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Decreto 9.795/2019: Restruturação do Ministério da Saúde

Publicado em 17 de maio deste ano, o Decreto 9.795/2019 apresenta uma restruturação do Ministério da Saúde (MS), através da qual a atenção primária à saúde (APS) passa a ter seu próprio órgão específico singular: a Secretária de Atenção Primária à Saúde.

A medida foi declarada bem-vinda pela Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC), cujo presidente declarou: “É um reconhecimento histórico da importância que tem a APS para o SUS”. De fato, entre as competências da nova Secretaria da APS elencadas no art. 18 do Decreto vale ressaltar os inc. II e III:

Art. 18 inc. II – “desenvolver e coordenar estratégias que reorientem o modelo de atenção à saúde na direção dos atributos essenciais e derivados da atenção primária à saúde, como acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação da atenção, orientação centrada na família, orientação comunitária e competência cultural”;

Art. 18 inc. III – “desenvolver estratégias que fortaleçam a atenção primária à saúde como centro de comunicação da rede de atenção à saúde, coordenadora do cuidado e ordenadora das ações e dos serviços disponibilizados na rede assistencial”.

Por outro lado, é também preciso evidenciar a competência enunciada no inc. IX:

Art. 18 inc. IX – “desenvolver sistemas, mecanismos de gestão, de controle, de monitoramento e de avaliação das ações destinadas à organização e à implementação das políticas estruturantes para o fortalecimento da atenção primária à saúde, com foco nos seus atributos essenciais e com incorporação de mecanismos indutores de melhor desempenho”.

O discurso da eficiência implícito na sugerida “incorporação de mecanismos indutores de melhor desempenho” aos “atributos essenciais” da APS pode representar uma justificação para um movimento racionalizador que advoga uma eficiência clínica ao tempo que abandona o modelo territorializado e promotor da saúde presente na trajetória da APS brasileira (Rede APS, 2018).

Além disso, o esvaziamento de setores e programas importantes e de reconhecido sucesso no MS não nos traz otimismo na perspectiva de que essa reconfiguração aponte para um projeto de APS abrangente e integral. Este Decreto já vem sendo criticado amplamente por ter fugido do debate com a sociedade civil em relação às mudanças trazidas pela transformação do Departamento de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), Aids e Hepatites Virais em Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. A preocupação com esta mudança está em que poderia resultar em um enfraquecimento da estratégia nacional de resposta ao HIV, segundo o movimento nacional de luta contra a AIDS.

O MS seguiu defendendo a medida através de várias notas publicadas no seu portal online, declarando que o “Novo organograma traz mais resolutividade ao SUS”, e a “Nova estrutura fortalece integração entre as áreas do Ministério da Saúde”. Nesta última nota do 22 de maio se abordaram também as preocupações relacionadas ao programa nacional contra o HIV, utilizando como argumento que “o orçamento da área passou de R$ 1,7 bilhão em 2018 para R$ 2,2 bilhões em 2019” – orçamento determinado pelo governo anterior no ano passado. Ademais, em 28 de maio, o MS publicou outra nota intitulada “Brasil mais do que dobra o tempo de sobrevida de pessoas com aids”, evidenciando os ganhos obtidos até agora através da estratégia nacional contra o HIV.

No começo do ano, dois meses antes de sua publicação, a proposta de reestruturação já passou por duras críticas por parte da sociedade civil pela intenção de extinguir a Secretaria de Saúde Indígena para que passe a ser um Departamento da Secretaria de APS. Porém, segundo a Folha de São Paulo, sobre este ponto o Ministro da Saúde retrocedeu, concedendo que a criação, em 2010, desta Secretaria representou uma vitória na luta histórica do povo indígena.

Outras críticas levantadas a respeito do Decreto estão relacionadas à perda da Secretaria que cuidava da gestão participativa, sendo que esta função foi mesclada com a gestão interfederativa ao interior da Secretaria Executiva. Esta última, de fato, passou a ganhar bastante poder com esta reconfiguração, segundo a análise dos jornalistas do site OutrasPalavras, incluindo ter absorvido o Departamento do Complexo Industrial da Saúde, anteriormente parte da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Além disso, sumiu do organograma a coordenação do programa de atenção integral aos portadores de doença falciforme, e foi criada uma coordenação responsável pela temática do tabagismo, deixando pouco claro se isso implicaria a saída do Programa Nacional do Controle do Tabagismo do Instituto do Câncer (Inca).

Por último, o Decreto determina a transferência de 300 cargos comissionados do MS para o Ministério da Economia, e 200 transferidos no sentido inverso. Ademais, ficam extintos 71 cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS).

Portanto, ainda há bastante ambiguidade e incerteza sobre o significado e possíveis consequências da restruturação apresentada no Decreto 9.795/2019.

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

 

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