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Discussões e posicionamentos sobre a Portaria nº 2.979 para o novo financiamento da APS

A proposta do Ministério da Saúde (MS) de mudança do financiamento da atenção primária à saúde (APS) foi aprovada em reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) no dia 31 de outubro, e formalizada no dia 12 de novembro 2019 através da Portaria n° 2.979[i]. Os debates sobre seus efeitos potenciais, positivos ou negativos, ainda seguem.

O modelo de financiamento proposto inclui pagamentos por capitação ponderada e por desempenho, além de incentivos para estratégias e programas. A capitação ocorreria segundo os registros de população cadastrada nas equipes de Saúde da Família (eSF), ponderada com base na vulnerabilidade socioeconômica – determinada pela proporção de pessoas cadastradas que recebem algum benefício financeiro –, pelo perfil demográfico dos cadastrados – em particular os menores de 5 anos e maiores de 65 –, e pela classificação geográfica rural-urbana definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[ii].

O pagamento por desempenho deve ser baseado no monitoramento quadrimestral de indicadores clínicos e epidemiológicos, a serem definidos em cada ano: inicialmente, em 2020 seriam focados nas gestantes, saúde da mulher, saúde da criança e nas doenças crônicas. Em 2021, seriam adicionados indicadores relacionados a Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), tuberculose e saúde bucal, e subtraídos aqueles referentes a gestantes e doenças crônicas. Em 2022, seriam mantidos somente os indicadores de IST, adicionando outros para saúde mental e doenças crônicas, além de alguns “Indicadores Globais”. Na Portaria n° 3.222 de 10 de dezembro 2019[iii], o MS determinou quais seriam os indicadores a serem medidos em 2020 e quais os critérios para a definição dos indicadores de 2021 e 2022.

Quanto aos incentivos para ações específicas e estratégicas, serão priorizados o Saúde na Hora, a informatização, e a formação e residência médica multiprofissional. Além disso, serão financiadas ações de saúde bucal e promoção da saúde, além de estratégias específicas como o Consultório na Rua, as Equipes Ribeirinhas, as UBS Fluviais, as Microscopistas, a Saúde Prisional e do Adolescente.

Vejam a seguir o posicionamento de alguns atores sobre esse tema.

Posicionamentos a favor do novo modelo de financiamento da APS

Os principais atores que se posicionaram publicamente a favor da mudança no financiamento da APS, além da própria Secretaria de Atenção Primária à Saúde do MS (SAPS/MS), foram o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e a Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC).

Ao apresentarem o projeto de novo financiamento para a APS, em outubro de 2019 em Brasília, os representantes da SAPS/MS defenderam que os objetivos do mesmo são valorizar a responsabilização das equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e demais equipes de APS; estimular o aumento da cobertura real da APS através de cadastro, principalmente entre as populações vulneráveis; fortalecer os atributos da APS; buscar melhorar o desempenho da APS e incentivar avanços na informatização, na qualidade da atenção, na promoção da saúde e prevenção de doenças, e no cuidado das populações de contextos específicos como as da Região Amazônica, ou a população em situação de rua.

Sem explicar como foi elaborado o cálculo, os representantes da SAPS/MS apresentaram uma síntese dos resultados esperados com esta mudança de modelo do financiamento, estimando que a maioria dos municípios ganharia um total de 2,6 bilhões de reais, enquanto a minoria perderia 290 milhões de reais. Além disso, estimaram que, entre 2019 e 2020, haveria um aumento de 11% no orçamento da APS, sendo que o Programa Saúde na Hora seria o item que ganharia o maior aumento em volume (195%).

O CONASS e o CONASEMS manifestaram apoio à medida logo que foi formalizada através da Portaria n° 2.979/19. De fato, Wilames Freire, o presidente do CONASEMS, defendeu a proposta como resultado de debate “entre gestores, técnicos, academia e outros setores da sociedade”[iv], apesar da proposta não ter passado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). O Secretário do CONASEMS, Mauro Junqueira, afirmou que não haveria perdas em recursos para os municípios porque “com as novas regras, todos vão se adaptar. E, além disso, há um tempo para que os problemas sejam resolvidos”[v].

Por outro lado, o CONASS apontou que a inspiração para tais mudanças veio da experiências de outros países, como o Reino Unido e o Canadá e, ao comunicar a formalização da medida, os editores do site do CONASS abriram a matéria declarando que o “Governo investirá R$ 2 bilhões para incluir 50 milhões de brasileiros no SUS”[vi]. A publicação foi concluída com uma folha de resumo dos “Seis Passos para a Atenção Primária”, descrevendo como um plano coordenado as ações recentemente tomadas pelo MS para a reestruturação da APS: a criação da SAPS/MS, o Programa Saúde na Hora, o Programa Médicos pelo Brasil, a reestruturação do financiamento da APS, o Conecte SUS e a Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde e de Endemias.

Finalmente, em nota oficial[vii] publicada em novembro, a SBMFC analisou a medida apontando como críticas a falta “de mecanismos claros para identificação e apoio a municípios que venham a apresentar redução de repasse federal” e a ambiguidade da Portaria n°2.979 sobre a questão da residência médica. Porém, a Sociedade se declara partícipe do processo de formação do Programa Médicos pelo Brasil, e em pleno apoio à nova política, argumentando que “o caráter universal do SUS se dá, primeiramente, pelo art 196° da Constituição Federal, não sendo, portanto, violado pelo modelo utilizado para se calcular o montante repassado pela união aos Municípios”vii. Em janeiro, a SBMFC foi representada pelo seu Diretor de Pesquisa, Daniel Soranz, durante o programa Sala de Convidados do Canal Saúde da Fiocruz[viii]. Soranz defendeu que o novo modelo incentiva os gestores municipais a expandir o cadastro de suas populações, o que permite que as eSF conheçam e possam dar seguimento aos seus usuários. Ciente das atuais dificuldades de implantação do sistema de informação necessário para o cadastro, argumentou que o MS prometeu resolvê-las no “próximo período”. Adicionou que, num contexto de APS fortemente desfinanciada, o novo modelo traria um aumento de 2 bilhões de reais no seu orçamento, e procura estimular todos os entes federados a tomar novas medidas para aportar mais recursos para a APS.

Posicionamentos contra o novo modelo de financiamento da APS

Várias notas e boletins foram publicados por instituições, grupos de pesquisa e outras associações criticando a proposta de novo financiamento e posicionando-se contra as recentes iniciativas do MS. Entre os principais críticos da mudança encontram-se o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Rio de Janeiro (COSEMS-RJ), 24 entidades do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB), além de vários pesquisadores.  Sumarizamos abaixo alguns argumentos apresentados.

O CNS, em nota publicada no dia 13 de novembro 2019[ix], posicionou-se claramente contra a publicação da Portaria n° 2.979/2019, denunciando, em particular, a invalidação das atribuições constitucionais do controle social, segundo a Lei n° 8.142/1990. O Conselho foi representado durante o programa Sala de Convidados do Canal Saúde da Fiocruzviii por um membro de sua mesa diretora, Elaine Pelaez. Esta demonstrou preocupação com a dificuldade de cadastro de grupos vulneráveis, como pessoas que não têm residência fixa (a exemplo dos moradores de rua) e defendeu uma modalidade de financiamento que contemplasse a população inteira. Sobre o conteúdo da medida, apontou a incerteza de que essa nova medida de financiamento possa efetivamente expandir a abrangência dos serviços de APS e o fortalecimento da ESF.

Em nota conjunta[x], 24 entidades do MRSB posicionaram-se contra a proposta de financiamento e a favor dos Projetos de Decreto Legislativo do deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) e do senador Humberto Costa (PT-PE), que pretendem sustar a Portaria nº 2.979/19 do Ministério da Saúde. Ressaltaram a falta de transparência da elaboração da medida e a falta de evidência de que o novo modelo asseguraria a redução das desigualdades regionais. Denunciaram, também, a clara associação desta medida com as políticas de austeridade fiscal implantadas a partir de 2016.

Ainda durante o programa Sala de Convidados do Canal Saúde da Fiocruzviii, o COSEMS-RJ foi representado pelo assessor técnico Manoel Santos, que relatou os esforços do Conselho para verificar os impactos potencias do novo modelo de financiamento, com graves prejuízos, na ordem de mais de 400 milhões de reais, afetando 98,3% da população do estado. De fato, o COSEMS-RJ estimou que, em alguns municípios do estado, haveria perdas de até 6 milhões de reais por mês durante um quadrimestre.  Argumenta que existem dificuldades concretas na implantação do cadastro, como pessoas que se recusam ser cadastradas, ou até áreas inteiras que resistem ao cadastro, e que o incentivo do novo modelo não é suficiente para superá-las.

A pesquisadora Ligia Giovanella, representando a Rede APS durante o mesmo programaviii, ressaltou que o sistema de informação utilizado até 2013 permitia a um indivíduo prover informações de cadastro sobre os membros da sua família, tendo um total de 140 milhões de indivíduos cadastrados. Entretanto, o sistema subsequente (e-SUS) somente cadastrou 83 milhões de pessoas, por exigir o registro individualizado, representando um aumento significativo na carga de trabalho dos Agentes Comunitário de Saúde (ACS), responsáveis pelo cadastro. Além disso, apontou para a diferença entre ter cartão SUS e ser cadastrado por uma eSF, sendo que em áreas sem eSF os cidadãos não conseguiriam se cadastrar apesar de possuírem cartão SUS. Finalmente, deu o exemplo dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo que, para conseguirem um recurso equivalente ao atual, deveriam cadastrar mais 2 milhões de pessoas e implantar mais 500 eSF em um quadrimestre.

Giovanella também falou da importância que o PAB fixo teve na expansão significativa de provisão de serviços da APS e para o aumento no número de pessoas que utilizavam a APS como provedor de serviços de saúde regular. Denunciou que com o novo modelo de financiamento o PAB fixo será abolido completamente, além de vários componentes do PAB variável, como o incentivo para os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e o incentivo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Lamentou a evidente perda de priorização da Estratégia de Saúde da Família (ESF), que tem se demostrado a estratégia de maior impacto para melhorar a saúde da população através de vários estudos científicos.  

Em relação aos 2 bilhões de reais adicionais anunciados pela SAPS/MS, Giovanella relatou os resultados de um estudo do IPEA que mostrou que os gastos federais em 2019 para a APS foram menores do que em 2018, e os gastos para 2020, conforme a proposta orçamentária em termos reais, não superam os de 2018.

Duas psicólogas associadas ao núcleo do Distrito Federal (DF) do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) analisaram em profundidade os efeitos do novo modelo de financiamento  sobre o NASF através de nota de posicionamento[xi] publicada no site do Cebes. Descreveram a história documental do NASF: em 2008 foi publicada a portaria da sua criação, preenchendo uma lacuna da época na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). O objetivo do NASF foi “de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade”[xii], promovendo o apoio matricial através de uma “parceria com os profissionais das equipes Saúde da Família”xii, e priorizando atividades compartilhadas e interdisciplinaresxi. Seguindo com sua história, relataram que em 2010 o MS incluiu no Caderno de Atenção Básica[xiii] Diretrizes para o NASF, e em 2011 o NASF entrou no texto da nova PNAB[xiv]. Em 2014, novamente no Caderno de Atenção Básica[xv], o MS compartilhou ferramentas para guiar os gestores na implantação do NASFxi. Entretanto, em 2017, com a mais recente PNAB[xvi], o MS tomou um posicionamento diferente e modificou o nome do programa para Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf-AB), além de retirar a dimensão de apoio. Finalmente, com o novo modelo de financiamento da APS do final de 2019 o NASF deixa de ser considerado um requisito para o repasse dos recursos federais: as transferências não dependem mais do número de eSF e equipes NASF, como antesxi. Apesar disso, de o MS segue declarando que o NASF não acabou, o que sim, acabou, foi o incentivo para os gestores locais implantarem equipes de apoio matricialxi. Agora, indicadores de desempenho centrados nos médicos e enfermeiros irão incentivar os gestores locais a concentrar os esforços sobre uma seleção restrita de serviços de APS, retirando o NASF das prioridades orçamentáriasxi. Os impactos mais direitos na população apareceram entre a força laboral que compõe atualmente as equipes NASF (em torno de 30.000 profissionais), e nos usuários que terão que voltar a procurar esta atenção especializada nos hospitais sobrecarregadosxi. Isto, num momento economicamente e socialmente complicado, que está levando muitas pessoas a necessitarem de atenção psicossocial e reabilitação. Ressaltaram que os profissionais formados nas Residências Multiprofissionais em Saúde da Família/Atenção Básica ficarão sem saída profissional especializada, e chamaram a Secretaria de Saúde do DF a se posicionar contra da abolição do NASF, mantendo e ampliando os serviços existentesxi.

Quatro pesquisadores/as e professores/as da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), em número especial da revista Saúde em Debate[xvii], apresentaram uma série de críticas sobre a nova medida, incluindo: o sistema de capitação e as metas de cadastro não compatíveis com a prestação de cuidado integral, com base comunitária, prevista pela ESF; a falta de transparência sobre a forma de cálculo das metas a serem alcançadas pelas equipes; a limitação da classificação geográfica rural-urbana definida pelo IBGE para determinar a ponderação por vulnerabilidade; e a inadequação da comparação com modelos de sistemas universais como o do Reino Unido, onde a capitação é utilizada para pagamento de profissionais de saúde, e não como mecanismo de transferências intergovernamentais.

Em matéria intitulada “Armas Apontadas para a Saúde da Família”[xviii], dois médicos de família e comunidade analisam os documentos de apresentação da medida, supostamente a favor da contínua priorização da ESF. Chamam a atenção para a incoerência do discurso, ressaltando que as chamadas ‘Equipes de Atenção Primária’ (EAP), sem técnico de enfermagem e ACS, tendem a tomar o lugar das eSF.  Do mesmo jeito, a política fala de equipes multiprofissionais, mas elimina o financiamento para o NASF, suporte multiprofissional das eSF. Os autores também destacam o papel da União para garantir universalidade de acesso ao sistema de saúde, e que o novo modelo vai promover o desfinanciamento da APS. Denunciam que um “verniz técnico” está sendo utilizado, com esta ênfase nas transferências baseadas em desempenho, para “disfarçar as possibilidades de manipulação política e fragilização dos municípios na negociação com a União”, e chamam o incentivo para o cadastro proposto no novo modelo de “afogadilho ou faca no pescoço”. Alertam que a medida provavelmente irá aumentar as desigualdades regionais, beneficiando mais os municípios que já têm maiores recursos, atacando o princípio de equidade constitucional do SUS, e que “estamos diante de um pacote nacional de Estímulo às Terceirizações e Privatizações dos serviços da Atenção Primária em Saúde”.

Dois professores da USP e da UNIFESP posicionaram-se, também, publicamente contra a medida, através de matéria publicada no site da Abrasco[xix]. A pergunta central da matéria questionou qual APS está sendo promovida pelo MS com o novo modelo de financiamento. E foi respondida logo no início: é uma APS seletiva que deve abarcar os mais ‘pobres’ por falta de recurso suficiente para que seja efetivamente universal e para todos; é uma APS assistencialista e individualista, ao contrário do preconizado pelos documentos que a defendem; é uma APS que tem ‘Lista de Pacientes’ e ‘Carteira de Serviços’, para facilitar a terceirização a privados; é uma APS administrada por uma Agência para o Desenvolvimento da APS (ADAPS), ente de direito privado; é uma APS mercantilizada.

A matéria critica a nomenclatura de ‘resultados em saúde’ para descrever indicadores, como número de consultas, que são puramente processuais e não mensuram o estado de saúde da população. Sugere que o objetivo de “incentivar avanços na capacidade instalada” seja outra iniciativa para beneficiar os municípios que já estão em melhores condições, em detrimento das regiões de difícil acesso. Os autores expressam preocupação de que os incentivos necessários para promover a formação e residência médica nas regiões de baixa densidade de médicos aumentem a disparidade salarial entre os profissionais das equipes. Também apontam que, ao contrário do que se propõe com um dos seus objetivos, o novo modelo de financiamento não atende o preconizado pela Lei 141/2012. Ressaltam: “O texto da lei se refere às necessidades de saúde da população como um todo e não apenas àquela cadastrada, em destaque para a mais vulnerável, como justifica o novo modelo”. A proposta, de fato, fica muito mais alinhada com as propostas do Banco Mundial no recente documento intitulado “Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro”[xx].

Na sequência, os autores elaboram uma crítica detalhada ao documento do MS. Apontam que as transferências federais por capitação, ao invés que de acordo ao conjunto da população, rompem com o vínculo com o território, característica crucial de uma APS forte, “prejudicando a ação comunitária, o planejamento territorial e a vigilância em saúde”. Ressaltam, também, que, ao invés do aumento propagado pelo MS de 2 bilhões no orçamento, na verdade se prevê “que o piso federal do SUS totalizará em 2020 perdas acumuladas em R$ 29,0 bilhões (a preços de 2019)”, por causa da implantação da Emenda Constitucional n. 95 desde 2017.

Sobre o componente 2 do modelo, ‘Pagamento por desempenho’, os autores apontam para a falta de transparência sobre as técnicas de mensuração dos resultados e os parâmetros sobre o desempenhoxix. Destacaram que a inspiração para este componente veio do Resource Allocation Working Party (RAWP), aplicado há mais de 40 anos no National Health System (NHS) inglês, e trouxeram algumas fontes que salientavam as limitações para a adaptação do RAWP em contextos tão diferentes, como o do Brasilxix. Finalmente, sublinham que a inspiração do pagamento por desempenho permanece nas dinâmicas de mercado, onde a ‘priorização’ de gastos é mais valorizada do que a ‘equidade’xix.

Em relação ao componente 3, ‘Incentivos a ações específicas e estratégicas’, enfatizam a ratificação de uma lógica fragmentada de implantar a APS e evidenciam a possibilidade de uma superexploração da força de trabalho, com iniciativas como o ‘Saúde na Hora’. Finalmente, sobre o componente 4, ‘Provimento de Profissionais’, destacam que se perdeu o requisito dos médicos serem especialistas na área de “Medicina de Família e Comunidade” (MFC), e se permitiu que sejam contratados em regime CLT, sob a égide do Direito Privado[xxi]. Alertam, também, para a volta de um financiamento ligado à presença do médico na equipexix.

À luz das observações conjuntamente trazidas pelos vários atores que se posicionaram contra o novo modelo de financiamento da APS, nós, a Rede APS, concluímos que a proposta do MS apresenta ameaças concretas ao fortalecimento e priorização da ESF e todos seus princípios. Recusamos a Portaria n° 2.979, e pedimos que a revisão do modelo de financiamento passe pelo processo de controle social preconizado na Lei n° 8.142/1990. Sigamos atentos.

Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

Referências

[i] MS. PORTARIA Nº 2.979, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019: Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO Publicado em: 13/11/2019 | Edição: 220 | Seção: 1 | Página: 97. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro-de-2019-227652180

[ii] MS. Apresentação do novo modelo de financiamento da APS pela SAPS/MS. Brasília, Outubro 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: http://www.cosemssp.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Novo-financiamento-APS_oficial_circula%C3%A7%C3%A3o-ERNO.pdf

[iii] MS. Portaria nº 3.222, de 10 de dezembro de 2019: Dispõe sobre os indicadores do pagamento por desempenho, no âmbito do Programa Previne Brasil.. Diário Oficial da União Publicado em: 11/12/2019 | Edição: 239 | Seção: 1 | Página: 172. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-3.222-de-10-de-dezembro-de-2019-232670481

[iv] CONASEMS. CIT: pactuado novo modelo de financiamento da Atenção Básica. Publicado em 01 nov 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: https://www.conasems.org.br/cit-pactuado-novo-modelo-de-financiamento-da-atencao-basica/

[v] Abrasco. Mudanças na Atenção Básica repercutem na imprensa – matéria por Bruno C. Dias. Publicado em 14 nov 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/sistemas-de-saude/embaladas-como-programa-mudancas-na-atencao-basicarepercutem-na-imprensa/43948/

[vi] CONASS. Governo investirá R$ 2 bilhões para incluir 50 milhões de brasileiros no SUS. Publicado em 13 nov 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: www.conass.org.br/governo-investira-r-2-bilhoes-para-incluir-50-milhoes-de-brasileiros-no-sus/

[vii] SBMFC. Nota da SBMFC sobre nova política de financiamento da Atenção Primária à Saúde – Programa Previne Brasil. Publicada em 28 nov 2019. Acesso em: 13 jan 2020. Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/noticias/nota-sobre-nova-politica-de-financiamento/

[viii] FIOCRUZ. Sala de Convidados: “Novo financiamento da APS”. Canal Saúde. Fiocruz. Exibido em 09 jan 2020. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: https://www.canalsaude.fiocruz.br/canal/videoAberto/financiamento-da-atencao-basica-sdc-0485

[ix] CNS. Nota: CNS desaprova publicação de portaria da Atenção Primária sem aval do controle social. Publicado em 13 nov 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: http://www.susconecta.org.br/nota-cns-desaprova-publicacao-de-portaria-da-atencao-primariasem-aval-do-controle-social/

[x] Abrasco. Em defesa da atenção primária e do direito universal à saúde: pela revogação da Portaria nº 2979/19 do Ministério da Saúde. Publicado em 21 nov 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/institucional/defesa-da-atencao-primaria-e-do-direito-universal-a-saude-pela-revogacao-da-portaria-no-2979-19-do-ministerio-da-saude/44034/

[xi] Reis S & Meneses S. Novo financiamento da atenção básica: possíveis impactos sobre o Nasf-AB. Cebes (Online). Publicado em 12 fev 2020. Acesso em 13 fev 2020. Disponível em: http://cebes.org.br/2020/02/novo-financiamento-da-atencao-basica-impactos-sobre-o-nasf-ab/

[xii] Brasil. Portaria GM/MS nº 154, de 24 de janeiro de 2008, art. 1. Acesso em 13 fev 2020. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt0154_24_01_2008.html

[xiii] Brasil. Cadernos de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde. 2010. Acesso em 13 fev 2020. Acesso em 13 fev 2020. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_do_nasf_nucleo.pdf

[xiv] Portaria GM/MS nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília: Ministério da Saúde. Acesso em 13 fev 2020. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html

[xv] Brasil (2014). Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família – Volume 1: ferramentas para gestão e para o trabalho cotidiano. Brasília: Ministério da Saúde. 2014. Acesso em 13 fev 2020.  Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/nucleo_apoio_saude_familia_cab39.pdf

[xvi] Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde. Acesso em 13 fev 2020. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html

[xvii] Melo EA, Almeida PF, Lima LD e Giovanella L. Reflexões sobre as mudanças no modelo de financiamento federal da Atenção Básica à Saúde no Brasil. Saúde debate | Rio de Janeiro, v. 43, n. Especial 5, p. 137-144, dez 2019

[xviii] Gomes-Pedralva, BA e Rocha, VXM da. Armas apontadas para a Saúde da Família. Brasil de Fato. Belo Horizonte. Publicado em 29 nov 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: https://www.brasildefatomg.com.br/2019/11/29/artigo-or-armas-apontadas-para-a-saude-da-familia

[xix] Mendes A e Carnut L. Novo modelo de financiamento para qual Atenção Primária à Saúde? Abrasco. Publicado em 23 out 2019. Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/formacao-e-educacao/novo-modelo-de-financiamento-para-qual-atencao-primaria-a-saude-artigo-de-aquilas-mendes-e-leonardo-carnut/43609/

[xx] Banco Mundial. BIRD/AID. (02 de 07 de 2019). Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro. 2019 Acesso em 13 jan 2020. Disponível em: http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/Propostas-de-Reformas-doSUS.pdf  

[xxi] Miranda, AS. “Médicos pelo Brasil”: simulacro reciclado e agenciamento empresarial, 2019.. Acesso em 13 fev 2020. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/sistemas-de-saude/medicos_brasil__bolsonaro_alcides_miranda/42108/

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