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Arquivo Mensal fevereiro 2021

Quantitative assessment of the risk of airborne transmission of SARS-CoV-2 infection: Prospective and retrospective applications

Airborne transmission is a recognized pathway of contagion; however, it is rarely quantitatively evaluated. The numerous outbreaks that have occurred during the SARS-CoV-2 pandemic are putting a demand on researchers to develop approaches capable of both predicting contagion in closed environments (predictive assessment) and analyzing previous infections (retrospective assessment).

This study presents a novel approach for quantitative assessment of the individual infection risk of susceptible subjects exposed in indoor microenvironments in the presence of an asymptomatic infected SARS-CoV-2 subject. The application of a Monte Carlo method allowed the risk for an exposed healthy subject to be evaluated or, starting from an acceptable risk, the maximum exposure time. We applied the proposed approach to four distinct scenarios for a prospective assessment, highlighting that, in order to guarantee an acceptable risk of 10− 3 for exposed subjects in naturally ventilated indoor environments, the exposure time could be well below one hour. Such maximum exposure time clearly depends on the viral load emission of the infected subject and on the exposure conditions; thus, longer exposure times were estimated for mechanically ventilated indoor environ- ments and lower viral load emissions. The proposed approach was used for retrospective assessment of docu- mented outbreaks in a restaurant in Guangzhou (China) and at a choir rehearsal in Mount Vernon (USA), showing that, in both cases, the high attack rate values can be justified only assuming the airborne transmission as the main route of contagion. Moreover, we show that such outbreaks are not caused by the rare presence of a superspreader, but can be likely explained by the co-existence of conditions, including emission and exposure parameters, leading to a highly probable event, which can be defined as a “superspreading event”.

Article – Bounanno, Morawska, Stabile 2020 Quantitative assessment of the risk of airborne transmission of SARS-CoV-2 infection perspective and retrospective applications

A APS no enfrentamento da Covid-19 em municípios rurais remotos

O enfrentamento da pandemia Covid-19, além da garantia do cuidado individual requer uma abordagem comunitária de vigilância da saúde. Os serviços de atenção primária do SUS especialmente, as equipes da Estratégia Saúde da Família, por seus atributos de responsabilidade territorial, orientação comunitária e sua forte capilaridade em todo o território nacional são os mais adequados para esta abordagem. É importante que a reorganização do processo de trabalho na APS no contexto da epidemia se faça de modo a preservar os seus atributos de acesso, longitudinalidade, coordenação do cuidado, abordagem comunitária e familiar. É necessário manter o contato das pessoas com os profissionais de saúde que cuidam delas diariamente, tanto para detectar precocemente a infecção por Covid-19, monitorá-la e rastrear contatos próximos, como para atender a qualquer outro problema de saúde, garantindo a continuidade dos cuidados e o apoio social aos grupos vulneráveis, ao mesmo tempo em que se garantem as condições de proteção dos trabalhadores e usuários.

Dialogando com esta necessidade foi realizada a pesquisa “Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS”, conduzida pela USP, Fiocruz, UFBA e UFPEL tendo sido uma iniciativa da Rede de Pesquisa em Atenção Primária da Abrasco. Teve como objetivo identificar os principais constrangimentos e as estratégias de reorganização da atenção primária à saúde/ atenção básica utilizadas pelas Equipes de APS/AB no enfrentamento da Covid-19. No presente relatório divulgamos os resultados da investigação referente aos municípios rurais remotos, em comparação com municípios intermediários e urbanos.   

Os resultados da pesquisa podem orientar a gestão para implementar medidas para apoiar as equipes de saúde da família, no seu fazer cotidiano, para fortalecer as capacidades do SUS no enfrentamento da Covid-19. Recomendam alguns pontos urgentes no apoio, qualificação e valorização das equipes da saúde da família:

  • Fortalecer a capacitação e educação permanente de todos os profissionais das equipes de APS: Ainda que os resultados dos municípios rurais remotos tenham se apresentado equivalentes aos percentuais do país, somente 39,3% dos profissionais informaram ter recebido capacitação sobre Covid-19 e uso de EPI organizada pela gestão. Isto, não significa que os profissionais não conhecem; muitas iniciativas de capacitação gradualmente vêm sendo desenvolvidas, mas ainda são insuficientes. É necessário desenvolver estratégias ágeis e amplas de comunicação à distância para atualizar conhecimentos e capacitar para a vigilância em saúde e a vacinação.
  • As necessidades de educação permanente incluem: uso de EPI, abordagem da Covid-19, novas formas de atenção remota, formas de ação no território, e vigilância em APS.
  • A vigilância em saúde é uma ação que precisará ser continuada ao longo do tempo, pois teremos que conviver com a pandemia no mínimo por mais 12 a 18 meses – vigilância comunitária, ativa, que inclui vigilância epidemiológica e vigilância sanitária. 64,9% dos profissionais relataram ações educativas em equipamentos sociais no território, como farmácias, mercados e outros serviços, valor bem superior à média Brasil (33,8%), o que demonstra potência dos MRR na atuação junto ao território. 49,1% dos profissionais MRR informaram a realização de atividades de vigilância sanitária, o que precisa ser intensificado. A identificação dos contatos próximos e o acompanhamento do isolamento domiciliar precisam ser contínuos.
  • A pandemia no Brasil, devido à ausência de autoridade sanitária nacional que oriente suas ações com base no melhor conhecimento científico, e nossas profundas desigualdades sociais, está se alongando por muito mais do que o previsto e permanecerá por um longo tempo. A vigilância em saúde, juntamente com a vacinação para todos são a única maneira de conter a pandemia.
  • Cabe lembrar a importância da APS na vacinação: as equipes de atenção primária, mais do que nunca, têm o papel fundamental para fazer chegar a vacina em todos os lugares, em todos os territórios de difícil acesso do país. Os resultados do terceiro ciclo do PMAQ com avaliação de 90% das equipes APS do Brasil, em mais de 30 mil UBS mostraram que 77% das UBS ofertavam vacinação regular e dispunham de geladeira exclusiva para vacinas. Agora com a chegada da vacina nas UBS maior será o papel da APS com sua capilaridade em todo o país.
  • Urge intensificar a vigilância em saúde em todos os municípios: a identificação oportuna dos casos, a busca ativa de contatos e seu isolamento são medidas efetivas imprescindíveis para controlar a propagação da doença. Para a confirmação de casos e vigilância de seus contatos é imprescindível ampliar a oferta de testes moleculares RT-PCR.
  • Urge ampliar o acesso ao teste RT-PCR: O acesso ao teste RT-PCR é fundamental para diagnóstico, notificação, busca de contatos e alta dos pacientes, infelizmente ainda está distante do cotidiano dos serviços de APS no país. 34,4% dos profissionais respondentes nos municípios rurais remotos relataram que não há acesso ao teste molecular e apenas 19,7% mencionou suficiência em sua disponibilidade. Para o controle da pandemia, é fundamental ampliar a capacidade de testagem. Fazemos ainda muito poucos testes, o que se demostra pela elevada positividade dos testes que chega a 50%. Países que conseguiram controlar a pandemia alcançaram positividade de 5%, mostrando que estavam testando suficientemente contatos assintomáticos.
  • Urge valorizar e qualificar o trabalho dos ACS: na vigilância comunitária, no apoio social, na ação comunitária, na continuidade do cuidado, o que implica em capacitação específica.
  • Preocupa a elevada proporção de profissionais dos municípios rurais remotos (49,1%) que, assim como no Brasil, informa que os ACS estão trabalhando na recepção de sintomáticos respiratórios na UBS. No entanto, para 63,2% dos profissionais, os ACS estão prioritariamente atuando no território, percentual bem superior aos resultados do Brasil e dos municípios urbanos, intermediários e adjacentes. A ação comunitária do ACS no enfrentamento da epidemia é crucial: tanto no apoio social, como na vigilância comunitária, na educação em saúde por visita peridomiciliar e à distância por WhatsApp e telefone.
  • Urge ampliar a disponibilidade de celulares e acesso à internet de profissionais e usuários para viabilizar as novas formas de comunicação à distância que vem sendo desenvolvidas. Essa necessidade se intensifica nos MRR, com maior dificuldade de acesso à internet de boa qualidade e menor disponibilidade de celulares institucionais para comunicação dos profissionais da UBS com os usuários.
  • Urge equipar as UBS com: oxímetro, termômetro infravermelho, oxigênio e EPIs suficientes sempre disponíveis.

Os resultados mostram que a APS no SUS está se reinventando, fazendo vigilância, descobrindo novas formas de cuidado à distância por telefone, por WhatsApp, por visitas peridomiciliares dos ACS, mas faltam recursos, internet, oxímetros, termômetros infravermelhos, equipamentos de proteção individual, acesso a testes RT-PCR, educação permanente para os profissionais.

A Estratégia Saúde da Família com ação comunitária nos territórios, apoiando e realizando vigilância em saúde, vacinação e cuidado integral, é uma maneira efetiva de conter a pandemia, mas para isso necessita de mais investimentos.

Leia o relatório completo – Relatório APS e Covid-19_Municipios rurais remotos_Final_11.02.21 (1)

Caminhos da pesquisa em Saúde Coletiva no interior do Brasil”, coletânea publicada pela Edufba em 2020.

O livro, com 354 páginas, está dividido em duas partes: a primeira, composta por sete capítulos, com ênfase em aspectos teóricos, aborda o campo da Saúde Coletiva e a formação direcionada para o campo. A segunda parte, composta por seis capítulos, aborda a implementação da organização de práticas no âmbito da Atenção Primária à Saúde, abrangendo textos derivados de experiências em diversos locais e em serviços de saúde.

No site da Edufba: http://www.edufba.ufba.br/2020/07/caminhos-da-pesquisa-em-saude-coletiva-no-interior-do-brasil/

No site da Amazon: https://www.amazon.com.br/Caminhos-pesquisa-coletiva-interior-Brasil/dp/B08HXBR8X8

Processo de desenvolvimento de vacinas é destaque na revista Radis

A ciência não dá saltos. Essa frase, usada originalmente para se referir aos processos evolutivos na natureza, também é útil para explicar o longo caminho do desenvolvimento de uma vacina. Desde o início da pandemia, a descoberta de um produto eficaz e seguro para prevenir infecções pelo novo coronavírus tem sido aguardada como uma esperança capaz de deter o avanço da doença que já matou mais de 800 mil pessoas no mundo, cerca de 120 mil delas somente no Brasil, até o fim de agosto. No entanto, a torcida para que cientistas de todo o mundo encontrem, em tempo recorde, uma vacina contra a Covid-19 não pode esquecer que a ciência tem etapas a cumprir. Dos primeiros testes em laboratório até o produto chegar às mais de 36 mil salas de imunização existentes no SUS, por exemplo, é preciso tempo, investimento e esforço humano — e ainda garantir que a vacina seja ofertada como um bem público à toda a população.

Tentativas e erros são comuns nas etapas de pesquisa em laboratório e nos testes em modelos celulares e animais até chegar às três fases dos ensaios clínicos — quando a vacina finalmente é aplicada em seres humanos, para verificar segurança e eficácia. O tempo médio de desenvolvimento de um novo produto é de cerca de 10 anos. Ainda há o risco de décadas de pesquisa não resultarem em nenhum imunizante eficaz, como acontece até o momento com o HIV, ou que as vacinas descobertas possam apresentar alguns problemas de segurança em longo prazo, ainda que raros, como ocorreu com a da dengue. Depois de toda a pesquisa científica, ainda há o desafio de produzir doses em quantidade suficiente para garantir o acesso à população em larga escala.

A corrida pela vacina contra a Covid-19 envolve, atualmente, 30 projetos já em pesquisa clínica (em humanos) e outros 139 em avaliação pré-clínica (em estudos de laboratório ou com animais), de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O esforço da ciência para acelerar a descoberta de uma vacina, sem abrir mão de segurança e eficácia, colocou nove dessas candidatas já na última fase de testes em humanos (a chamada fase 3, dos ensaios clínicos), em que o produto é aplicado em milhares de pessoas. Duas dessas contam com acordos para serem produzidas no Brasil pelos dois maiores produtores de imunobiológicos do país, caso se comprovem eficazes. De um lado, está a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela empresa AstraZeneca, no Reino Unido, que será produzida pela Fiocruz. De outro, aquela que está em estudo pela empresa Sinovac, na China, que tem acordo de produção com o Instituto Butantan.

Diante do desafio de encontrar soluções em tempo recorde para o avanço da Covid-19, Radis conta como é montar o quebra-cabeça de uma vacina. Chegamos a cinco perguntas que precisam ser respondidas antes que a população seja imunizada. Mais do que sanar a dúvida de “quando” chegará a vacina, é preciso resolver outra equação: como garantir o acesso a ela como bem público?

Como é a pesquisa?

Há pouco mais de quatro anos, Rodrigo Stabeli estava envolvido na coordenação das ações da Fiocruz para o enfrentamento ao vírus zika e suas consequências — a doença havia sido declarada pela OMS, em fevereiro de 2016, como emergência de saúde pública de importância internacional. A ciência brasileira buscava então decifrar alguns enigmas, como a relação do vírus com a síndrome congênita que acomete recém-nascidos. Pesquisador da Fiocruz na área de biotecnologia, Rodrigo não poderia imaginar que, poucos anos depois, os cientistas estariam diante daquela que ele define como “a maior crise da humanidade contemporânea”: a pandemia do novo coronavírus. A busca por uma vacina é uma corrida contra o tempo, o que não significa abrir mão de requisitos que garantam a segurança de quem vai ser imunizado. “Não existe bala mágica quando a gente trabalha com medicamentos humanos. Precisamos primeiro pensar na segurança e na vida da pessoa que vai receber o produto”, explica.

Atualmente ele integra o grupo de enfrentamento à Covid-19 na mesorregião norte de São Paulo, em Ribeirão Preto, e coordena a plataforma de Medicina Translacional da Fiocruz São Paulo, em parceria com a USP. O pesquisador ressalta que cada uma das fases para o desenvolvimento de uma vacina tem um percurso que não pode ser quebrado. “Queremos chegar a um produto que cause nenhum ou o mínimo efeito adverso necessário para que se consiga ter o efeito protetivo. Não podemos mudar de fase e temos que ter muito bem documentados os ensaios clínicos, para garantir a segurança e a idoneidade do produto”, pontua. O nascimento de uma vacina é como uma escada em que cada degrau é importante para se chegar ao destino.

A primeira etapa começa em laboratório, com pesquisas exploratórias para encontrar candidatas à vacina. “É o momento em que se analisam os famosos princípios antigênicos, ou seja, procuramos quais substâncias, moléculas ou partes do ser vivo causador da moléstia poderão servir de peças para montar o quebra-cabeça do desenvolvimento de uma vacina”, conta o pesquisador. Montadas as peças, ainda vem outro degrau antes de se iniciarem os testes em seres humanos: a chamada fase pré-clínica. Nessa etapa, o produto com potencial vacinal é testado em modelos celulares (como células de rins de macaco) ou em animais, como camundongos, coelhos e macacos. São os chamados testes in vitro e in vivo, respectivamente.

Testes em humanos

Se aprovada nas etapas iniciais, começa a bateria de testes em seres humanos, que acontecem nas três fases dos chamados ensaios clínicos [veja no Infográfico nas páginas 18 e 19]. “A primeira fase busca testar apenas a segurança do produto. Será que é tóxico para seres humanos? Será que vai causar muitos efeitos adversos?”, descreve Rodrigo. Esse primeiro round envolve cerca de 20 a 100 pessoas, geralmente adultos saudáveis. Em seguida vem a segunda fase, que é o momento de verificar a imunogenicidade, ou seja, a capacidade que uma vacina tem de estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos; geralmente o produto é aplicado em centenas de participantes. Porém, ainda falta a terceira e última etapa, quando a eficácia da vacina é testada em milhares de pessoas.

É hora de fazer o chamado teste “duplo-cego”: uma parte dos participantes recebe o novo imunizante e outra recebe um produto sem eficácia (um placebo), mas nem os pesquisadores nem os voluntários sabem o que cada um recebeu. Ao final, os dados são avaliados para responder se a vacina é realmente eficaz e segura. Só assim ela poderá receber o registro para ser aplicada na população — no Brasil, quem dá a palavra final é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Geralmente essas fases levam mais de 10 anos. Primeiro, para se ter um produto bom; e segundo (e o mais importante), para se ter segurança”, esclarece Rodrigo. Segundo ele, é importante que em todas as etapas haja monitoramento e avaliação por pares, para que seja garantido que o produto é seguro para os humanos.

Duas das nove candidatas à vacina que estão na fase 3 têm acordos para iniciar a produção no Brasil ainda em 2020, caso sejam aprovadas. A primeira delas foi formulada pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca e está em teste em vários países do mundo, incluindo cinco mil voluntários brasileiros, sob coordenação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto D’Or. Ela utiliza o adenovírus de chimpanzé modificado para transportar o gene que codifica a proteína S do vírus Sars-Cov-2 (causador da Covid-19) e, assim, neutralizar a sua ação nas células — a tecnologia é chamada de vacina por vírus não replicante. A Fiocruz será a responsável pela produção. Em 10/8, a Anvisa autorizou uma mudança no protocolo de testes para a aplicação de uma segunda dose de reforço, totalizando duas doses em vez de uma, como proposto originalmente.

Outra vacina nessa rota é a desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac, que está em testes clínicos de fase 3, sob coordenação do Instituto Butantan, em nove mil voluntários selecionados em 12 centros de pesquisa no Brasil. A preparação utiliza uma tecnologia já bastante conhecida pela ciência: o vírus é inativado por meio de substâncias químicas para que não seja capaz de infectar. O esquema vacinal abrange duas doses no intervalo de 14 dias. Também a vacina da BioNTech/Pfizer, fruto de uma parceria americana e alemã, está em testes em mil voluntários brasileiros, em Salvador e São Paulo. Ela é baseada em uma tecnologia que utiliza ácido ribonucleico (RNA). Mas não há acordo para produção no país até o momento. Outras vacinas estão em desenvolvimento no Brasil, mas ainda não chegaram aos ensaios clínicos.

Para Rodrigo, a crise provocada pelo novo coronavírus não foi apenas de saúde, mas social, e as soluções — incluindo a vacina — devem ser pensadas para toda a população. “Ela estampou a desigualdade social no Brasil e no mundo”, pontua. Segundo ele, a vacina deve ser parte de uma política pública consistente de mitigação da doença e não de “protelação de mortes”. “Não podemos aceitar políticas que façam com que o vírus se torne endêmico, como dengue, zika e chikungunya. Não podemos aceitar a convivência da sociedade brasileira com o novo coronavírus”, completa. A vacina é apenas um passo no enfrentamento à pandemia, porque o mundo precisa se adaptar aos desafios colocados pela Covid-19. “Primeiro, porque nós não sabemos qual é a capacidade de cobertura vacinal, quanto tempo ela vai se manter. Segundo, as doses são limitadas, a gente não consegue produzir doses para garantir a cobertura de toda a população”, reflete.

É segura? É eficaz?

Os efeitos da pandemia de Covid-19 têm gerado expectativas em torno de soluções rápidas capazes de garantir o retorno à normalidade — mas os cientistas insistem que não existem “fórmulas mágicas”. “Não é simples o processo de desenvolver uma vacina. É mais complicado do que desenvolver um medicamento. Com o medicamento, temos uma pessoa doente que precisa ser tratada. Já com uma vacina, estamos ministrando um produto em pessoas saudáveis, para prevenir que elas venham a adoecer”, afirma Expedito Luna, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da USP. A constatação serve de alerta para que a vacina contra a Covid-19 não seja vista como a única “tábua de salvação” na pandemia.

Segundo o pesquisador, em circunstâncias normais, nunca se viu ser publicado e ter grande espaço na mídia resultados de estudos de fase 1 e 2. “Isso é uma coisa de interesse científico, no máximo de quem está envolvido com a vacinologia”, afirma. Ele considera que as circunstâncias são realmente especiais e exigem respostas rápidas, pois “as últimas pandemias que o mundo passou não tiveram tamanha gravidade”. Porém, ele ressalta que pode haver graves consequências se o processo de desenvolvimento de uma vacina seguir por “atalhos”.

Mas por que é preciso cautela? “Primeiro, a gente pode estar diante de um produto que não tenha alta eficácia”, explica. Ainda que as vacinas sejam capazes de gerar anticorpos, não significa que elas protegerão totalmente no mundo real. “A imunogenicidade não se traduz necessariamente em proteção e eficácia. Podemos citar os exemplos das duas vacinas de dengue: ambas foram altamente imunogênicas, mas nem todo mundo que havia desenvolvido anticorpos obteve imunidade protetora”, constata. Também não há respostas até o momento sobre quanto tempo durará a proteção, ou se será necessário revacinar a população depois de um período, como acontece anualmente com a gripe.

É nesse momento que entra a decisão da política de saúde se vale a pena ou não usar o produto, principalmente para evitar os casos mais graves e as mortes. “As vacinas contra a influenza têm uma efetividade — uma proteção na vida real — em torno de 40 a 50%. Dado o volume da influenza, a quantidade de casos que têm todo o ano e o potencial de causar doença grave em determinados grupos mais vulneráveis, é considerado útil e socialmente aceitável que os recursos da saúde pública sejam investidos num programa desse tipo”, afirma Expedito. Outra questão são os cuidados com a segurança. “Será que esse produto é realmente seguro? Será que não vai trazer um evento adverso ou talvez um agravamento da doença se falhar e as pessoas adoecerem?”, pontua, ao destacar que somente testes que respeitem os protocolos científicos podem chegar a essas respostas.

Continue a leitura da reportagem no site da Radis e saiba mais sobre produção, distribuição e fake news sobre a vacina

Confira também outras matérias da nova edição da revista

 
 

UFRJ divulga nota técnica sobre as perspectivas de agravamento da crise pela Covid-19 frente as novas variantes virais

Seguindo o desenvolvimento e a evolução da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, novas variantes virais têm aparecido em locais distintos do planeta, causando preocupação devido às incertezas que elas trazem.

Primeiramente, as variantes virais são causadas por mutações, que são muito comuns aos vírus. Quanto maior o número de indivíduos infectados, quanto mais variada a população de infectados, maior a chance de aparecerem. As mutações, isoladas ou em conjunto, podem não causar efeito na replicação do vírus, podem diminuir a eficácia da replicação ou, de forma mais preocupante, podem dar vantagens de replicação ao vírus. Essas variantes virais que possuem vantagens de replicação tendem a se sobressair sobre as cepas virais em circulação por seleção natural e, assim, a se tornar as principais cepas.

Vantagens de replicação podem afetar o comportamento do vírus na população, tornando-o mais infeccioso (disseminar-se com mais facilidade), e/ou afetar a gravidade da doença. Outro problema de novas variantes é a possibilidade de escaparem parcialmente de anticorpos já desenvolvidos nos indivíduos, tanto nos que já tiveram exposição prévia ao SARS-CoV-2 quanto nos que venham a ser vacinados, independentemente da vacina aplicada.

Temos, atualmente, três variantes virais que estão chamando a atenção dos pesquisadores e das autoridades sanitárias. Uma variante viral na Inglaterra, aparentemente mais infecciosa; outra variante proveniente da África do Sul, para a qual estudos preliminares já demonstraram a menor eficácia de algumas vacinas; e a variante viral mais recente no Brasil, identificada em Manaus, que rapidamente se estabeleceu. Estudos indicam a reinfecção de indivíduos que já haviam sido infectados anteriormente pelo SARS-CoV-2. Em virtude da rapidez de contágio e reinfecção, a de Manaus, denominada P.1, tem chamado mais a atenção da comunidade científica mundial por possivelmente escapar à imunidade de infecção prévia pelo novo coronavírus e, aparentemente, ser mais infecciosa.

Apesar de estudos ainda estarem em andamento, como sempre temos feito com as incertezas e surpresas que esse vírus e a COVID-19 têm trazido, precisamos agir de acordo com as informações que já temos e tomar as medidas necessárias para diminuir, mais uma vez, a velocidade de espalhamento dessa nova variante viral no Brasil. O que está acontecendo em Manaus − a explosão de casos, mesmo em indivíduos que já haviam sido infectados, e a concomitante exaustão da capacidade hospitalar − poderá acontecer em todos os estados do país e no mundo. Além disso, ao continuarmos com o alto nível de transmissão e consequente aumento do número de casos, aumenta-se o risco de novas variantes e de cenários cada vez mais incertos, perigosos e preocupantes.

A UFRJ conclui que, dentro desse contexto − e em um cenário em que, por um lado, as autoridades resistem em adotar medidas mais restritivas para conter a disseminação da doença, não fiscalizam com a devida eficiência as aglomerações nem atuam para a necessária adequação dos serviços de transportes coletivos, e, por outro lado, a população demonstra, de certa forma, o relaxamento de medidas importantes como o uso de máscaras e distanciamento físico −, com o começo de eventos de maiores agrupamentos, como o jogo no Maracanã em virtude da final da Copa Libertadores, podemos estar caminhando para uma grande ressurgência da pandemia com perspectivas e resultados extremamente perigosos.

É imperioso também o investimento em laboratórios que tenham capacidade de sequenciar um número maior de amostras virais, identificando e monitorando o surgimento e a disseminação de novas variantes em nosso país. Sem investimentos adequados, não conseguiremos acompanhar a evolução dessas variantes, o que prejudica todas as políticas públicas de controle da pandemia.

A vacina será a principal medida para controle da COVID-19 e está cada vez mais próxima de nós. Porém, até que seja uma realidade e comece a ter o impacto desejado na redução de casos, todas as outras formas de controle já comprovadamente validadas (usar máscaras, higienizar as mãos com frequência, manter o distanciamento social) devem ser utilizadas de maneira plena, a exemplo de outros países que associam seus programas de imunização a medidas rígidas de restrição, controle e testagem de sua população.

Assim, conclamamos toda a população e o Poder Público para que medidas de ênfase à restrição da circulação do vírus sejam adotadas, pois a prevenção salvará muitas vid