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Arquivo Diário 2 de dezembro de 2019

Abertura do 8º Simbravisa: um chamado à democracia e ao lirismo roseano

Todos os critérios geográficos, políticos e afetivos que motivaram a escolha de Belo Horizonte como capital do Oitavo Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária – 8º Simbravisa – fizeram-se presentes na noite de abertura do evento, realizada no domingo, 24 de novembro, no Centro de Convenções ExpoMinas, em Belo Horizonte.

Thiago Barreto, secretário-executivo da Abrasco, conduziu a cerimônia e ressaltou tais aspectos na apresentação da mesa de cerimônia de abertura, que reuniu autoridades da saúde, da academia e movimentos sociais.

Docente do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e presidente do 8º Simbravisa, Ana Cristina Souto fez a fala de abertura da solenidade, na qual ressaltou que o tema “Democracia e Saúde: caminhos e descaminhos da vigilância sanitária” foi escolhido por marcar a clareza de que não há saúde, tampouco a vigilância sanitária, sem democracia e sem direitos.

Ana Souto ressaltou os desafios enfrentados pela organização desde a posse do atual governo federal, que além de ameaçar a frágil democracia e direitos sociais brasileiros, negou-se, por decisão da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, a patrocinar o Simpósio, conclamando os simposiastas a abraçar o Simbravisa da Resistência.

“Esse posicionamento político-institucional da Anvisa nos leva a perguntar: Quais as razões de que esta instituição, coordenadora do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, negue apoio ao mais importante evento cientifico da área, que a cada edição aumenta o número de trabalhos científicos de qualidade acadêmica e técnica? E qual também o motivo que da sua recusa em participar desta cerimônia de abertura?”

Na sequência, Jackson Machado Pinto, secretário municipal de saúde de Belo Horizonte (SMS/BH), recepcionou o público ressaltando a capilaridade e a universalidade da VISA no contexto do SUS e o papel técnico do evento como decisivo para a qualidade e atualização da Lei que criou o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária – nº9.782/1999, tendo como objetivo as palavras promoção e prevenção.

“Apresentamos a nova proposta de código sanitário, mais contemporâneo e atualizado, e Belo Horizonte tem recebido o privilégio de participar das ações nacionais da VISA. Nos orgulhamos em receber esse evento”.

Felipe Laguardia, superintendente da VISA estadual, representou a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES/MG). Sem esconder as diferenças ideológicas, destacou o compromisso da SES/MG com a qualificação profissional que o Simbravisa promove.

“Entendemos o interesse público desse evento e não poderíamos nos negar em apoiá-lo em sua oitava edição, o que mostra sua relevância. Fizemos o esforço possível para que todos os servidores com trabalhos aprovados pudessem estar presentes.”

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde Wanderson Kleber de Oliveira também ressaltou o papel formador e articulador do Simbravisa e a importância dos entes do Estado brasileiro promoverem o evento.

“No espírito da democracia buscamos apoiar o evento e estar presentes, para demonstrar a integração das vigilâncias em saúde. Em julho do ano passado a resolução nº 588/2018 foi aprovada pelo plenário do Conselho Nacional de Saúde, instituindo a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS). Além de integrar a vigilância com a atenção à saúde, precisamos avançar nessa integração de modo hegemônico. […] Esperamos aqui discutir tecnicamente e que todos nos auxiliem nas proposições e competências adequadas, para ações mais eficientes, ágeis e operativas, cumprindo assim a Constituição Federal. Sempre que a Abrasco precisar pode contar conosco”.

Coube a Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco, encerrar o primeiro bloco da cerimônia, que iniciou agradecendo a hospitalidade e a qualidade das ações em vigilância do Estado. “Este estado brasileiro, que conta com o maior número de municípios e que conduziu um processo eficiente de descentralização das ações de Vigilância Sanitária, servindo de exemplo para os demais estados do país”.

A presidente articulou também a relação direta das ações da VISA com o momento atual de desmonte de políticas públicas.

“Entendemos que vigiar é cuidar da vida promovendo saúde, diminuindo desigualdades sociais e assegurando que todos tenham uma vida justa e com liberdade. Cuidar e promover a saúde deveria ser a prioridade repetida de todos os governos. É inaceitável a aprovação de medidas que tirem direitos previdenciários e trabalhistas, alterem as normas de proteção no trânsito e no trabalho, e incentivem o porte de armas” concluiu Gulnar, fazendo o chamamento a todos de que lutar pela saúde é lutar pela democracia.

+ Leia o discurso de Gulnar Azevedo e Silva na íntegra

Compuseram também a mesa de abertura Maria Almiron, coordenadora da Unidade técnica de doenças transmissíveis e análise de saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS); Zélia Profeta, diretora do Instituto René Rachou/Fiocruz Minas; o conselheiro Wanderley Gomes da Silva, representando o Conselho Nacional de Saúde (CNS); Márcia dos Anjos Lopes, representando o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (COSEMS-MG); José Geraldo Martins, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e Lenira de Araújo Maia, diretora-geral da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais.

Miguilins de um roseano ser-tão: A costura entre arte e vigilância sanitária mais uma vez abrilhantou o Simbravisa, que nesta edição homenageou o escritor João Guimarães Rosa, num delicado trabalho liderado por Daniella Guimarães de Araújo, integrante do Grupo Temático Vigilância Sanitária – GTVISA/Abrasco, e coordenadora da Comissão de Cultura desta oitava edição.

“[Guimarães] compreendeu os contextos sociais nos quais a república se fazia e conheceu o bem e o mal, os vaqueiros e os latifundiários, as ervas medicinais, as benzições, a força das comunidades, a luta inglória contra o mosquito anofelino, os sanatórios, a segregação e a dor. A miséria e os donos do capital. Conheceu também a pujança e a esperança inspiradora dos buritizais. Nada mais oportuno em tempos onde o ambiente é vilipendiado e os morros gritam, que celebrar uma literatura que conta sobre o respeito e o zelo dos sertanejos ao território” disse a sanitarista-poeta, que entregou flores a Dôra Guimarães, prima do autor e uma das coordenadoras do Grupo Miguilim de contadores de estórias de Cordisburgo.

+ Leia o discurso de Daniella Araújo na íntegra

Formado por adolescentes que narram trechos do autor para os visitantes do Museu Casa Guimarães Rosa, o grupo está na sua décima geração em 23 anos de existência, levando causos, histórias e pedaços da biografia do autor homenageado para diversos cantos do país.

Impossível reportar a beleza das narrações dos jovens Ana Maria Gomes Diniz; Anna Laura Beraldo dos Santos; Emanuela Gonçalves Figueiredo; Maria Fernanda Vieira dos Santos; Gabriel de Freitas Torres; Matheus Gregor Dias C. Costa; Rafael Ferreira da Silva; Thales Gabriel Campos da Silva; Thiago Vaz Martins e Maria Eduarda P.F. Granja, que deram vida em forma de palavra a personagens como Riobaldo, Diadorim, Miguilim e o próprio Guimarães. Ao final, foi lida uma das mensagens encaminhadas ao projeto Cartas a Guimarães Rosa.

+ Veja a galeria de fotos do Grupo Miguilim

Desastres como sintomas de um Estado disfuncional: A cerimônia de abertura foi encerrada com a conferência do abrasquiano Léo Heller, pesquisador da Fiocruz-Minas e Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário. A apresentação do conferencista coube a Rilke Novato Públio.

Numa fala rica em referências e contundente, Heller articulou os desastres provocados pelo setor minerário como sintomas da disfuncionalidade do Estado, e que por ações com a marca da leniência, inação e indução e um silêncio ensurdecedor. Tais ações mostram que vão continuar como prática do governo Bolsonaro, e podem ampliar ainda desastres futuros e tão evitáveis como os que acometeram as barragens do Fundão, em Mariana; e do Feijão, em Brumadinho.

O pesquisador não deixou de chamar a atenção da área da saúde como um todo na fraca articulação de prevenção de desastres. “O setor saúde tem que fazer também sua mea culpa por se distanciar e pouco participar no trato dos temas da mineração e pouco tratar dos determinantes sociais e ambientais da saúde”.

Ao final, discutiu pontos de seu tema de trabalho – o saneamento básico – numa profícua carreira de mais de 40 anos. “Vemos que todos os esforços para uma Política Nacional de Saneamento, às quais fizemos uma tentativa de transformação e estruturação como aprovada em 2002 ser agora encaminhada para a transferência quase integral para a iniciativa privada, apesar de todas as evidências internacionais e ações de municipalização. Com o apoio de economistas hegemônicos e a grande mídia, essa estratégia sinaliza ainda mais desigualdade, excluindo os mais pobres e vulneráveis”, disse o abrasquiano, fortamente aplaudido ao final da conferência. Assista abaixo a Conferência Guimarães Rosa, democracia, direitos humanos, saúde e desastres: onde estão as intercessões? na íntegra.