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O trabalho das equipes de Saúde Bucal na APS em tempos de pandemia

A atual situação provocada pela pandemia Covid-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), está exigindo de todos os níveis de atenção do sistema de saúde respostas para o seu enfrentamento, numa circunstância marcada pelo agudo desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), profunda falta de coordenação entre as autoridades governamentais e com todas as consequências resultantes dessa combinação nefasta como a falta de pessoal, de equipamentos de proteção individual (EPI), de equipamentos médicos, de orientação clara à sociedade.

Especificamente na Atenção Primária à Saúde (APS) a Covid-19 encontra um cenário de ataques ao modelo de cobertura pública e universal, com investidas de cortes e mercantilização (Rede APS, 2018). As conformações diferenciadas de equipes na APS, regulamentadas pela Portaria Nº 2.539, de 26/09/19, afetam fortemente o processo de trabalho das equipes de saúde bucal (ESB). Os profissionais das ESB, ao integrarem as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) desde o ano 2000, e, marcadamente desde 2004, sob as diretrizes do Brasil Sorridente foram convocados a rever o modelo de cuidado, incorporando ações que extrapolam o núcleo específico de atuação profissional, ampliando sua inserção em atividades tanto no espaço da Unidade Básica de Saúde (UBS) como no território adscrito. As transformações em curso ameaçam o retorno às práticas procedimento centradas, em detrimento de um processo de trabalho fundamentado na vigilância à saúde e desenvolvido em equipe interprofissional.

Para o enfrentamento da Covid-19, a Coordenação Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, publicou a Norma Técnica nº 09/2020 que orienta “a suspensão dos atendimentos odontológicos eletivos, mantendo-se o atendimento das urgências odontológicas” (BRASIL, 2020). Tal medida se justifica em função do alto risco de contágio ao qual estão expostos os profissionais das ESB, em especial pela geração de aerossóis durante a realização de procedimentos odontológicos.  De outra forma, pressupõe-se também que o atendimento às urgências odontológicas deve ser mantido somente se houver disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPI) para os profissionais.

A Norma Técnica orienta ainda que “os profissionais de saúde bucal, como corresponsáveis pelo cuidado da população e integrantes das equipes multiprofissionais, deverão compor a equipe que realizará as ações do FAST-TRACK COVID-19” sendo que o cirurgião dentista pode realizar o acolhimento, a avaliação de sintomas e realização de notificação, em colaboração com os profissionais de enfermagem (BRASIL, 2020).

Orientações setoriais são importantes para apoiar as práticas cotidianas, particularmente em situações de exceção. Mas, neste caso, algumas questões podem e devem ser analisadas: por que a atuação do dentista ficou circunscrita às ações do fast-track e de apoio à notificação? por que avanços, como a incorporação dos determinantes sociais de saúde no processo de trabalho das ESB na APS e o desenvolvimento interprofissional de ações de vigilância, de prevenção e de educação no território, não aparecem nas linhas de atuação da recomendação oficial?

            Essa norma tensiona abertamente o significado e os limites da atuação da saúde bucal coletiva, como fundada no SUS e na própria Política Nacional de Saúde Bucal. Na prática reduz e invisibiliza o esforço de muitos profissionais que têm contribuído, de forma teórica e prática, na construção de um campo de atuação ampliado, de natureza interprofissional e interdisciplinar, baseado na realidade de cada território. Abandona a ideia de saúde bucal coletiva implicada com a vida e com o direito à saúde e reafirma a de uma odontologia restrita ao atendimento seletivo de demanda espontânea e da realização de notificações (importantes no contexto da pandemia, mas muito aquém da potência dos profissionais e da necessidade do momento epidemiológico). Equivale a enfrentar, não a pandemia, mas a própria construção do campo de atuação da saúde bucal coletiva.

Diante destes questionamentos e tomando como base os três eixos de intervenção da APS para o enfrentamento da Covid-19, apresentados e discutidos pela professora Maria Guadalupe Medina (APS, 2020), identificamos a seguir outras (e necessárias) possibilidades de atuação das ESB:

Eixo 1 –  Planejamento e gerenciamento de risco da epidemia no território, envolve as ações de comunicação de risco para fortalecer a capacidade de entendimento do evento e de geração de respostas positivas por parte da comunidade,  engajamento comunitário com mobilização de lideranças, monitoramento dos casos e suspeitos na área, uso de ferramentas e dispositivos que garantam a escuta segura das demandas da comunidade, estímulo à criação de redes de solidariedade locais.  

Eixo 2:  Suporte a grupos mais frágeis e vulneráveis que necessitarão de atenção especial no contexto da epidemia, seja por sua situação de saúde e/ou vulnerabilidade social, trata da identificação, pelo cadastro das famílias e pela próprio conhecimento dos ACS das microáreas, das pessoas que se enquadram nessa condição; dimensionando e organizando estratégias de acompanhamento pela equipe, mas também em articulação com outras frentes comunitárias e institucionais. No território é a equipe de saúde que tem a capacidade, em menor tempo e com mais precisão, de identificar esses grupos e protegê-los. 

Eixo 3: Continuidade das ações próprias da atenção primária, inclui as ações como o uso de novas formas de cuidado cotidiano à distância, com disponibilidade de acesso à internet, WhatsApp, telefone, teleconsulta. Mesmo que não haja oferta de dispositivos específicos pela gestão, é possível criar rotina de acompanhamento dos casos e suspeitos, a partir das tecnologias presentes na própria unidade. A incorporação do cuidado via teleodontologia, quando regulamentado poderá contribuir para a realizações de diferentes ações na APS.

            Todos os eixos apresentam ações que não pertencem exclusivamente a uma categoria profissional, mas podem e devem ser discutidas em equipe e as tarefas assumidas de acordo com a disponibilidade de cada profissional, nos diferentes momentos ou ondas da pandemia.

            O conhecimento local do território e o vínculo, com grupos ou indivíduos, estão diretamente ligados com a capacidade de mobilizar positivamente a comunidade local e promover medidas singulares de redução de risco e proteção. Quanto maior a capacidade da gestão comunitária, melhores resultados no enfrentamento dos problemas e na adesão às normativas técnicas e científicas – particularmente no cenário de profundas diferenças e iniquidades do país.

Esta nota breve alerta que as equipes de saúde bucal possuem grande potencial de trabalho coletivo e interprofissional para o enfrentamento à Covid-19, reúnem saberes e práticas que permitem que somem esforços em todos os três eixos de atuação, reforçando a ideia de que o cuidado é também da ordem da comunicação, da mobilização e da coordenação de estratégias para a defesa da vida.

Documento produzido por Daniela Lemos Carcerei da ABENO e Elisete Casotti da UFF

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