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Arquivo Diário 19 de fevereiro de 2020

Carta aberta à Secretaria Municipal de Saúde e à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Prezados,

A Atenção Primária à Saúde (APS) constitui componente fundamental de diversos sistemas de
saúde no mundo, sendo capaz de resolver a grande maioria das demandas da população,
atuando na promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação. Desde 2006,
a Estratégia de Saúde da Família constitui o primeiro contato da população com a rede SUS
que deve ser realizado prioritariamente pelas equipes de Saúde da Família, responsáveis pela
coordenação do cuidado, desenvolvendo trabalho multiprofissional, no contexto do território, de
forma longitudinal, voltado para a família e comunidade, articulando dimensões biológicas,
psicológicas e culturais no cuidado.

Em 20 anos o percentual da população brasileira coberta pela Estratégia de Saúde da Família
(ESF) ampliou-se em 15 vezes. O município do Rio de Janeiro iniciou o processo de expansão
da ESF em 2009, chegando a alcançar 75% de cobertura ao fim de 2016. Entretanto, nos últimos
três anos, o orçamento municipal destinado à saúde vem sendo reduzido, com especial impacto
na ESF. Como consequência mais de um milhão de cidadãos cariocas tiveram seu direito a
cuidados de saúde prejudicados, tanto em acesso quanto em qualidade, com a extinção de
diversas equipes da ESF em toda a cidade.

Desde o início de 2019 esse cenário vem piorando de forma acelerada. Neste momento, nas
áreas programáticas (AP) 2.1 (Zona Sul), 3.1 ( Penha, Ilha do Governador, Ramos, Bonsucesso,
Olaria, Manguinhos, Penha Circular, Brás de Pina, Cordovil, Parada de Lucas, Vigário Geral,
Jardim América, Complexo do Alemão, Maré) e 3.3 (Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura,
Cavalcanti, Engenheiro Leal, Honório Gurgel, Madureira, Marechal Hermes, Oswaldo Cruz,
Quintino Bocaiúva, Rocha Miranda, Turiaçu e Vaz Lobo) os profissionais da ESF estão sendo
demitidos para serem recontratados com diminuição dos salários. Não sabemos quantos profissionais não serão recontratados, muitos dos quais atuam há anos junto a famílias e comunidades. Assim, cerca de 70 Clinicas da Família tiveram seu funcionamento prejudicado,
atingindo diretamente mais de 2 milhões de pessoas.

Na AP 4.0 (Anil, Barra da Tijuca, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia Jacarepaguá, Itanhangá, Pechincha, Praça Seca, Tanque,
Taquara) a proposta da Secretaria Municipal de Saúde é a contratação de profissionais na
condição de pessoa jurídica, o que significa perda de todos os direitos trabalhistas garantidos na
Consolidação das Leis do Trabalho e precarização da relação de emprego, o que afeta
negativamente a pessoalidade e a construção do vínculo, características da ESF/APS. O
mesmo processo atinge trabalhadores dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) das
referidas APs, impactando no atendimento de pessoas com sofrimento/transtorno mental dos
territórios adscritos.

Caso a política de subfinanciamento da Atenção Primária não seja modificada pela prefeitura
do Rio de Janeiro, em breve essa mesma situação será reproduzida nas demais áreas da cidade.
O desinvestimento na APS acarreta dificuldade de acesso, deteriora a qualidade do atendimento
prestado, resultando em maiores índices de adoecimento e de complicações associadas a
doenças crônicas e agravos tardiamente abordados, com impacto negativo na qualidade de vida
da população e aumento das taxas de exames, procedimentos e internações hospitalares,
gerando maiores custos para o sistema de saúde.

O enfraquecimento da rede de APS do município do Rio de Janeiro afeta fortemente a formação
de novos profissionais. A rede municipal de saúde, de acordo com diretrizes conjuntas do
Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, representa espaço de formação profissional,
recebendo alunos de inúmeras instituições de ensino para treinamento em serviço e formação
de profissionais ccomprometidos com o SUS. Diversos alunos de cursos de graduação e pós
graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizam estágios curriculares nas
unidades da APS da rede municipal. Somente o Departamento de Medicina em Atenção Primária à Saúde
(DMAPS) da Faculdade de Medicina da UFRJ tem, atualmente, cerca de 220 alunos inseridos
nas Clínicas da Família e nos CAPS municipais.

Dentro da parceria docente-assistencial do DMAPS com a Subsecretaria de Promoção, Atenção
Primária e Vigilância em Saúde, destaca-se o internato integrado de Medicina de Família e
Comunidade (MFC), Saúde Mental e Saúde Coletiva, com quase 120 alunos distribuídos por 17
Clínicas da Família que atuam sob supervisão dos médicos preceptores da residência médica
em MFC da rede municipal, um bem sucedido projeto de integração ensino-serviço,
internacionalmente premiado no final do ano de 2018.

Através desta carta, o DMAPS/ UFRJ e os professores do internato integrado de Medicina de
Família e Comunidade (MFC), Saúde Mental e Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da
UFRJ reiteram a importância de uma APS forte, unindo-se a diversas entidades acadêmicas e
profissionais na solicitação da revisão do provimento financeiro e das regras de contratação das
equipes de Saúde da Família pela atual Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, visto
os inúmeros, graves e lamentáveis prejuízos presentes, e futuros, acarretados pela não inclusão
da rede de Atenção Primária a Saúde como área prioritária de investimento dos recursos
municipais. Recursos em saúde não são gastos e sim investimentos em melhoria de qualidade
de vida, em dignidade.

Defender uma Atenção Primária forte é defender o SUS. Defender o SUS é defender o direito à
cidadania, é defender os Direitos Humanos. Cuidar da saúde é um dos primeiros, e principais,
passos para se cuidar das pessoas.

Coordenação e corpo docente do Internato Integrado de Medicina de Família, Saúde
Mental e Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Departamento de Medicina em Atenção Primária em Saúde da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2020.

Veja documento  Carta aberta SMSRJ fev 2020 v2–