Faça parte da rede aqui!
Fique por dentro das últimas notícias, eventos, debates e publicações científicas mais relevantes.

Carta manifesto das Médicas e Médicos de Família e Comunidade do Município do Rio de Janeiro

Capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar às intempéries, aos infortúnios ou às mudanças.

Nós, Médicas e Médicos de Família e Comunidade do Rio de Janeiro, presentes no 15° Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, em Cuiabá, MT, vimos a público, ratificar nosso compromisso com a construção de uma Atenção Primária de qualidade, baseada nos princípios de Universalidade, Integralidade e Equidade do nosso Sistema Único de Saúde, e reafirmar o compromisso com a defesa da saúde como direito do povo e dever do Estado.Exatamente por isso faz-se necessário publicizar o que vem acontecendo nos últimos anos e, particularmente nos últimos dias, na gestão da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Até há pouco tempo, a cidade do Rio de Janeiro era internacionalmente reconhecida pelos importantes avanços na oferta de cobertura e acesso universal aos serviços básicos de saúde, abrigando ainda hoje o maior programa de residência médica do país, pela SMS, UERJ e UFRJ/FIOCRUZ). Estes programas nos últimos anos colocaram juntos no mercado mais de 600 médicos de família e comunidade, hoje prestando assistência na cidade, no Estado, e no país inteiro. A famigerada “reformulação da atenção primária” ocorrida em 2018 está levando à demissão de diversos trabalhadores da saúde, à redução do numero de equipes e, consequentemente, ao aumento desproporcional de usuários para cada equipe. No seu conjunto, estas ações têm como consequência uma deterioração da qualidade dos serviços de saúde ofertados e a exaustão dos profissionais que resistiram (e resistem), levando à uma evasão maciça de bons trabalhadores da saúde que, diante destas incongruências, não se sentem seguros ou estimulados a permanecer.

Agravando sobremaneira esta situação, no último dia 5 de julho, cerca de 1.500 trabalhadoras e trabalhadores da saúde, incluindo Agentes Comunitários de Saúde, Técnicos de Enfermagem, Enfermeiros, Médicos e Preceptores dos Programas de Residência das áreas programáticas (distritos sanitários) 5.1 (Bangu / Realengo) e 5.2 (Campo Grande / Guaratiba) (na zona Oeste do Município) foram demitidos com a possibilidade de recontratação por uma nova organização social (IPCEP). A partir de um edital, foi imposto uma redução salarial média em torno de 40% dos valores originais. Não bastasse o absurdo ético e jurídico desta medida, fomos surpreendidos com o fato de sequer haver – até o presente momento – um contrato de trabalho formal, o que faz com que desde o último dia 6, aqueles que decidiram permanecer, estejam trabalhando em total insegurança jurídica.

Toda esta situação têm sido agravada pelo assédio, por parte da gestão da secretaria municipal de saúde, que vem impondo de forma sistemática a necessidade da cobertura pelos médicos remanescentes às equipes desassistidas, arbitrariamente deslocados de seus territórios para atendimentos nessas áreas, afora a convocação de plan-to-nis-tas, em uma clara falta de compromisso com a longitudinalidade do cuidado. Preceptores e residentes médicos dos programas de residência de medicina de família e comunidade do município têm sido diariamente convocados a prestar essa cobertura em outras áreas no vazio criado, em total dissonância com os objetivos dos programas, em uma demonstração clara da deformação de sua função e ainda sob ameaças veladas de retirada de subsídios e apoio.  Esta clara descaracterização do modelo da Estratégia de Saúde da Família, anteriormente implantada com sucesso, festejada em estudos internacionais e premiações, que trouxe resultados expressivos para a qualidade da saúde da população carioca, põe em grave risco pacientes, famílias e suas comunidades.  A resultante imediata: 1 milhão e Meio de pessoas sem cobertura adequada, unidades sem condições mínimas para o atendimento, profissionais desvalorizados e desmotivados, formação médica em crise.
Esse mesmo desmonte está previsto para as demais 8 áreas programáticas da cidade, até outubro próximo, elevando em níveis ainda mais críticos a situação da APS no Rio de Janeiro. Neste sentido, como garantidores do cuidado e organizadores da ação em saúde, nós, médicas e médicos cariocas, lutamos contra o desmonte da saúde que inflige sobre a população ainda mais sofrimento, além do que já é imposto pela crise, desemprego e violência.

Por tudo isso, encaminhamos um pedido de moção de repúdio por parte do 15° CBMFC à política de desmonte do SUS orientada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, e a toda forma de assédio imposto a seus trabalhadores que colocam em risco os significativos avanços alcançados na APS Carioca. Avanços que foram frutos de anos de construção de mulheres e homens que se dispuseram e se dispõem a permanecer construindo, embora não a qualquer custo – especialmente aquele que implique no sofrimento de seus trabalhadores.  Nesse sentido, exigimos o fim das demissões, exigimos a estabilização contratual dos trabalhadores, a garantia de um processo de trabalho voltado para a Atenção Primária de qualidade e pela excelência da formação de médicos e médicas de Família e Comunidade.  Seguimos confiantes em nossa capacidade de permanecer servindo à população, de forma pública, democrática, equânime e universal.

Cuiabá, MT, 13 de julho de 2019.

Rede APS

%d blogueiros gostam disto: