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Arquivo Mensal janeiro 2021

APS FORTE no SUS – Mosaico de experiências

O Brasil é internacionalmente conhecido pelo seu sistema público universal de saúde, orientado pela Atenção Primária à Saúde (APS). Cada território desenvolve estratégias, muitas delas inovadoras, para organizar e adaptar os serviços de saúde visando o enfrentamento dos desafios postos para a saúde pública.

 No combate à pandemia da Covid-19, é muito importante identificar, dar visibilidade, reconhecer e compartilhar iniciativas locais, municipais ou regionais que respondam satisfatoriamente às necessidades de saúde da comunidade.

Pensando em uma estratégia que estimule o debate e divulgue conhecimentos de forma célere, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS/MS) e a Organização Pan-americana da Saúde da Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil  fizeram a iniciativa APS Forte no SUS – no combate à pandemia, com intercâmbio de Experiências  das práticas inovadoras adotadas na APS nos sites das instituições parceiras e realização de debates virtuais.

Confira as práticas inscritas na iniciativa APS FORTE no SUS no combate a pandemia de Covid-19. Mais de 1.600 experiências participaram da edição de 2020. Confira o  Mosaico de Experiências:

Linha 1 – Organização das UBS para absorver a demanda

https://apsredes.org/linha-1-organizacao-das-ubs-para-absorver-a-demanda/

Linha 2 – Cuidado dos usuários com condições crônicas

https://apsredes.org/linha-2-cuidado-dos-usuarios-com-condicoes-cronicas/

Linha 3 – Segurança dos profissionais da saúde e usuários

Linha 3 – Segurança dos profissionais da saúde e usuários

Linha 4 – Tecnologia da Informação e Comunicação

Linha 4 – Tecnologia da Informação e Comunicação

Linha 5 – Vigilância em Saúde 

Linha 5 – Vigilância em Saúde

Linha 6 – Ações intersetoriais

Linha 6 – Ações intersetoriais

Linha 7 – Educação Permanente e Educação em Saúde

https://apsredes.org/category/linha-7/

Linha 8 – Governança – Comitês técnicos e de Gestores

https://apsredes.org/category/linha-8/

 

Site – https://apsredes.org/aps-forte-sus-no-combate-a-pandemia/

Como interpretar os benefícios das vacinas contra a COVID-19

O Epidemiologista da Fiocruz e da UERJ Paulo Nadanovsky publicou um documento esclarecedor para a interpretação dos benefícios das vacinas contra a Covid-19. 

Temos que comemorar muito as vacinas contra a COVID-19

A principal mensagem deste texto é de alívio e enorme satisfação pela disponibilidade de vacinas eficazes para acabar com essa pandemia em pouco tempo. O trabalho de muitos cientistas por vários anos desenvolvendo tecnologias para vacinas, o foco intensificado em 2020 para desenvolver vacinas específicas contra o SARS-CoV-2 e a sorte deste vírus ser “vacinável” (há vários vírus para os quais todos os esforços científicos não foram suficientes para criar uma vacina efetiva), geraram um resultado que devemos celebrar / comemorar muito.

Historicamente, as principais doenças infectocontagiosas não foram controladas por medidas médicas, tais como vacinas e antibióticos. Melhorias nas condições de vida, incluindo alimentação, habitação e higiene, foram os principais fatores que controlaram as principais doenças infecciosas. Por exemplo, a tuberculose, que foi o principal matador das populações humanas na Europa e nas Américas durante o século 19 e primeira metade do século 20, teve quase todo seu declínio associado a melhorias nas condições de vida; as contribuições da vacina e do antibiótico foram relativamente pequenas. Quando vacina e tratamento efetivo para a tuberculose finalmente foram descobertos e disponibilizados para a população, na década de 1950, quase todo o declínio de mortes pela tuberculose já havia ocorrido (ver Thomas McKeown, The role of Medicine). Após a década de 1950, o declínio da tuberculose acelerou marcadamente, atestando a grande efetividade da vacina e do antibiótico no controle desta doença. Desde então, o resquício de casos de tuberculose que continua a ameaçar a vida de muitas pessoas pode ser facilmente tratado por antibióticos efetivos.

Felizmente, ainda que não tenha sido descoberto um tratamento efetivo para tratar a COVID-19, foram descobertas vacinas que efetivamente evitam esta doença. Em comparação com outros momentos na história (incluindo a tuberculose nos séculos 19 e 20), estamos em uma situação privilegiada; temos vacinas efetivas para lidar com uma pandemia causada por um agente infeccioso novo na espécie humana, em menos de um ano de duração da pandemia. Nossos antepassados nunca tiveram recurso médico / farmacológico efetivo para lidar com doenças infectocontagiosas em tão pouco tempo após a introdução da doença na espécie humana. Esta é uma situação histórica inédita privilegiada.

 O que as vacinas contra a COVID-19 nos proporcionam?

O que exatamente as vacinas disponíveis contra a COVID-19 nos trazem de benefício?

Até este momento sabemos que elas evitam que a pessoa vacinada tenha COVID-19. O que é uma pessoa com COVID-19? É uma pessoa que sente algum dos sintomas típicos da COVID-19 e testa positivo para a presença do vírus SARS-CoV-2. Esses sintomas são principalmente os seguintes: febre (≥37,8), tosse, dificuldade para respirar, perda de olfato e perda de paladar. Outros sintomas possíveis são: dores musculares, calafrios, dor de cabeça, dor de garganta, diarreia, congestão nasal, coriza, cansaço, enjoo, vômito e perda de apetite. Algumas pessoas fazem quadros mais graves de COVID-19 que levam à necessidade de internação hospitalar, tratamento hospitalar intensivo e em alguns casos até à morte. Até o momento, não sabemos com certeza se as vacinas evitam especificamente esses quadros mais graves.

 O que as vacinas contra a COVID-19 parecem nos proporcionar?

Todas as análises dos dados dos estudos clínicos de fase 3 das vacinas até este momento foram interinas. Nenhum estudo já chegou ao final, por isso, há várias perguntas ainda não respondidas. Mas, como a situação da pandemia é grave, os resultados interinos, ainda que não conclusivos, podem indicar benefícios plausíveis (talvez até prováveis) que serão confirmados ao final dos estudos. Como as probabilidades de danos das vacinas parecem bem pequenas, vale a pena começar a usá-las mesmo antes de todos os possíveis benefícios serem comprovados com bom grau de certeza.

Os resultados interinos sugerem que as vacinas evitam os casos graves e mortes pela COVID-19. Ainda que o número de casos graves e mortes tenha sido insuficiente até este momento para assegurar a efetividade das vacinas em evitar esses casos, todos ocorreram nos participantes que receberam o placebo e nenhum entre os que receberam a vacina.

Os resultados interinos sobre infecções assintomáticas não foram divulgados até este momento. Mais ainda, não sabemos se as vacinas proporcionam proteção contra a infecção pelo SARS-CoV-2. Pode ser que as vacinas sejam capazes de evitar que o vírus cause sintomas de COVID-19 em pessoas infectadas, mas não de evitar que o vírus se reproduza no organismo da pessoa. Essa informação é crucial para sabermos se a vacina evita a transmissão do SARS-CoV-2. As transmissões ocorrem a partir de pessoas sintomáticas, pré-sintomáticas e assintomáticas. Se as vacinas não forem capazes de evitar a reprodução do vírus no organismo da pessoa vacinada, ela estará protegida da doença, mas poderá ainda assim transmitir o vírus para outras pessoas. A falta dessa informação limita alternativas de priorização nos programas de vacinação. Caso as vacinas evitem a reprodução do vírus (a infecção), a alternativa possivelmente mais eficiente para acabar mais rapidamente com a pandemia seria priorizar os grupos populacionais que mais circulam pelas cidades e encontram com outras pessoas, por exemplo, os jovens. Caso as vacinas evitem a doença, mas não evitem a infecção, a melhor alternativa é priorizar os grupos populacionais mais suscetíveis às formas mais graves da doença, por exemplo, os idosos.

O fato de não haver até este momento evidência de que as vacinas evitem a infecção (a transmissão do vírus), evitem casos graves e mortes, e de que elas protejam por pelo menos um ano, não significa que haja evidência de que elas não proporcionem esses benefícios (Tabela 1). Pelo contrário, parece que há evidências indiretas que nos permitem ser otimistas. Por exemplo, em um grupo de 1.265 pessoas que teve COVID-19, produziu anticorpos IgG e foi acompanhado por seis meses, houve apenas 2 pessoas com reinfecção pelo SARS-CoV-2 (2 em 1.265 = 1 em 633), ambas assintomáticas (NEJM, 23 de dezembro de 2020, DOI: 10.1056/NEJMoa2034545), sugerindo que a reação imune natural contra este vírus protege contra futuras infecções, por pelo menos 6 meses (entre as pessoas que não tinham tido COVID-19 e eram IgG negativas, foram 223 infecções em 11.364 = 1 em 51). Possivelmente (ou provavelmente) a reação imune proporcionada pelas vacinas seja similar ou até mais robusta, pois representa um “desafio” controlado / dosado para desencadear a melhor resposta imune possível, i.e., a resposta imune “ideal” (uma adaptação natural dificilmente evolui para proporcionar a melhor função possível; ela tende a evoluir para proporcionar uma função suficiente, mas não ideal).

Esclarecendo mal-entendidos comuns

O que significa 95% de eficácia?

Respostas comuns:

1- Significa que 95% das pessoas vacinadas não terão COVID-19 (ou que de cada 100 pessoas vacinadas, 95 não terão COVID-19).

2- Significa que as pessoas vacinadas terão 95% menos sintomas.

3- Significa que as pessoas vacinadas terão sintomas 95% mais fracos.

Todas as três respostas acima estão erradas.

Eficácia de 95% significa coisas diferentes em diferentes populações. Vamos ver o que 95% de eficácia significou na população do estudo da Pfizer-BioNTech (Pfizer), depois vamos simular o que significaria na população brasileira e na população da Nova Zelândia.

No estudo da Pfizer, 18.198 indivíduos receberam a vacina e 18.325 indivíduos receberam o placebo, que geraram 2.214 pessoas-ano no grupo de vacina e 2.222 pessoas-ano no grupo do placebo (aproximadamente 2 meses de seguimento por pessoa nos dois grupos) sob risco de adoecer antes da ocorrência do desfecho primário principal (sintomas de COVID-19 confirmada com teste para presença do SARSCoV-2).[1] No grupo da vacina, 8 pessoas tiveram COVID-19 e no grupo do placebo 162 tiveram COVID-19. Os cálculos da eficácia então foram os seguintes:

Incidência no grupo da vacina: 8 em 2.214 pessoas-ano = 0,0036≈0,004;

Incidência no grupo do placebo: 162 em 2.222 pessoas-ano = 0,0729≈0,07;

Razão de incidências = 0,0036/0,0729 = 0,049 ≈ 0,05;

Eficácia = 100 x (1-razão de incidências) = 100 x (0,95) = 95%.

Então, no grupo sem vacina, seria como se a incidência fosse de 7% por ano (“seria” ao invés de “foi”, porque os participantes não foram de fato acompanhados por um ano). Ou seja, em cada 1.000 pessoas não vacinadas, 70 contrairiam COVID-19 em um período de um ano. No grupo vacinado, seria como se a incidência fosse de 0,4% por ano. Ou seja, em cada 1.000 pessoas vacinadas, 4 teriam COVID-19 em um período de um ano. Essa diferença de 70 em mil para 4 em mil (ou de 7% para 0,4%) é uma diferença de 95% menos casos entre os vacinados em comparação com os não vacinados. Isso é o que significa 95% de eficácia (Figura 1).

Figura 1. Incidências de COVID-19 no grupo que recebeu a vacina (4 por mil pessoas-ano) e no grupo que recebeu o placebo (70 por mil pessoas-ano) no estudo da Pfizer-BioNTech. A diferença relativa entre 4 e 70 gerou a eficácia de 95%.

Reparem então que a resposta 1 (95% das pessoas vacinadas não terão COVID-19 ou de cada 100 vacinadas 95 não terão COVID-19) está errada. No estudo da Pfizer, foram 18.198 vacinados (2.214 pessoas-ano) e 8 tiveram COVID-19. Então, a incidência de COVID-19 no grupo vacinado foi 0,4%, ou seja, 99,6% das pessoas vacinadas não tiveram COVID-19 (e não 95% como muitas pessoas têm falado). Em comparação, no grupo não vacinado, 93% não tiveram COVID-19. A resposta 2 (as pessoas vacinadas terão 95% menos sintomas) está errada, pois os estudos não mediram quantos sintomas ou quantos episódios de sintoma cada pessoa teve, portanto, a eficácia relatada pelos estudos não se refere a isso. A resposta 3 (as pessoas vacinadas terão sintomas 95% mais fracos) está errada, pois os estudos também não mediram a intensidade dos sintomas (por exemplo, fraco, moderado ou forte), então, a eficácia relatada pelos estudos também não se refere a isso.

Em suma, neste momento, a eficácia dessa vacina responde à seguinte pergunta: de cada 100 pessoas não vacinadas que tiveram COVID-19, quantas não teriam tido se tivessem sido vacinadas? No caso da vacina Pfizer, esse número foi 95 (ou 95% de eficácia). Notem que o sublinhado realça o fato de que a eficácia se refere apenas às pessoas que não tiveram COVID-19 devido ao uso da vacina. Como muitas pessoas não contraem COVID-19 mesmo não tendo sido vacinadas, o percentual de pessoas sem COVID-19 entre as vacinadas é maior do que 95% (99,6% no caso da vacina Pfizer), pois inclui também as pessoas que não teriam COVID-19 mesmo se não tivessem sido vacinadas.

Agora, vamos fazer uma simulação com os dados da pandemia da COVID-19 no Brasil. O que significaria 95% de eficácia considerando a incidência de COVID-19 no Brasil?

Houve 7.504.833 casos acumulados de COVID-19 confirmados no Brasil até 27 de dezembro de 2020; isso equivale a uma incidência de 3.571 pessoas por 100 mil habitantes no ano de 2020 ≈ 36 por mil. Se 100% da população brasileira tivesse sido vacinada com uma vacina com 95% de eficácia, teríamos tido 7.129.592 casos de COVID-19 a menos (ou 3.392 casos por 100 mil a menos ou 34 casos por mil a menos) (Figura 2).

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 2. A incidência de COVID-19 no Brasil foi de 7.504.833 até 27 de dezembro de 2020, período em que não houve vacina. Se toda a população tivesse sido vacinada com uma vacina com 95% de eficácia, somente 375.241 pessoas teriam contraído COVID-19.

Para aplicar a eficácia de 95% em populações com diferentes incidências de COVID-19 (ou em indivíduos com diferentes probabilidades pré-vacina), basta multiplicar a incidência (ou a probabilidade pré-vacina) por 0,05. Por exemplo: se a incidência for de 100% nas pessoas não vacinadas, será de 5% nas vacinadas; se a incidência for de 50% nas pessoas não vacinadas, será de 2,5% nas vacinadas; se a incidência for de 30% nas pessoas não vacinadas, será de 1,5% nas vacinadas.

Similarmente, se a vacina tiver eficácia de 60% (esta foi a eficácia aproximada demonstrada pela vacina da Oxford-AstraZeneca), multiplicar a incidência (ou a probabilidade pré-vacina) por 0,4. Por exemplo: se a incidência for de 100% nas pessoas não vacinadas, será de 40% nas vacinadas; se a incidência for de 50% nas pessoas não vacinadas, será de 20% nas vacinadas; se a incidência for de 30% nas pessoas não vacinadas, será de 12% nas vacinadas. A Figura 3 mostra a simulação para o Brasil com uma vacina com 60% de eficácia; o que significaria 60% de eficácia considerando a incidência de COVID-19 no Brasil? Nessa simulação, dos 210 milhões vacinados, quase 207 milhões não teriam contraído COVID-19. Isso significa que usando a vacina com 60% de eficácia, 98,6% dos vacinados não teriam tido COVID-19.

Figura 3. A incidência de COVID-19 no Brasil foi de 7.504.833 até 27 de dezembro de 2020, período em que não houve vacina. Se toda a população tivesse sido vacinada com uma vacina com 60% de eficácia, 3.001.933 pessoas teriam contraído COVID-19.

Do ponto de vista do indivíduo, o papel mais importante da vacina é evitar a COVID-19 e seus quadros mais graves. Do ponto de vista do controle da pandemia, o papel mais importante da vacina é evitar a transmissão do SARS-CoV-2 de pessoa para pessoa. Vamos ver a seguir como funciona o raciocínio do impacto da vacina do ponto de vista do indivíduo (relevante para cada pessoa – o que eu ganho individualmente ao me vacinar) e do ponto de vista da população (relevante para as autoridades de saúde pública e governantes – o que a população da minha cidade ou país ganha se todas as pessoas forem vacinadas).

 Benefício da vacina sob o ponto de vista da população (controle da pandemia)

Como vimos, a incidência da COVID-19 na população é um aspecto chave para interpretar a eficácia da vacina. A mesma eficácia pode trazer muito benefício para uma população e pouco para outra. Por exemplo, o Brasil teve em 2020 uma incidência bem maior do que a Nova Zelândia. A princípio, então, a vacina traria mais benefício para o Brasil do que para a Nova Zelândia. Entretanto, a Nova Zelândia conseguiu ter baixa incidência ao custo de barreiras de entrada e saída de pessoas do país, de rastreamento e isolamento de infectados e alguns outros cuidados para evitar a introdução e transmissão do vírus. Com a vacina, a Nova Zelândia poderá relaxar esses cuidados, o que é obviamente desejável. Então, para estimar o benefício da vacina para a Nova Zelândia o correto é considerar a incidência esperada após o relaxamento das medidas de contenção do vírus, ao invés da incidência observada em 2020, quando o país adotou medidas extraordinárias para controlar a pandemia.

Todos os países desejam retornar aos padrões de contato físico / aglomeração pré-pandemia, independentemente do sucesso que tiveram nas políticas de distanciamento físico durante 2020. Por isso, para avaliar o benefício da vacina em diferentes países, possivelmente o correto é estimar a eficácia aplicada a três cenários plausíveis de incidência esperada pós relaxamento das medidas de distanciamento físico. Esses três cenários de incidência podem ser, por exemplo, os seguintes: 30%, 50% e 100%.

Na nova Zelândia, ocorreram 2.144 casos de COVID-19 até 27 de dezembro de 2020. Se toda a população tivesse sido vacinada com uma vacina com 95% de eficácia teriam ocorrido 107 casos e, com uma vacina de 60% de eficácia, 858 casos. Ou seja, usando uma vacina com 95% de eficácia, ≈99,99% dentre os vacinados não teriam tido COVID-19; usando uma vacina com 60% de eficácia, 99,98% dentre os vacinados não teriam tido COVID-19 (99,96% entre os não vacinados não tiveram COVID-19). Esses dados mostram que os benefícios da vacina na Nova Zelândia teriam sido muito pequenos, pois a incidência pré-vacina foi muito pequena (devido aos cuidados de isolamento).

 Com o relaxamento das medidas de contenção do vírus, a Nova Zelândia poderia esperar uma incidência de 30% até o final de 2021, na ausência de vacina (devido à abertura do país para turismo e cessação da quarentena de entrantes). Qual seria então o benefício da vacina na Nova Zelândia neste cenário? A figura 4 mostra que, mesmo que toda a população seja vacinada com uma vacina com 95% de eficácia, 72 mil pessoas iriam contrair a COVID-19. Sem vacina, no entanto, o número de pessoas com COVID-19 seria 1.440.000. Como houve menos de 3 mil casos em 2020, possivelmente a Nova Zelândia achasse inaceitável 72 mil casos em 2021. Assim sendo, aquele país poderia optar por manter algumas medidas não farmacológicas de isolamento (algumas barreiras no turismo por exemplo) e/ou rastreamento de infectados, mesmo após a vacinação de toda a sua população com uma vacina com 95% de eficácia.  

O benefício da vacina sob o ponto de vista populacional é mais claro ainda para países com alta incidência da COVID-19, como é o caso do Brasil. Ver seção “Impacto populacional das vacinas no Brasil, presumindo que 100% da população seja vacinada”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 4. Simulação de incidência de 30% de COVID-19 na Nova Zelândia em 2021, após relaxamento das medidas de isolamento. A incidência de COVID-19 na Nova Zelândia neste cenário seria de 1.440.000 casos até o final de 2021. Se toda a população for vacinada com uma vacina com 95% de eficácia, 72.000 pessoas contrairiam COVID-19.

 Benefício da vacina sob o ponto de vista do indivíduo (risco de contrair COVID-19)

Dentro de uma população, a probabilidade pré-vacina de contrair a COVID-19 é um aspecto chave para avaliar a probabilidade de benefício da vacina para uma pessoa especificamente. Uma pessoa com probabilidade pré-vacina alta (por exemplo, profissionais de saúde, policiais e funcionários de supermercados e farmácias) tem maior probabilidade de se beneficiar da vacina do que uma com probabilidade pré-vacina baixa. Todas as pessoas gostariam de voltar a circular livremente pelas cidades, se aglomerando fisicamente em diversas situações sociais, sem se preocupar em usar máscaras ou evitar apertos de mão, abraços e outras formas de contato físico. Também gostariam de viajar entrando e saindo de cidades e países, sem a preocupação de contrair ou de transmitir a COVID-19. A vacina é o meio pelo qual as pessoas esperam retomar a vida dessa forma, i.e., no padrão pré-pandemia de contato físico. Dessa forma, a probabilidade pré-vacina de contrair a COVID-19, com o início dos programas de vacinação, será bem maior do que durante o ano de 2020, em que havia o distanciamento físico e a inexistência de vacinas. Qual seria então a nova probabilidade de contrair COVID-19 diante da possibilidade da vacinação e sem a preocupação com o distanciamento físico e o uso de máscara?

 Para ilustrar, vou apresentar como seria o meu raciocínio sobre o benefício da vacina especificamente para mim, como indivíduo. Durante 2020 pude permanecer praticamente isolado com minha mulher, pois meu trabalho pode ser adaptado para ser realizado 100% em casa. Quase todas as compras de supermercado, farmácia e de alguns outros itens foram realizadas online. Depois de alguns meses confinado, passei a sair para fazer exercício sozinho ao ar livre, aproximadamente três vezes por semana. Resumindo, minha probabilidade pré-vacina de contrair COVID-19 foi bem pequena em 2020, provavelmente menor do que a incidência da COVID-19 na população brasileira, que foi de aproximadamente 4%.

Suponho que minha probabilidade pré-vacina foi de aproximadamente 1%. Isso significa que, se eu continuar com o mesmo comportamento, i.e., tão isolado em 2021 quanto em 2020, o meu risco de contrair COVID-19 em 2021 passaria de 1% para 0,05% se eu tomasse a vacina com 95% de eficácia ou para 0,4% se eu tomasse a de 60% de eficácia. Isso equivale a uma redução no risco de 10 em mil para 0,5 em mil (95% de eficácia) e de 10 em mil para 4 em mil (60% eficácia). Neste caso, a probabilidade de eu me beneficiar da vacina seria bem pequena, pois o risco de eu contrair COVID-19 foi bem pequeno, mesmo sem a vacina.

Mas, como não quero continuar isolado em 2021 e gostaria de retornar às atividades presenciais e a ter contato físico próximo com as pessoas, a minha probabilidade pré-vacina de contrair a COVID-19 (ou seja, o meu risco de contrair COVID-19) aumentaria para aproximadamente 30% (esse parece ser o risco de contrair COVID-19 entre pessoas que convivem com algum membro da família que teve COVID-19). Como quero sair do isolamento, mas não estou disposto a correr um risco de 30% (acho muito alto), pretendo sair do isolamento domiciliar somente após tomar a vacina e se ela me proporcionar um risco de contrair COVID-19 bem menor do que 30%. Então, qual é a probabilidade de eu me beneficiar da vacina? O meu risco de contrair COVID-19 em 2021 passaria de 30% para 1,5% se eu tomasse a vacina com 95% de eficácia ou para 12% se eu tomasse a de 60% de eficácia. Isso equivale a uma redução do risco de 300 em mil para 15 em mil (95% de eficácia) e a 300 em mil para 120 em mil (60% de eficácia). A probabilidade de eu me beneficiar da vacina seria bem grande, especialmente da vacina com 95% de eficácia. Concluindo, para retornar às atividades presenciais, eu não estou disposto a correr um risco de 300 em mil; muito alto para mim. Mas, se a vacina reduzir o meu risco para 15 em mil, eu acho bem aceitável (lembrando que meu risco é de aproximadamente 10 em mil, estando totalmente isolado). Por outro lado, a vacina com 60% de eficácia reduziria meu risco para 120 em mil (de 300 em mil sem vacina), o que está acima do risco que eu estaria disposto a correr. Neste caso, eu tomaria a vacina, mas continuaria relativamente isolado (provavelmente menos do que eu fiquei em 2020).

Além desse raciocínio em termos de probabilidade de benefício próprio individual, caso a vacina evite a infecção (a transmissão do vírus), que é, como vimos, uma possibilidade plausível, ainda que não comprovada por enquanto, tomar a vacina protegeria não somente a mim, mas também as outras pessoas com as quais eu tenho contato físico. Tomar a vacina é, portanto, também um ato de cuidado com o próximo, pois protege (possivelmente) as outras pessoas da infecção pelo SARS-CoV-2. Além disso, quanto mais pessoas tomarem a vacina, mais cedo atingiremos a tão almejada imunidade de grupo (ou imunidade de rebanho).

Este é só um exemplo de como uma pessoa pode fazer escolhas bem informadas, juntando a informação científica sobre a eficácia da vacina, com a probabilidade pré-vacina de contrair a COVID-19 e o julgamento individual subjetivo do quanto risco está disposta a correr (e fazer as outras pessoas correrem) para sair do isolamento domiciliar. As duas primeiras se baseiam em informação científica objetiva (deve ser a mesma para todas as pessoas), enquanto a última é um julgamento subjetivo individual e pode variar de pessoa para pessoa.

 

Impacto populacional das vacinas no Brasil, presumindo que 100% da população seja vacinada

Se a eficácia da vacina for de 95% ou de 60%, quais seriam os impactos das vacinas no Brasil, em um cenário de restrições como foi em 2020 e em um cenário de alívio das restrições como esperamos que seja em 2021?

Primeiro, uma simulação com os dados da incidência de COVID-19 no Brasil em 2020 (7.504.833 =3,6%), para uma vacina com 95% de eficácia e outra com 60% de eficácia. Essa incidência de COVID-19 no Brasil ocorreu durante grandes esforços de distanciamento físico, fechamento de comércio e escolas, uso de máscara e outras medidas não farmacológicas para evitar a transmissão do vírus, portanto, é uma incidência bem mais baixa do que a esperada em circunstâncias normais de vida. Alternativamente, uma outra simulação caso a incidência esperada (pré-vacina) de COVID-19 seja de 30% entre os não vacinados no ano de 2021 (63.000.000). Essa é uma incidência plausível considerando a transmissibilidade do vírus SARS-CoV-2 em circunstâncias normais de vida sem esforços de distanciamento físico e outras medidas não farmacológicas para contenção do vírus. Essas duas simulações esclarecem que tanto a eficácia de 95% quanto a de 60% são relevantes, principalmente quando a incidência esperada é mais alta, como será com o alívio das medidas de distanciamento físico. Por exemplo, em uma população com incidência esperada de 30% de COVID-19 em não vacinados, uma vacina com eficácia de 60% proporcionaria que 88% dos vacinados não tivessem COVID-19, ao invés de 70% (Tabela 2).

Espero que essas simulações simples, que não consideraram aspectos cruciais, tais como variações na cobertura vacinal, tenham sido suficientes para esclarecer o enorme potencial das vacinas em nos auxiliar a acabar com esta pandemia de COVID-19 (autoridades públicas) e a pouco a pouco ajustarmos nossa saída individual dos diferentes níveis de distanciamento físico que nos impomos em 2020 (cada pessoa individualmente).

P.S. Há obviamente simulações bem mais sofisticadas e acuradas realizadas por especialistas em modelagem matemática de vacinas que informam os tomadores de decisões públicas.

Texto escrito entre a última semana de dezembro de 2020 e a primeira semana de janeiro de 2021.

Paulo Nadanovsky.

Epidemiologista FIOCRUZ e UERJ.

 

 

 

Relatório 3° Seminário da Rede APS da Abrasco – Eficiência da Atenção Primária uma agenda de debates

No dia 15 de dezembro de 2020 foi realizado o 3° Seminário da Rede APS da Abrasco – Eficiência da Atenção Primária uma agenda de debates. O evento foi realizado de maneira remota e transmitido pelo canal de YouTube TVAbrasco e no Facebook da Rede APS (@redeaps).

Na mesa de abertura participaram Gulnar Azevedo (ABRASCO), Fernando Cupertino de Barros (CONASS), Luiz Augusto Facchini (Rede APS, UFPel) e Ligia Giovanella (Rede APS, Fiocruz). Os pesquisadores Gonçalo Vecina  (FSP, USP) e Rudi Rocha (FGV) participaram como expositores, Aluísio Gomez da Silva Jr (UFF) e Renato Tasca (Rede APS) foram debatedores e Allan Claudio Queiroz Barbosa (UFMG) foi o moderador do seminário.

Na mesa de abertura, Fernando Cupertino de Barros (CONASS) e Luiz Augusto Facchini (Rede APS, UFPel) destacaram a importância do tema do seminário, e da APS como responsabilidade das três esferas de governo e de toda a sociedade. Ligia Giovanella salientou a importância do SUS neste momento de pandemia e chamou a atenção sobre o avanço de propostas de contratação de terceiros para prestação ou gestão de serviços especificamente na APS, com o argumento de que a prestação privada seria mais eficiente. Porém, como indicou a pesquisadora, revisões sistemáticas da literatura internacional mostram que prestadores privados respondem às demandas e não às necessidades de saúde da população; se instalam em áreas de maior desenvolvimento socioeconômico; ofertam serviços mais rentáveis; prestam mais serviços desnecessários e mais frequentemente violam padrões da boa prática médica; são menos eficientes e têm resultados inferiores em saúde do que os serviços públicos, mas podem prover atenção mais oportuna e cuidados mais personalizados (Basu et al, 2012; Berendes et al, 2011). Por tanto, salientou a pertinência e importância deste debate que contribui com essas discussões para avançar na construção do SUS. Gulnar Azevedo salientou o trabalho de Rede APS que se manteve ativa durante todo o ano gerando espaços de discussão e fortalecendo a divulgação de informações de qualidade e relevância atual para o enfrentamento da Covid-19. Ligia Giovanella e Gulnar Azevedo convidaram todos e todas a participar da campanha “O Brasil precisa do SUS” lançada pelas entidades da Frente pela Vida.

Gonçalo Vecina iniciou sua apresentação destacando a importância dos 3 entes federativos para construção do SUS. O governo federal tem feito uma indução para a implementação da atenção primaria, porém, os governos estaduais têm ficado mais ausentes dessa construção, deixando os municípios sós. A presença dos estados é fundamental na construção das redes de atenção para atingir as necessidades da população, a não contratação das redes de atenção, compromete a eficiência da APS.

A seguir destacou o caso da cidade de São Paulo, onde nos anos 2000 nem o município nem o estado tinham como expandir a ESF, por tanto, decidiram fazer um conjunto de convênios com instituições filantrópicas de São Paulo. Esse modelo vem sendo expandido e tem sido muito criticado porque é terceirização do serviço. No entanto, Vecina salientou que ele não considera que esse tipo de organização seja uma iniciativa de privatização porque o contratante é quem indica os padrões de entrega do serviço e os objetivos, enquanto as entidades que cooperam (OS ou não, entidades privadas, filantrópicas) realizam as atividades para as quais foram conveniadas segundo o que o município solicita. Porém, essa forma de organização adotada em São Paulo somente pode ser considerada se a administração pública desenha os produtos, verifica a qualidade e capacidade das entidades que cooperam e se os produtos estão sendo entregue, aferindo a eficiência. Se o município não consegue verificar isso, os resultados não serão uniformes, e se não existe essa entrega não existirá eficiência, como acontece em alguns locais de São Paulo.

Esse tipo de organizações, quando adequadamente realizadas, têm conseguido eficiência na atenção secundaria e terciaria. Na APS é uma questão mais complexa porque depende da definição de políticas públicas e da contratação de redes de atenção. O pesquisador destacou que a presença do Estado é fundamental na saúde, mas o Estado brasileiro precisa de uma mudança na gestão pública com reflexos na saúde, a questão é: como aumentar a eficiência da gestão pública diretamente através da contratação das pessoas ou por medidas de terceirização ou outras alternativas que não são de terceirização se não de cooperação.

A seguir o pesquisador Rudi Rocha realizou a sua apresentação titulada “Eficiência da e na atenção primária: considerações conceituais e desafios”. O pesquisador iniciou com uma discussão conceitual sobre a eficiência. Rocha destacou que os livros de microeconomia iniciam mencionando que se os mercados são competitivos, por definição, eles livres alcançam a eficiência máxima, qualquer intervenção neles, assim seja para melhorar a equidade, diminui a eficiência. Quem estuda apenas essa parte do começo dos livros de texto chega a generalizações erradas como: existe um trade-off entre eficiência e equidade; eficiência é sinónimo de setor privado, logo governo é sinónimo de ineficiência; eficiência é sinônimo de gestão, modernidade.

No entanto, avançando nesses livros de texto e olhando a realidade, se revertem todos esses corolários teóricos. O pesquisador apresentou dois gráficos que demonstram isso: no primeiro gráfico temos a produtividade do trabalho contra o coeficiente de Gini entre os países, o gráfico mostra que não existe um trade-off entre eficiência e equidade, a eficiência e a equidade caminham juntas. No segundo gráfico temos a eficiência contra proporção de gasto público em saúde entre os países, e demonstra que a eficiência na saúde está correlacionada a mais gasto público em saúde, quebrando a ideia de que eficiência é sinônimo de setor privado.

Rocha também destacou que a saúde é algo que está muito distante dos corolários dos primeiros capítulos dos livros de texto de microeconomia. Economistas como Akerlos (1970) e Rothschild e Stiglitz (1976) ganharam prêmios Nobel em parte por demonstrar que se tiver um mercado essencialmente privado inseguro ele quebra, colapsa. Além disso, existe evidencia de que a forte presença do governo em sistemas de saúde e na regulação não apenas corrige inequidades como também ineficiências. Governos e sistemas de saúde são vetores de eficiência não de ineficiência, um exemplo disso é o SUS, onde tem se conseguido avanços extraordinários com recursos escassos, isso é eficiência, eficiência da APS e do SUS. O caso contrário, segundo o pesquisador, são os Estados Unidos, onde o gasto em saúde é altíssimo e se tem menor expectativa de vida, isso devido a que por questões políticas não conseguem evoluir a um sistema de saúde mais solidário.

A seguir, o pesquisador se referiu aos desafios da eficiência na APS: a APS é vetor de eficiência, a APS é um pilar, sem APS o sistema pode colapsar, o exemplo disso é o Rio Janeiro; para alcançar a cobertura para todos os brasileiros se precisaria de mais 19 bilhões de reais; além da cobertura precisa-se complementariedade e reorganização dos fatores de produção (recursos humanos, hospitais, referência e contra referência, serviços auxiliares, sistemas de informação) para gerar eficiência, sem esses fatores não alcançaremos eficiência; aumento da responsabilidade dos municípios, ausência da institucionalidade regional; estados e municípios diferentes têm capacidades diferentes de financiamento, por tanto podem se gerar desigualdades dentro do SUS.

Para finalizar, o pesquisador destacou que os avanços e inovações do SUS, com o papel fundamental da APS, são impressionantes e têm resolvido problemas de equidade e de eficiência sistêmica muito importantes para a saúde o e desenvolvimento do país. Saúde determina mais educação, mais trabalho, mais emprego, nesse sentido a APS tem um papel fundamental na capacidade de geração de eficiência sistêmica.

O debatedor Aluísio Gomes da Silva Jr destacou que alguns economistas têm limitado o conceito de eficiência unicamente a aspectos econômicos financeiros, deixando de lado o escopo de objetivos que essa eficiência exige no caso da APS e do SUS (acesso universal, diminuição de diferenças regionais, equidade, novo modelo técnico assistencial, combate às vulnerabilidades, democracia participativa). Silva Jr apontou que a história brasileira e as evidencias disponíveis têm demonstrado que a participação do setor privado na saúde não tem sido satisfatória, mantém um viés utilitarista que ignora as desigualdades e existem casos onde foram realizadas fraudes (parceria do INAMPS para credenciamento de consultórios e clinicas, o financiamento de hospitais pelo FAS, seguros obrigatórios de veículos-DPVAT que evadem o repasse ao SUS).  Também sinalizou que 25% dos municípios brasileiros assumiram a flexibilização da gestão (principalmente através de OS), isso não tem mostrado grandes avanços, os estudos indicam que há uma baixa inovação, uma lógica produtivista, baixa articulação comunitária e intersetorial, intensificação do trabalho causando esgotamento dos trabalhadores e baixa transparência. Além disso, os resultados de mais eficiência não são entregues, existe pouca diferença, ou vantagem das estruturas de gestão pública, ainda que essas estruturas precisem de mudança. Para finalizar, o pesquisador salientou que neste momento a APS virou uma bandeira comercial que enfatiza aspectos econômicos e de regulação excessiva do acesso às tecnologias caras. Ainda nas experiências exitosas, o interesse do capital continua sendo privilegiado, existindo um conflito de interesses quando o setor lucra com aspectos mercantis da doença. Se o setor privado quer participar numa política pública teria que repensar seus focos de ganho.

O debatedor Renato Tasca destacou que a discussão sobre eficiência deve abordar o problema do subfinanciamento crônico do SUS, ainda que este atende a maioria da população, contra o aumento do gasto privado em saúde, setor que atende uma pequena parte da população e não tem nenhuma responsabilização por procedimentos e tecnologias de alto custo como os transplantes. Também apontou que a participação do setor privado na saúde tem experiências de fraude e de sucesso, por isso não podemos generalizar nenhum dos dois resultados, mas em todo caso precisa-se reformar e melhorar a gestão pública, o Estado é fundamental na saúde. Renato Tasca salientou que garantir o direito à saúde é algo que está por cima da eficiência na escala de prioridade, a atenção em saúde numa população ribeirinha não é eficiente, mas precisa ser feita, isso tem que ser levado em conta. Para finalizar, o debatedor destacou que precisamos construir uma nova narrativa sobre eficiência, fazer mais com o mesmo não é necessariamente bom, pode ser um erro, a atenção em saúde deve ser de qualidade, segura e pertinente, uma unidade que produz muitos procedimentos a preços baixos (num determinado período de tempo) pode ser até boa, mas pode não ser adequada, podem estar sendo realizados procedimentos desnecessários, invasivos, que causam eventos adversos que tem um custo importante, isso também é ineficiência.

Durante todo o evento os participantes que assistiram ao seminário através do canal de YouTube da TVAbrasco contribuíram com o debate através de comentários e perguntas realizadas através do chat as quais foram respondidas pelos palestrantes.

Para finalizar o evento, alguns membros do Comitê Gestor da Rede APS fizeram comentários finais:

Facchini destacou que chama a atenção que a discussão sobre eficiência volta no momento atual de fortalecimento do neoliberalismo, de ataque privatista contra o SUS e a APS (ADAPS, Previne) quando acabou o incentivo da ESF e mudou o mecanismo de financiamento ficando com um único pagamento baseado no individuo, no cadastro, o que facilita a negociação do conjunto de prestações com o privado. Também salientou que o elemento central de eficiência no SUS está na APS, a ineficiência está na alta complexidade em estreita relação com o setor privado.  A APS é mais eficiente, mas temos que avançar em políticas de grande alcance, em investimento na estrutura, na manutenção de equipes completas, no monitoramento dessas políticas com participação social e comunitária, isso é investir em eficiência.

Ligia Giovanella destacou que a nova modalidade de financiamento da APS reduz o financiamento de muitos municípios para o próximo ano, questão inadmissível neste momento em que a APS tem que mostrar toda sua potencialidade no enfrentamento à pandemia.

Assista o evento na integra na TVAbrasco no YouTube https://www.youtube.com/watch?v=t4mQ9UMHn2E