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A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA PROLONGA A VIDA DE IDOSOS MAIS POBRES AO MINIMIZAR O IMPACTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é capaz de reduzir as desigualdades sociais que incidem sobre a mortalidade de idosos, tanto na mortalidade por todas as causas quanto por causas evitáveis. Prolongando a vida especialmente dos mais pobres, e tem desempenho melhor que a atencao básica tradicional. Essas são conclusões de um estudo realizado na cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul (Kessler et. al, 2021).

O estudo original objetivou investigar o papel da ESF na redução das desigualdades sociais na mortalidade em idosos. Uma das questões dos pesquisadores era descobrir se o tipo de cobertura (ESF ou AB tradicional) era capaz de modificar o efeito da riqueza sobre a mortalidade. Já é de amplo conhecimento que as pessoas que vivem em condições sociais mais vulneráveis, em áreas de maior pobreza, têm maior risco de morte precoce. São efeitos negativos das iniquidades sociais em saúde, relacionadas à estrutura social e de classes das sociedades, e não com diferenças individuais, naturais, como idade e sexo.

Na cidade de Bagé-RS, onde o estudo foi realizado, havia uma distinção bastante marcada entre a riqueza das áreas da cidade e o tipo de cobertura de APS. A área central se caracterizava por melhores condições socioeconômicas, com população vivendo com menor vulnerabilidade social, e possuía cobertura de APS do tipo tradicional. Já as áreas mais periféricas possuíam populações com piores condições socioeconômicas, com maior vulnerabilidade social, e uma cobertura do tipo ESF. A população das áreas periféricas também possuía maior proporção de problemas de saúde e risco, como ser fumante naquele momento, ter diabetes, depressão ou deficiências em comparação às áreas cobertas pela APS tradicional. Cada um desses grupos correspondeu a 50% da população estudada.

O estudo denominado de “Coorte Saúde do Idoso Gaúcho (SIGa) Bagé” é um estudo longitudinal e foi realizado com pessoas de 60 anos ou mais. A primeira etapa ocorreu em 2008, e 1.593 participantes foram recrutados. Nos anos de 2016 e 2017 foi realizado um acompanhamento com dados de 1.314 participantes (82,5% do conjunto inicial). Foram repetidas as entrevistas com 735 participantes; e confirmadas 579 mortes que foram analisadas pelos pesquisadores.

Foram investigadas variáveis como idade, gênero, estado civil, domicílio multigeracional, etnia, renda mensal per capita, escolaridade e comportamentos de saúde (tabagismo e atividade física). Os problemas de saúde incluídos foram hipertensão, diabetes, depressão, incapacidade e estado de saúde autoavaliado. Em relação a serviços de saúde, foram investigados possuir plano de saúde privado, atendimento domiciliar de profissional de saúde e/ou consulta médica nos últimos 3 meses, hospitalização no último ano, finalmente, a modalidade de cobertura de atenção primária em saúde, considerando os dois tipos em foco, APS tradicional e ESF.

As análises estatísticas foram realizadas em diversas etapas. Primeiro, foram descritas todas as variáveis e comparadas as proporções através de teste X². A segunda etapa contou com modelos de riscos proporcionais de Cox ajustados por gênero, idade e riqueza que examinou o tamanho do risco por faixa etária para todos os entrevistados e também distinguindo o risco por tipos de APS em cada faixa etária. Por fim, a última etapa consistiu em análise multivariada por modelos de riscos proporcionais de Cox para verificar associações entre o tipo de cobertura de APS e a mortalidade por todas as causas e por causas evitáveis. Os resultados foram somados usando taxas de risco e seus respectivos intervalos de confiança (95%). Foi criada uma estrutura hierárquica conceitual de fatores de risco para mortalidade em idosos que permite melhorar o poder de análise dos determinantes distais da saúde. A etapa final do estudo testou a interação entre o tipo de APS e a riqueza.   

Ao analisar os resultados obtidos, os pesquisadores constataram que a ESF teve um efeito protetor com redução da mortalidade de indivíduos entre 60 e 64 anos. O mesmo não ocorreu entre os indivíduos cobertos pelo modelo tradicional. Nesse sentido, ao estabelecer a interação do modelo de atenção com riqueza de cada grupo, a conclusão foi que a ESF modificou o efeito da riqueza na mortalidade, tendo protegido os mais pobres tanto da mortalidade por todas as causas quanto da mortalidade por causas evitáveis. Além disso, foi possível concluir que o tipo de APS modificou o efeito da riqueza sobre a mortalidade por todas as causas evitáveis, sendo a ESF um papel protetor nos grupos de riqueza média e baixa.

Para os autores do estudo, os achados podem ser explicados por características relevantes da ESF e que não estão presentes na APS tradicional, como a presença de equipes multidisciplinares que incluem agentes comunitários de saúde, melhor acesso e qualidade, atendimento domiciliar de saúde, monitoramento e acompanhamento no bairro e nas casas dos indivíduos e ações direcionadas à família e aos indivíduos da comunidade.

Além disso, as “características da ESF permitem que a equipe de saúde ofereça ações de saúde ao longo do curso de vida para aqueles com vulnerabilidades sociais e de saúde, reduzindo a mortalidade na faixa etária mais jovem [de 60 a 64 anos]. Os idosos mais jovens têm maior probabilidade de estar nos estágios iniciais de desenvolvimento de doenças, principalmente as não transmissíveis, o que facilita o tratamento, a recuperação, a prevenção de complicações e, quando oferecidas, o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, a atenção domiciliar à saúde e a promoção e educação em saúde – papel da ESF. A intervenção na trajetória da doença é uma forma de reduzir as hospitalizações e evitar a mortalidade prematura” (Kessler et. Al, 2021, p. 934 – tradução livre).

Os autores apontam ainda que são necessários mais estudos sobre como a APS pode ajudar a reduzir o impacto das desigualdades sociais na saúde. Ressaltam que o acesso à ESF, de forma isolada, não pode proteger uma pessoa da exposição a fatores de risco sociais e de estilo de vida. No entanto, é capaz de reduzir as desigualdades de saúde ao atender às necessidades de saúde de cada um. Além disso, a combinação de intervenções tem se mostrado bastante eficaz. É o caso da redução da mortalidade infantil que foi verificada nas últimas décadas e que está associada a maior cobertura da ESF e ao Programa Bolsa Família, cujas transferências de dinheiro beneficiam famílias de baixa renda.

Em suma, o estudo mostra a importância da ESF e da sua centralidade na organização da atenção à saúde da população brasileira. De acordo com os autores, a “ESF é uma ferramenta poderosa para reduzir as desigualdades sociais na mortalidade por todas as causas e na mortalidade evitável entre adultos mais velhos. É uma abordagem efetiva para organizar a APS e pode acelerar o alcance da meta de saúde para todos. A expansão da cobertura da ESF e o fortalecimento das políticas de saúde com base nos princípios da APS devem ser considerados” (Kessler et. Al, 2021, p. 935 – tradução livre).

Onde encontrar o estudo:  Kessler M, Thumé E, Marmot M,et al. Family health strategy, primary health care, and social inequalities in mortality among older adults in Bagé, Southern Brazil. Am J Public Health. 2021; 111(5): 927-936. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8034023/pdf/AJPH.2020.306146.pdf

Autoras(es):

Marciane Kessler – Universidade Federal de Pelotas

Elaine Thumé – Universidade Federal de Pelotas

Michael Marmot – University College London

James Macinko – University of California

Luíz Augusto Facchini – Universidade Federal de Pelotas

Fúlvio Borges Nedel – Universidade Federal de Santa Catarina

Louriele Soares Wachs – Universidade Federal de Pelotas

Pâmela Moraes – Universidade Federal do Rio Grande

Cesar de Oliveira – University College London

Mais informações sobre o estudo:

Slides: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2024/10/30-anos-ESF-Elaine-Thume-Mortalidade-Idosos-9out.pptx.pdf

Vídeo: https://www.youtube.com/live/sM3xIffOG7k 53:42min (abertura de Fachini) até 1:17:38 – sugestão: recortar o vídeo e incluir link de acesso

Entrevista: https://outraspalavras.net/outrasaude/como-a-saude-da-familia-aumentou-o-tempo-de-vida-dos-idosos/

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