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Arquivo Diário 3 de abril de 2021

Equidade no acesso às vacinas contra a Covid-19

Para controlar a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 precisamos garantir o acesso universal oportuno a vacinas contra a Covid-19 em todos os locais do mundo, junto com os insumos e a logística necessários para sua aplicação.

Para alcançar esse objetivo é necessário aumentar o volume e a velocidade da produção, garantir preços acessíveis para a sua distribuição e fortalecer o sistema logístico (armazenamento, transporte, cadeia do frio, profissionais de saúde dedicados). No entanto, estão se apresentando diversas dificuldades como escassez de matérias primas e grandes encomendas feitas pelos países ricos junto com proibições de exportação (OMS, 2021; Wouters et al., 2021). Essas dificuldades de acesso global preocupam não somente por uma perspectiva ética e de justiça social, também porque a falta de acesso oportuno às vacinas pode prolongar a pandemia ainda mais e aumentar o risco de surgimento de novas cepas do vírus contra as quais as vacinas aprovadas poderiam ou não ter eficácia (Wouters et al., 2021)

Com o objetivo de evitar o acesso desigual às vacinas em abril de 2020, a OMS anunciou a conformação da estratégia Covax. Esta última é uma iniciativa que reúne governos, organizações globais de saúde, produtores, cientistas, setor privado, sociedade civil e filantropia, com a finalidade que os países tenham acesso equitativo a métodos diagnósticos, tratamentos e vacinas contra a COVID-19. O mecanismo Covax apoia pesquisas, desenvolvimento e fabricação de diferentes vacinas, além da compra conjunta dos imunobiológicos para negociar preços baixos. (Berkley, 2020). Por meio dessa plataforma as doses de vacinas serão alocadas aos países participantes proporcionalmente ao tamanho da sua população, até que cada país receba as doses para vacinar 20% da sua população. Nesse momento, se realizaria um acompanhamento para expandir a cobertura a outras populações (OMS, 2020). A meta é ter 2 bilhões de doses disponíveis pelo mecanismo Covax até final de 2021 (Berkley, 2020).

O sucesso do mecanismo Covax depende do financiamento para a compra de vacinas. Em fevereiro de 2021 governos e outros parceiros aportaram cerca de US $ 4 bilhões, mas segundo a GAVI e a OMS seriam necessários mais US $ 6,8 bilhões para alcançar a meta (2 bilhões de doses até final de 2021). (Wouters et al., 2021)

Outro desafio que têm que afrontar esse mecanismo é que muitos países (inicialmente os de alta renda) preferiram não comprar as vacinas através de Covax, limitando-se a estabelecer acordos de compra antecipada com os desenvolvedores de vacinas para ter acesso prioritário a grandes quantidades para inocular a maioria ou toda a população adulta do país em 2021. O que significaria que grande parte da população desses países estaria imunizada incluso antes de que profissionais de saúde e populações de alto risco recebam a vacina em países mais pobres. Governos de países de alta renda (que representam 16% da população global) fecharam pré-encomendas de, pelo menos, 4,2 bilhões de doses de vacinas. Quanto mais países adquirem as doses de maneira independente com os desenvolvedores, aumentam as preocupações com o fornecimento pela Covax o que têm estimulado outros países a adquirir doses também fora desse mecanismo. Até 3 de fevereiro de 2021 pelo menos 62 países ou blocos de países tinham fechado acordos de compra diretamente. Alguns países (EEUU, RU) e regiões (União Europeia) encomendaram quantidades de vacinas superiores as suas necessidades, abrindo a questão de qual será o destino desses eventuais excessos, uma vez que estes países alcançarem suas metas.  No entanto, a maioria dos países não podem comprar por conta própria e dependem do mecanismo Covax para ter acesso às vacinas (Wouters et al., 2021).

Em alguns países (Brasil, Itália, outros) foram observadas tentativas de compra de vacinas contra a Covid-19 por parte de governos subnacionais, complicando mais ainda a situação, com o risco de criar desigualdades entre cidadãos do mesmo país.

Alguns autores criticam a alocação proporcional por população do país proposta no mecanismo Covax, considerando que as vacinas Covid-19 deveriam ser distribuídas equitativamente priorizando os países mais afetados pela pandemia e de baixa e média renda, como o Brasil, onde o potencial de redução de danos seria muito maior. (Herzog, et al. 2021)

Até o dia 15 de março de 2021 a Covax tinha distribuído a 46 países mais de 29 milhões de doses (GAVI, 2021). Com esse panorama é pouco provável que a meta de 2 bilhões de doses alocadas em 2021  seja alcançada (Wouters et al., 2021).

Além do mecanismo Covax, outras estratégias vêm sendo sugeridas para superar as dificuldades para o acesso equitativo e justo às vacinas contra a Covid-19. No entanto, nenhuma delas até agora teve maiores avanços. Na Organização Mundial do Comércio (OMC) a proposta de suspensão temporária de patentes para a Covid-19 apresentada pela Índia e Sudáfrica e respaldada por 99 países como Quênia,  Moçambique, Paquistão, Bolívia,  Venezuela,  Mongólia, Zimbábue, Egito,  grupo africano e grupo dos países menos desenvolvidos e também a OMS e 379 ONG, já tem sido apresentada e negada seis vezes. (OMC, 2021; OMS, 2021; Carta de la Sociedad Civil, [2020]).

Segundo o portal  Outra Saúde (2021) para que a proposta seja aprovada precisaria do consenso dos 164 países membros, mas nações ricas como Japão, Canadá, Estados Unidos, a União Europeia e alguns outros países como o Brasil e a Colômbia não têm votado a favor.

Além disso, a OMS está propondo várias abordagens: processos de acordo entre quem desenvolveu as vacinas e outros fabricantes farmacêuticos com maior capacidade de produção; processos de transferência tecnológica bilateral  voluntária entre a empresa que detém as patentes da vacina e outra empresa que pode produzi-las; transferência coordenada de tecnologia envolvendo universidades, produtores de vacinas, outras empresas produtoras e coordenação da OMS, o que faria o processo mais transparente e poderia potencialmente funcionar para a produção de vacinas de rotina ou em outras pandemias (OMS, 2021. Mas, ainda não sabemos se isso vai acontecer.

Além dessas problemáticas, recentemente parece estar aumentando o interesse e as possibilidades para que o setor privado faça compra de vacinas, o que poderia afetar a equidade. Empresas privadas poderiam comprar as vacinas e vendê-las ao público ou oferecê-las gratuitamente a seus empregados. Isso poderia reduzir a carga de custos para os governos que poderiam investir os fundos governamentais unicamente nos mais necessitados. Porém, o risco desse tipo propostas é quebrar o princípio da equidade: se as empresas oferecem as vacinas fora do calendário de prioridades de vacinação estabelecido pelos governos, as pessoas mais ricas seriam vacinadas antes que os vulneráveis. Além disso, os preços das vacinas poderiam subir, os fabricantes poderiam dar prioridade aos melhores compradores do setor privado e poderia aumentar o risco de fraude e mercado paralelo ilegal de vacinas. (Launch & Scale Speedometer, 2021).

Os desafios para alcançar a vacinação para todos nos países mais pobres não se limitam as restrições financeiras relativas à compra das doses de vacinas para toda a população mas, envolvem também, problemas logísticos devidos à fragilidade dos sistemas de saúde desses países e a existência de muitas regiões com difícil acesso ou em situação de guerra ou conflitos sociais graves. Funções básicas como armazenagem, transporte, cadeia do frio, disponibilidade de profissionais etc. podem apresentar dificuldades gigantescas para os países mais pobres.  Quando imunizantes de duas doses são utilizados, os desafios da universalidade da vacinação contra a Covid-19 nesses países aumentam, porque exigem também registros confiáveis e sistemas de chamadas efetivos para assegurar a segunda dose. Seria aconselhável que uma cota importante de doses de imunizantes com subministração única seja reservada para territórios de grande vulnerabilidade.

Esta situação configura um panorama no qual parece pouco viável o acesso universal, justo e oportuno às vacinas contra a Covid-19, afetando em maior medida aos países menos desenvolvidos e, dentro desses países, as pessoas mais vulneráveis. Isso, além de ter gravíssimas consequências éticas em termos de vidas humanas perdidas, vai favorecer a circulação viral descontrolada em muitos territórios, aumentando o risco de variantes da Covid-19 resistentes às vacinas atualmente em uso. Para impedir que isso ocorra, parece indispensável um importante esforço da cooperação internacional, não apenas para a provisão do número suficiente de doses de vacinas, mas também para o apoio concreto e in loco das campanhas de imunização. 

É preciso que os países e diferentes organizações sociais, científicas e da sociedade civil unam-se para exigir vacinas para todos.  O acesso universal às vacinas contra a Covid-19 é um assunto social e de saúde pública global.

Por: Diana Ruiz, doutoranda que contribui com a Rede APS

Fonte: Launch & Scale Speedometer. 30 março 2021 https://launchandscalefaster.org/COVID-19

Referências

A outra Saúde. Nó mundial das patentes será desatado na pandemia? Outra Saúde 10 mar 2021 Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasaude/nomundialdaspatentesseradesatadonapandemia/ Acesso: 12 mar 2021

Berkley Seth. Covax explained. Gavi The Vaccine Alliance. 3 set 2020. Disponível em: https://www.gavi.org/vaccineswork/covax-explained Acesso: 5 mar 2021

Carta de la Sociedad Civil. Apoyando la propuesta de India y Sudáfrica sobre la exención (waiver) de ciertas disposiciones del acuerdo sobre los ADPIC para la prevención, la contención y el tratamiento de la covid-19. [2020]. Disponível em: https://saludporderecho.org/wp-content/uploads/2020/10/CARTA-DE-LA-SOCIEDAD-CIVIL.pdf Acesso: 15 mar 2021

Herzog L., Norheim O., Emanuel E., et al. Covax must go beyond proportional allocation of covid vaccines to ensure fair and equitable. BMJ 2021;372:m4853 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.m4853 Acesso: 5 mar 2021

GAVI The Vaccine Alliance. Covax vaccine roll-out. 15 mar 2021 Disponível em: https://www.gavi.org/covax-vaccine-roll-out Acesso: 16 mar 2021

Launch & Scale Speedometer. Covid-19 vaccines are flowing into the private sector. What does this mean for equity?.  Duke Global Health Innovation Center. Launch & Scale Speedometer. 9 mar 2021. Disponível em: https://launchandscalefaster.org/blog/covid-19-vaccines-are-flowing-private-sector-what-does-mean-equity Acesso: 10 mar 2021

OMC. Los Miembros examinan la solicitud de exención del Acuerdo sobre los ADPIC e intercambian opiniones sobre la función de la propiedad intelectual en un contexto de pandemia. Organización Mundial del Comercio OMC. 23 fev 2021. Disponível em: https://www.wto.org/spanish/news_s/news21_s/trip_23feb21_s.htm Acesso: 10 mar 2021

OMS. WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19. OMS 5 Mar 2021. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19-5-march-2021 Acesso: 12 mar 2021

OMS. Fair allocation mechanism for COVID-19 vaccines through the COVAX Facility. OMS. 9 set 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/fair-allocation-mechanism-for-covid-19-vaccines-through-the-covax-facility Acesso: 1 mar 2021

Wouters O., Shalden K., Salcher-Konrad M., et al. Challenges in ensuring global access to COVID-19 vaccines: production, affordability, allocation, and deployment. The Lancet 2021:397;10278, P1023-1034. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00306-8/fulltext Acesso: 15 mar 2021