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Da Atenção Primária à Saúde à Cobertura Universal em Saúde: um passo para a frente e dois para atrás

Os autores desta nota provêm de várias instituições de pesquisa renomadas, representando quase todos os continentes. Juntam-se assim vozes da Universidade do Cabo Ocidental (África do Sul), da Universidade de Ottawa (Canada), do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (Brasil), do Instituto de Medicina Tropical (Bélgica), da Rede de Recursos para Saúde Pública (Índia), e do Movimento Global para a Saúde do Povo, para nos recordar os princípios da Atenção Primária à Saúde (APS) que se estabeleceram em 1978, em Alma Ata, com a meta de assegurar uma vida saudável para todos (‘health for all’) até o ano 2000.

Agora, 19 anos depois do prazo estabelecido para atingir uma ‘vida saudável para todos’, olhamos para trás e percebemos a onda neoliberal que se instala nos anos 80que prejudicou a possibilidade de construir uma Nova Ordem Económica Internacional (New International Economic Order – NIEO). Os signatários de Alma Ata consideraram necessário estabelecer uma NIEO para poder alcançar as metas em saúde nos tempos estabelecidos. Porém, os desdobramentos do neoliberalismo trouxeram a proposta da Cobertura Universal em Saúde (CUS), e hoje (23.09.2019) uma das maiores instâncias de posicionamento mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), está realizando a primeira Reunião de Alto Nível sobre Cobertura Universal da Saúde.

Os autores da nota alertam que um forte posicionamento global a favor da CUS pode concentrar uma atenção excessiva no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3.8: ‘Alcançar a CUS’. Logo, apontam, serão desvalorizados os outros ODSs relacionados à saúde, pelo lado dos determinantes sociais, a saber: comida e nutrição (ODS 2), igualdade de gênero (ODS 5), água e saneamento (ODS 6), a redução das iniquidades (ODS 10), a promoção de consumo e produção responsáveis e sustentáveis (ODS 12), e a mitigação das mudanças climáticas (ODS 4).

Os autores também ressaltam que o termo ‘cobertura’, ao contrário de ‘cuidado’, sugere uma oferta de serviços limitada, além da ideia de seguro. Apontam para as evidências que demonstram que os sistemas de seguro de saúde, sejam públicos ou privados, tendem a não ser equitativos, a não prover proteção financeira, e acabam transferindo fundos públicos para o lucro privado, aprofundando mais as inequidades existentes.

Além disso, sinalizam, a APS para a CUS é uma simples porta de entrada, um primeiro contato com o setor formal da saúde. Pelo contrário, a equidade no acesso foi um critério incluído nos princípios da APS em Alma Ata. Evocam então a celebração dos 40 anos de Alma Ata, no ano passado em Astana, e como ficou enfraquecida a APS nesta nova versão do compromisso internacional. Porém, nos recordam, houve também a Declaração Alternativa da Sociedade Civil de Astana sobre Cuidados Primários de Saúde – assinada também pela Abrasco ao lado de centenas de outras organizações da sociedade civil e movimentos sociais – que sinalizou os riscos de um aumento na medicalização e mercantilização da saúde no modelo de CUS.

Os autores alertam que não é suficiente pedir aos governos que implementem ‘regulação do setor privado’, porque, em muitos casos, eles não têm o poder de negociação suficiente para conseguir controlar o mercado. Em outros casos simplesmente não querem. Independentemente disso, o problema da mercantilização da saúde vai além das fronteiras nacionais, e para ser enfrentado precisa da mobilização da sociedade civil internacional e das instituições internacionais. Ficamos atentos aos resultados das discussões de hoje na Reunião de Alto Nível da ONU.

Acesse o artigo de David Sanders, Sulakshana Nandi, Ronald Labonté, Carina Vance, e Wim Van Damme na integra aqui.

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

 

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