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Boletim 7/4/2025

O processo de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Graduação em Medicina tem suscitado debates e divergências. As DCN estabelecem o perfil e as competências fundamentais de egressos dos cursos e os princípios e pressupostos para a sua formação. Para o caso das DCN dos cursos de Medicina, elas contemplam 3 dimensões: perfil do(a) médico(a) graduado(a); conteúdos curriculares; e organização do curso.

As primeiras DCN para os cursos de Graduação em Medicina foram instituídas em 2001. Em 2014, novas DCN entraram em vigor e passaram por pequenas alterações em 2022. Na compreensão de especialistas da área, é importante que sejam revistas na atualidade. Em função disso, no ano de 2024 foi instituída, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), Comissão Especial para a revisão das DCN do curso de graduação em Medicina.

Com o apoio do Ministério da Educação (MEC) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) e a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde promoveram uma consulta ampla, em todo o território nacional. Foram realizadas 9 oficinas regionais e 2 oficinas nacionais, com participação de representantes de diversos segmentos, incluindo profissionais, estudantes, docentes, gestores, entidades médicas, Conselho Nacional de Educação e Conselho Nacional de Saúde, entre outros. Tal processo culminou na elaboração de uma proposta preliminar que foi referendada durante o 62o Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM), realizado em Belo Horizonte, em setembro de 2024, com a participação de mais de 2.000 pessoas, e posteriormente encaminhada ao CNE.

No entanto, em fevereiro de 2025, o Conselho Nacional de Educação (CNE) abriu uma consulta pública sobre a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de Graduação em Medicina no período compreendido entre 14/2/2025 e 14/3/2025. Tal consulta se destinava a receber contribuições fundamentadas e circunstanciadas acerca das mudanças na formação inicial de médicas e médicos brasileiros. (Link da consulta: https://www.gov.br/mec/pt-br/cne/2025/Fevereiro%202025/edital-de-chamamento-consulta-publica-medicina.pdf). Para tal, o CNE apresentou uma proposta de resolução sobre as DCN para o Curso de Graduação em Medicina (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=267651-texto-referencia-medicina-consulta-publica&category_slug=fevereiro-2025&Itemid=30192 ).

Diversas entidades realizaram manifestações contrárias à proposta apresentada pelo CNE:

Associação Brasileira de Ensino Médico (ABEM):

O Conselho Diretor da Abem manifestou surpresa com o conteúdo da proposta através de um ofício (Ofício ABEM: https://website.abem-educmed.org.br/wp-content/uploads/2025/03/37-Contribuicao-ABEM-CNE-DCN.pdf) Nele, a entidade destaca o amplo processo de produção da proposta apresentada ao CNE pela Comissão Especial de revisão das DCN dos cursos de Graduação de Medicina bem como destaca pontos críticos identificados na proposta posta em consulta pública. Alguns dos pontos destacados são: simplificação do perfil do egresso, comprometendo a formação generalista voltada ao atendimento das necessidades das pessoas e do SUS; valorização de um modelo de atenção à saúde centrado na doença em detrimento de um cuidado centrado nas necessidades das pessoas, uma vez que se refere a necessidades de pacientes e não de todas as pessoas, desconsiderando ainda aspectos ligados à determinação social do processo saúde doença; redução da carga horária destinada ao ensino da Atenção Primária à Saúde, estratégia definida como principal para organização do SUS, apresentando contradição com a Lei 12.871/2103 no que se refere a carga horária de internato em APS e Urgência e Emergência e desconsiderando a Medicina de Família e Comunidade (MFC) para o ensino da APS; entre outros.

Reitoria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro:

Através do Ofício UERJ/GR n.199, de 20 de março de 2025, a Reitoria da UERJ destacou que o amplo debate coordenado pela Associação Brasileira de Ensino Médico não está totalmente contemplado na proposta apresentada pelo CNE. O ofício afirma que a consulta pública é importante, mas que a proposta posta em análise carece de reflexão mais profunda e que “alguns conceitos e temas fundamentais, amplamente debatidos e consolidados nas práticas educacionais médicas, não foram suficientemente abordados ou necessitam de aprimoramento”. Dentre os aspectos destacados, estão a interculturalidade no ensino médico, a integração das atividades de extensão e iniciação científica, o uso crítico das novas tecnologias, o internato médico e especialidades. Por fim, considera que a proposta apresentada pela ABEM deve ser tomada como referência para a reformulação das DCN dos cursos de graduação em Medicina: “Esta proposta, construída a partir da experiência prática e das necessidades identificadas ao longo do processo de discussão, parece alinhar-se mais adequadamente aos desafios contemporâneos da formação médica e às demandas da sociedade brasileira”.

Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco):

A Abrasco emitiu nota que endossou o posicionamento da ABEM e da Diretoria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Ofício DFCM nº 18/2025). Destacou o que considera os pontos mais preocupantes da proposta de Resolução apresentada pelo CNE. São eles: enfoque no cuidado individual, omitindo a importância do cuidado na sua dimensão coletiva; ausência da perspectiva do trabalho multiprofissional e interdisciplinar; e valorização de um modelo de atenção à saúde centrado na doença em detrimento de um cuidado centrado nas necessidades das pessoas, desconsiderando aspectos ligados a determinação social do processo saúde-doença.

Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC):

A SBMFC rejeitou a proposta apresentada pelo CNE, “apontando sua inconsistência metodológica e científica, além da ausência de um processo democrático e colaborativo de revisão” (link: para documento completo da SBMFC: https://drive.google.com/file/d/1zFcGYNjtIyAksEf8hIxercMtD4LN7Cyc/view). O documento da SBMFC destacou três pontos centrais de preocupação com a proposta do CNE: (1) Redução do tempo de ensino na Atenção Primária à Saúde (APS): “a mudança contraria as evidências internacionais e o fortalecimento do SUS”; (2) Omissão da Medicina de Família e Comunidade (MFC) como especialidade essencial na formação médica: “um retrocesso na valorização da APS e no ensino de competências fundamentais para o a formação generalista”; (3) Falta de embasamento científico e metodológico da proposta apresentada. Para a SBMFC, “qualquer revisão das DCNs deve ser pautada na ciência, na participação democrática e na construção coletiva. Assim, apoia e solicita que o CNE utilize como referência o texto elaborado pela Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), desenvolvido com ampla consulta pública e fundamentação técnico-científica robusta”.

Conheça a proposta da ABEM para as DCN dos cursos de Graduação em Medicina no Brasil: LINK: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2025/04/ABEM_DCNs_final-web_250406_205344-1.pdf ou clique aqui.

Boletim elaborado por Carla Straub

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