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O governo cubano retira seus médicos de família do Programa Mais Médicos

Lançado em 2013 pelo governo brasileiro, para ampliar o acesso à atenção básica, suprindo a carência de médicos, o Programa Mais Médicos (PMM) chegou a cobrir mais de 60 milhões de brasileiros nas áreas mais desprovidas do país. No seu início o PMM visou priorizar a contratação de médicos brasileiros, no entanto, a primeira chamada, em julho 2013, para prover 15.460 médicos solicitados pelos 3.551 municípios que aderiram ao programa, só conseguiu contratar 1.618 médicos, dos quais 1.096 brasileiros. Nesse sentido, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) tem colaborado com a iniciativa para a mobilização de médicos cubanos, que chegaram a representar 80% dos médicos contratados pelo programa. Nos primeiros 12 meses do PMM o número de municípios brasileiros com menos de 1 médico por 1.000 habitantes caiu de 374 para 95. Segundo um estudo da Universidade de Brasília, desenvolvido em 32 municípios das regiões envolvidas, a participação destes médicos tem sido elogiada por vários atores do SUS, entre os quais os usuários, gestores municipais, e conselheiros de saúde dos municípios estudados. O mesmo estudo aponta que, com a saída dos cubanos, anunciada no mês passado pelo governo de Cuba, 12,2% da população brasileira ficará sem assistência médica, sendo que essa perda será desproporcionalmente sentida nos estados na região Norte (no Acre será 32%, Rondônia 27% e Amapá 26%). Outro estudo, desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas, apontou que, só em 2015, a ampliação do número de médicos no atendimento básico de saúde evitou 521 mil internações, gerando uma economia em internações hospitalares equivalente a um terço do orçamento do programa naquele ano.

Após a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da república brasileira, o Ministério da Saúde Pública de Cuba respondeu às “referências diretas e depreciativas” aos médicos cubanos por parte do presidente eleito, anunciando, no dia 14 de novembro, a retirada de seus profissionais. Assim é que cerca de 8.300 médicos cubanos do Mais Médicos deverão deixar gradualmente o programa até a data prevista de 12 de dezembro deste ano, segundo definiram o governo do Brasil, de Cuba, e a OPAS.

Numa tentativa de reparação, o Ministério da Saúde (MS) já lançou dois editais para preencher as vagas deixadas pelos médicos cubanos. A resposta dos médicos brasileiros foi rápida, tendo 97,8% das vagas preenchidas. Contudo, de acordo com o Conasems, 34% dos médicos que estão solicitando as vagas disponíveis no PMM estão saindo das unidades básicas de saúde (UBS) do mesmo SUS, solucionando um problema e criando outro. Em outra frente, o MS iniciou interlocução com o Ministério da Educação, no intuito de criar mecanismos para que estudantes de Medicina das universidades federais prestem um ano de serviços no programa Mais Médicos após formados.

Entre as previstas e já percebidas consequências dessa saída dos médicos cubanos, vários atores se posicionaram:

“Uma tragédia para a vida e a saúde de 30 milhões de brasileiros”

O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Frente Nacional de Prefeitos (FNP) publicaram uma nota conjunta lamentando a repentina saída dos médicos cubanos, e as prováveis consequências prejudiciais tanto para a população quanto para o SUS. Concluem a nota pedindo ao novo governo que mantenha “em caráter emergencial” as condições do programa, repactuadas pelo governo Temer em 2016 e ratificadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) posicionou-se similarmente. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) se uniu às denúncias e expressões de profunda preocupação das entidades mencionadas acima. Vários outros atores do setor da saúde lamentaram o ocorrido: Arthur Chioro, ex-Ministro da Saúde no segundo governo Rousseff, declarou que  enfrentamos o “colapso no sistema de saúde nas 2.885 prefeituras que participam do programa e contam com médicos cubanos, em particular em 1.575 municípios, a maioria com menos de 20 mil habitantes, distribuídos em todas as regiões do país e que dependem exclusivamente dos médicos do Programa Mais Médicos (PMM)”; Ronald dos Santos, Presidente do Conselho Nacional de Saúde, ressaltou que o PMM “é um dos maiores e mais importantes programas de saúde pública já promovidos pelo governo brasileiro com o objetivo de levar atendimento médico a regiões sem profissionais e assistência. Um dos principais motivos é a falta de interesse dos médicos brasileiros em se deslocarem das grandes cidades para atuarem em localidades distantes como regiões da Amazônia, sertão, áreas de conflito e periferias”; Rodrigo Lima, diretor de exercício profissional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) ressalta que os cubanos, que tiveram de deixar o Mais Médicos após rompimento de seu governo com o Brasil, aceitavam as vagas em locais de menor povoamento, não desistiam dos postos, nem tentavam barganhar redução de carga horária. Vale ressaltar que, segundo dados do estudo “Demografia Médica 2018”, publicado pelo CFM, o Brasil possui hoje somente 5.486 médicos brasileiros com especialização em saúde da família.

“Mais Médicos não é Mais Saúde”

Por outro lado, o Conselho Federal de Medicina (CFM), que se opôs ao PMM desde o início, declarando em 2015 que “Mais Médicos não é Mais Saúde”, questionando a qualidade da formação dos médicos cubanos, e criticando a ratificação do programa pelo STF, se posicionou sobre a saída de cuba do PMM reiterando que o Brasil tem um número suficiente de médicos, e que cabe ao governo oferecer para eles as condições necessárias para que possam prestar seu serviço. A Associação Médica Brasileira (AMB) também ofereceu-se para apoiar o governo na formulação de soluções, incluindo entre suas sugestões “aumentar o valor a ser repassado pela União referente à atenção básica, para que os municípios consigam contratar médicos na própria região”, e utilizar “o efetivo atual de médicos das Forças Armadas”. A AMB também esteve em oposição ao PMM desde seu início, declarando que “com a criação do Mais Médicos, o governo brasileiro transferiu de forma temerária para Cuba parte da responsabilidade pelo atendimento na atenção básica de saúde”, adicionando que o PMM nunca foi um programa de saúde, mas sim um programa de financiamento da ditadura cubana.

 

O MS declarou que já vem trabalhando desde 2016 para reduzir a participação de médicos cubanos, conseguindo diminuir em um quarto, aproximadamente, o número de vagas preenchidas por profissionais da ilha caribenha. Portanto procurou “reafirma[r] e tranquiliza[r] a população que adotará todas as medidas para que profissionais brasileiros estejam atendendo no programa de forma imediata”.

Até o dia 28 de novembro menos de 10% dos aprovados tinham se apresentado para trabalhar. Segundo as diretrizes do MS, apresentação dos profissionais tem de ser feita até o dia 14 de dezembro.

 

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

 

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