixos temáticos que compõem o Observatório, abordando o processo político em saúde relacionado à luta pelo direito à saúde, ao processo de formulação e implementação de políticas de saúde e estudos bibliográficos que sistematizaram as teorias e metodologias utilizadas na análise política em saúde.

Os docentes Carmen Fontes Teixeira, Ana Luiza Queiroz Vilasbôas e Jairnilson Paim destacaram no editorial que muitos dos artigos identificaram e analisaram os posicionamentos políticos do Estado e da sociedade civil sobre os projetos em disputa na saúde: um projeto mercantilista, hospitalocêntrico, defendido por forças políticas interessadas na diminuição do gasto público, propõe limitar o SUS a um SUS “para pobres” que garanta a atenção básica mas privatize a gestão da atenção especializada e hospitalar e favoreça a expansão dos planos privados de saúde; e o projeto da Reforma Sanitária Brasileira, do SUS constitucional que precisa da ampliação dos investimentos públicos em saúde e da democratização e qualificação da gestão pública para a consolidação de um modelo de atenção integral e de qualidade.

Destacamos aqui alguns dos artigos que abordam a atenção primária à saúde.

Avaliação da qualidade da Atenção Pré-Natal no Brasil

Autores: Leandro Alves da Luz, Rosana Aquino, Maria Guadalupe Medina

Resumo: O objetivo do estudo foi investigar características da estrutura das unidades de saúde e dos processos gerenciais e assistenciais da Atenção Pré-Natal (APN) no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, em municípios que aderiram ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). […]

Visitas domiciliares no Brasil: características da atividade basilar dos Agentes Comunitários de Saúde 

Autores: Cristiane Abdon Nunes, Rosana Aquino, Maria Guadalupe Medina, Ana Luiza Queiroz Vilasbôas, Elzo Pereira Pinto Júnior, Leandro Alves da Luz

Resumo: Caracterização das  visitas  domiciliares  realizadas  pelos  Agentes  Comunitários  de  Saúde no Brasil. Estudo transversal, amostragem aleatória por conglomerados. 1.526 agentes entrevistados em 100 municípios, com representatividade nacional. […]

Nasf: fragmentação ou integração do trabalho em saúde na APS?

Autores: Thiago Santos Souza, Maria Guadalupe Medina

Resumo: Este artigo teve como objetivo analisar as relações técnicas e sociais de trabalho entre profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), investigando, especialmente, se a inserção do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) fomenta a integração de práticas ou reforça a fragmentação do trabalho em saúde. […]

Avaliação dos serviços farmacêuticos na Atenção Primária à Saúde no cuidado ao paciente com tuberculose

Autores: Fernanda de Farias Rodrigues, Rosana Aquino, Maria Guadalupe Medina

Resumo: […] avaliação orientada por critérios e padrões de qualidade de estrutura e processo de trabalho de serviços farmacêuticos no cuidado ao paciente com tuberculose em duas unidades de saúde (A e B) de Salvador, Bahia […]

Limites do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB): em foco, a gestão do trabalho e a educação na saúde

Autores: Merielly Mariano Bezerra, Katia Rejane de Medeiros

Resumo: O artigo analisa os limites das subdimensões propostas pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da  Qualidade  da  Atenção  Básica  (PMAQ-AB)  para  avaliação  externa  das  equipes  de  Atenção  Básica, a  partir  das  diretrizes  e  dos  princípios  do  campo  Gestão  do  Trabalho e da Educação em Saúde (GTES). […]

Avaliação da implantação do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica no estado da Bahia

Autores: Anderson Freitas de Santana, Ana Luiza Queiroz Vilasbôas

Resumo: […]Este estudo avaliou o grau de implantação do programa no estado da Bahia. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com membros da Comissão Coordenadora Estadual do programa e utilizadas fontes documentais para a produção dos dados. […]

O trabalho em saúde bucal na Estratégia Saúde da Família: uma difícil integração?

Autores: Charleni Inês Scherer, Magda Duarte dos Anjos Scherer, Sônia Cristina Lima Chaves, Erica Lima Costa de Menezes

Resumo: Este estudo analisou a integração da equipe de Saúde Bucal (eSB) à equipe de Saúde da Família (eSF) no Distrito Federal. […]

 

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

 

Artigo em destaque: A Trajetória da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco

Através de uma extensiva análise documental de publicações no site da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (Rede APS), documentos oficiais, e entrevistas com informantes chaves, os autores deste artigo – Henrique Sater de Andrade, da Universidade Estadual de Campinas, e Inaiara Bragante, administradora da Rede APS – procuraram apresentar uma análise cronológica das atividades da Rede, dentro do contexto de desenvolvimento de políticas relacionadas à atenção primária, durante seus oito anos de existência.

O artigo aponta que a criação da Rede foi inspirada em experiências de redes de pesquisa em APS de outros países que visam fortalecer a avaliação em saúde e a utilização de evidências na formulação de políticas. Além disso, relata-se que a iniciativa foi concebida com a intenção de construir uma rede de pesquisa internacional que abordasse todo o continente americano. Finalmente, se consolidou como uma forte rede brasileira, articulando-se entre: a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem). O artigo ressalta também a abrangência da Rede em termos de origem geográfica dos integrantes do comitê coordenador, número de inscritos, postagens e divulgações no site da Rede, e quantidade de eventos nacionais organizados.

Entre as principais contribuições da Rede para a avaliação da atenção primária à saúde no Brasil, os autores destacam o apoio ao Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS) na formulação teórica e técnica do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), lançado em 2011, e a articulação de mais de 40 instituições de ensino superior para participar do processo de avaliação externa do PMAQ-AB, sendo este um dos componentes centrais do Programa, e um “esforço avaliativo inédito na história da APS no Brasil”.

Outra grande iniciativa da Rede, em colaboração com a Opas e o MS, foi o lançamento, em 2015, da Plataforma de Conhecimentos do Programa Mais Médicos, que visa compartilhar publicamente as evidências de pesquisas centradas na avaliação do Programa Mais Médicos (PMM). Além disso, em 2016, o comitê gestor da Rede, em parceria com a Opas, editou um número especial da revista ‘Ciência e Saúde Coletiva’ da Abrasco, intitulado ‘Pesquisas sobre o Programa Mais Médicos: análises e perspectivas’, e três relatórios técnicos sobre avaliação e evidências do PMM.

Mais recentemente, a Rede, através de declarações públicas de seus integrantes, manifestou posicionamento de alerta em relação à formulação da ‘nova’ PNAB, em 2017. Ademais, organizou um fórum público durante o período de Consulta Pública para debater a política em questão. Apesar de não considerar que a versão final da ‘nova’ PNAB refletisse significativamente os resultados da Consulta Pública, nem os posicionamentos institucionais, os autores avaliaram que “as críticas produzidas no interior da Rede foram importantes para dar visibilidade aos problemas decorrentes da nova política”.

Neste ano, relata-se, a Rede organizou um Seminário Preparatório para o XII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018), no Rio de Janeiro, juntando centenas de pessoas em discussões sobre os êxitos e obstáculos da APS no Brasil, a partir de sete eixos essenciais. O resultado desse encontro foi a formulação de uma Agenda Política Estratégica para a APS no SUS, consolidada durante o Abrascão 2018.

Finalmente, o artigo conclui ressaltando a importância incremental do trabalho de coordenação e divulgação das avaliações e evidências científicas em atenção primária desenvolvido pela Rede: “a partir de iniciativas como essa(s) e buscando fortalecer o diálogo e o intercâmbio entre gestores, trabalhadores e pesquisadores do SUS, a Rede produziu-se e poderá seguir exercendo um papel relevante na estruturação e na avaliação da APS no País”.

O artigo foi publicado na Revista Saúde em Debate – 30 anos de APS no SUS: estratégias para consolidação – Pg 396

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

 

Assista a Mesa Redonda “De Alma Ata a Astana: para onde caminha a APS

No dia 30 de outubro de 2018 foi realizada, em Salvador (BA), a 3ª Oficina do Comitê Gestor da Rede APS e Pré-oficina do Observatório de Análise Política em Saúde – Eixo APS. Assista abaixo a gravação realizada pelo  Instituto de Saúde Coletiva  da UFBA. Mesa Redonda “De Alma Ata a Astana: para onde caminha a APS?” coordenada por Maria Guadalupe Medina e da qual participaram Lígia Giovanella (ENSP/FIOCRUZ), Magda Almeida (UFCE), Luiz A. Facchini (Coordenador Rede APS/UFPEL), Márcia Fausto (ENSP/FIOCRUZ).

 

3ª Oficina do comitê Gestor Rede APS e Pré-oficina do Observatório de Análise Política em Saúde – Eixo APS

 

 

 

 

 

 

No dia 30 de outubro de 2018 foi realizada, em Salvador (BA), a 3ª Oficina do Comitê Gestor da Rede APS e Pré-oficina do Observatório de Análise Política em Saúde – Eixo APS. A mesa de abertura contou com a participação de Maria Guadalupe Medina (ISC/UFBA, Coordenadora executiva do OAPS), Darci Neves dos Santos (Vice-diretora do ISC/UFBA), Luiz A. Facchini (coordenador Rede APS/ABRASCO) e Renato Tasca (Coordenador da Unidade de Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS/OMS). Os membros da mesa destacaram a importância da existência da Rede de Pesquisa em APS, do Observatório de Análise Política em Saúde, da OPAS e deste evento de debate dos rumos da APS, como ato de resistência ao momento atual e em defesa do SUS.

Logo após, foi realizada a Mesa Redonda “De Alma Ata a Astana: para onde caminha a APS?” coordenada por Maria Guadalupe Medina e da qual participaram Lígia Giovanella (ENSP/FIOCRUZ), Magda Almeida (UFCE), Luiz A.                Facchini (Coordenador Rede APS/UFPEL), Márcia Fausto (ENSP/FIOCRUZ).

A professora Ligia Giovanella apresentou as diferentes concepções de APS que têm surgido desde 1978, discutiu o surgimento do termo “Cobertura Universal em Saúde”, que é uma expressão ambígua que congrega as diretrizes de reformas em saúde para o mercado. Também, descreveu o processo de elaboração da Declaração de Astana, a qual teve várias versões e foi submetida a consulta pública duas vezes neste ano. Os principais questionamentos realizados por ela e outros pesquisadores sobre a versão preliminar da declaração são que equipara APS à Cobertura Universal em Saúde, desresponsabiliza o governo, privilegia o setor privado e tem pouca ênfase nos determinantes sociais da saúde.

Giovanella descreveu a dinâmica de funcionamento da Conferencia Global de APS realizada em Astana nos dias 25 e 26 de outubro de 2018. Relatou o posicionamento da Fiocruz e do Conselho Nacional de Saúde, o qual destaca que a saúde não é uma mercadoria, é um direito de todos e dever do estado, e que a APS deve ser o coração dos sistemas universais de saúde públicos gratuitos com financiamento fiscal, identificando este como o caminho mais eficiente e efetivo para promover a equidade. Salientou o reconhecimento da Estratégia de Saúde da Família no SUS como caso de sucesso na ampliação do acesso, destacado na plenária da Conferencia. Para terminar sua apresentação, a professora apontou que a declaração de Astana atual afirma o compromisso com o direito de todo ser humano à saúde, reafirma os princípios de Alma-Ata, ressalta que é inaceitável a persistência de inequidades em saúde e aborda os determinantes sociais e comerciais da saúde. Mas, enfatiza a importância de prestar atenção ao processo de elaboração da resolução que resume a declaração, a qual será assinada pelos países na Assembleia das Nações Unidas em 2019 e as discussões sobre a Cobertura Universal em Saúde que acontecerão nessa Assembleia.

A professora Magda Almeida apresentou um panorama das principais propostas presentes na Carta de Astana. Dois dos pressupostos de Alma –Ata que permanecem na declaração são: a saúde como direito humano fundamental e a universalidade do direito à saúde. Porém, cabe destacar que Cobertura Universal em Saúde não é sinônimo de sistemas universais públicos de saúde, questão sobre a qual é necessário ficar atento. Por outro lado, Almeida salientou a importância de abordar as questões associadas às guerras, epidemias, desastres naturais, resistência antimicrobiana, doenças crônicas não transmissíveis, uso de tabaco e álcool e chama a atenção sobre os estilos de vida. A crítica neste ponto é que o foco da Carta é individual, a abordagem sobre os determinantes sociais, econômicos, ambientais e comerciais da saúde não é muito aprofundada, nem explicita como deveria se combater a pobreza. Outros pontos da declaração destacados pela professora foram: a importância das redes de atenção à saúde tendo a APS como coordenadora do cuidado e núcleo da prestação dos serviços; a ampliação do leque da APS incluindo os cuidados paliativos e os cuidados de urgência e emergência, questão muito relevante para a organização do processo de trabalho na ESF; e a proposta de uma gama mais abrangente de serviços em saúde sexual e reprodutiva, centrados nas pessoas e sensíveis ao gênero, ainda que não inclui aborto seguro. Para terminar, Almeida aprofundou nas questões relacionadas aos recursos humanos em saúde destacadas na Declaração de Astana. Salientou-se a relevância do trabalho decente e compensação adequada na APS, o reconhecimento dos médicos de família e comunidade, o necessário investimento em educação permanente e fixação dos profissionais da saúde.

O professor Luiz A. Facchini destacou que a Declaração de Astana é um documento mais tímido, sensível ao momento político atual, em contraste com a Declaração de Alma-Ata, mas recupera aspectos importantes desta. A mobilização da comunidade internacional, do Conselho Nacional da Saúde e da Rede APS foi importante para sinalizar as pautas que orientavam para a privatização de sistemas universais de saúde. O professor destaca que em 2018, simultaneamente com a Declaração de Astana, o Banco Mundial (BM) publicou o documento “Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro”. Esse documento apresenta uma proposta simplista de privatização do SUS. Identifica a ineficiência como principal problema do sistema, desconhecendo por completo o subfinanciamento e o combate sistêmico que não permitiu sua viabilidade. Na análise do BM a eficiência da atenção básica no SUS está em torno de 60%, enquanto a eficiência nos serviços que já são privatizados, como a alta complexidade, a eficiência é de cerca de 20%. Segundo essa análise, Facchini destacou que se existe algo no SUS com algum grau de eficiência, é a atenção básica. No entanto, a receita do BM é a constituição de uma miríade de organizações sociais de saúde operada por agentes autônomos ou semiautônomos que vão receber o recurso para ofertar os serviços de APS. O argumento disso é a constituição de redes organizadas focalizadas segundo as caraterísticas de cada perfil de usuário, ainda que isto promova a lógica da acumulação de capital por pagamentos duplos por um mesmo usuário que tenha duas condições sistêmicas. Segundo o professor, a proposta do BM não é uma alternativa de eficiência, mas, sim, uma alternativa para entregar os recursos do SUS ao setor privado. Dessa maneira, Facchini apresentou as disjuntivas colocadas no ano de 2018 para as perspectivas da APS no Brasil em relação à proposta de privatização do BM.

A professora Marcia Fausto apresentou o Numero Especial da Revista Saúde em Debate – “30 anos de APS no SUS: Estratégias para a consolidação” fruto da cooperação da Fiocruz com o Ministério da Saúde – Departamento de Atenção Básica e o CEBES, assim como, de muitas reflexões realizadas pelos pesquisadores editores da revista. A professora Maria Helena Mendonça também apresentou o Livro Atenção Primária à Saúde no Brasil, lançado recentemente no Congresso da ABRASCO.

Nas horas da tarde realizou-se a Reunião do Comitê Gestor da Rede APS.

Nos dias 31 de outubro e 1 de novembro os participantes de Rede APS participaram também da 5ª Oficina do Observatório de Análise Política em Saúde.

Convidamos à leitura da Declaração de Astana e do documento do BM “Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro” nos links a seguir:

http://www.who.int/primary-health/conference-phc/declaration

http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/Propostas-de-Reformas-do-SUS.pdf

 

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

 

Atenção Primária à Saúde: da Declaração de Alma Ata à Carta de Astana

NESTE MÊS, EM QUE COMEMORAMOS 30 ANOS da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição Cidadã de 1988 e 40 anos de Alma Ata, o convite ao debate sobre os rumos e desafios da Atenção Primária à Saúde (APS) no SUS proporcionado por este número da revista Saúde em Debate é muito bem-vindo e oportuno.

Nestes tempos sombrios, em que as ameaças ao direito universal à saúde e ao acesso equitativo a serviços de saúde de qualidade se intensificam, é necessário refletir sobre os desafios dos sistemas de saúde e sobre o papel da APS na composição desses sistemas. Nesses 30 anos de SUS, deve-se reconhecer a importância da APS na ampliação do acesso, na melhoria dos indicadores de saúde e na redução das desigualdades sociorregionais. Tais avanços resultam de políticas de governo como a Estratégia Saúde da Família (ESF), o Programa Mais Médicos (PMM), o Programa Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e a própria Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) em suas primeiras versões1.

No plano nacional, vivemos um momento político conturbado com ameaças à democracia e um governo ilegítimo que promove um ajuste fiscal draconiano com congelamento dos investimentos em saúde e educação por 20 anos, cuja repercussões negativas já se fazem sentir na piora de indicadores de mortalidade infantil e materna e retorno de epidemias de enfermidades transmissíveis anteriormente controladas. A agenda política estratégica para a APS no SUS2, aqui publicada, sintetiza essas ameaças para a APS e para o próprio SUS e convida para a ação em defesa da continuidade do SUS como sistema público universal.

Comemorando 40 anos de Alma Ata, no plano internacional, realiza-se, neste mês de outubro, a Conferência Global de APS em Astana, Cazaquistão, organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e United Nations Children’s Fund (Unicef ). As versões da Declaração de Astana3, em preparação, colocadas em consulta pública, despertam profunda preocupação, pois promovem retrocessos na defesa da APS integral em sistemas públicos universais de saúde nos quais o acesso aos serviços de saúde é direito de cidadania. A Conferência conclama para a ‘Cobertura Universal da Saúde’ (Universal Health Coverage – UHC) e subsume a APS à cobertura universal em saúde. O significado de cobertura da UHC, como proposto pela OMS e pelo Banco Mundial, prioriza a cobertura financeira, o que não garante o direito universal à saúde e o acesso equitativo a serviços de saúde conforme necessidades. Na concepção de UHC, o direito à saúde restringe-se ao asseguramento de uma cesta limitada de serviços, diferenciada segundo grupos de renda, em uma nova abordagem da APS seletiva que alia seguros privados e pacotes mínimos. A cobertura universal expressa, no setor saúde, as políticas neoliberais de austeridade e ajuste fiscal que reduzem o papel do Estado na garantia de direitos a um mínimo.

A Associação Latino-Americana de Medicina Social (Alames), em posicionamento publicado nesta revista4, alerta para os importantes retrocessos que a Declaração de Astana pode representar. Alerta que a proposta da cobertura universal, além de não garantir acesso, é mecanismo facilitador da expansão do setor privado com suas inerentes iniquidades, ressalta o destaque conferido na proposta da Carta de Astana à participação do setor privado com desresponsabilização dos governos no desenho dos sistemas e provisão de serviços de saúde; denuncia os enormes interesses econômicos do complexo médico industrial (seguradoras, farmacêuticas, indústria de equipamentos) na expansão do mercado privado e seus monopólios que obstaculizam o acesso a serviços ao impor preços abusivos e produção distanciada das necessidades de saúde.

A Alames chama atenção para o ufanismo da declaração de Astana que afirma maiores possibilidades de sucesso no momento atual sem mencionar a enorme e crescente concentração de riquezas, as ameaças à democracia com governos de direita nacionalista nos Estados Unidos da América e Europa e as políticas de ajuste neoliberal que negam os direitos humanos. Clama para que os governos latino-americanos defendam o direito universal à saúde e a saúde universal (cobertura mais garantia de acesso), consigna que a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) teve que assumir por pressão dos governos democráticos sul-americanos em anos recentes.

É necessário pressionar para que a declaração de Astana mantenha o espírito de Alma Ata de justiça social e direito universal à saúde, do reconhecimento da determinação social dos processos saúde-enfermidade, da indissociabilidade entre saúde e desenvolvimento econômico e social sustentável e da necessidade de promover participação social efetiva para construção de sistemas de saúde e sociedades democráticas. Tenha como prioridade mobilizar governos e sociedades para a construção de sistemas universais de saúde públicos e gratuitos, desenhados com base em modelos de APS que contribuam para a redução das desigualdades sociais e promoção da saúde.

Ligia Giovanella
Editora científica da ‘Saúde em Debate’ especial ‘30 anos de APS no SUS: estratégias para consolidação’
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Centro de Estudos Estratégicos (CEE) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Maria Lucia Frizon Rizzotto
Editora-chefe da ‘Saúde em Debate’
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Cascavel (PR), Brasil.

Referências

  • 1. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012 [acesso em 2018 out 3]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ biblioteca. php?conteudo=publicacoes/pnab.
  • 2. Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Contribuição da Rede de Pesquisa em APS/Abrasco para a formu- lação de uma agenda política estratégica para APS no SUS. In: XII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2018 jul 26-29. Rio de Janeiro: Abrasco; 2018 [acesso em 2018 out 3]. Disponível em: http://rededepesqui- saaps.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Abrasco_ Final_06.07.pdf.
  • 3. World Health Organization. Borrador de Declaración. In: II Conferencia Internacional sobre Atención
  • 4. Primaria de la Salud: Hacia la Cobertura Universal de Salud y el Desarrollo Sostenible; 2018 out 25-26. Astaná: WHO; 2018 [acesso em 2018 set 20]. Disponível em: https://elagoraasociacioncivil.files.wordpress. com/2018/06/ borrador-de-declaraciocc81n-ii-conf- -aps-2018.pdf.
  • Associação Latinoamericana de Medicina Social. Declaración de ALAMES frente al intento de ab- sorber la APS en la, muy cuestionada, Cobertura Universal de Salud (UHC). Altana: Alames; 2018 [acesso em 2018 out 3]. Disponível em: http://ala- mes.org/index.php/documentos/declaraciones- -de-la-asociacion/137-declaracion-de-alames- -frente-al-intento-de-subsumir-la-aps-en-la-cus/ file.
  •  Leia revista aqui SaudeemDebate