Rede APS

Boletim 9 de abril de 2025

O National Health Service (NHS), sistema público de saúde britânico, que há décadas inspira sistemas de saúde ao redor do mundo, agora reconhece a importância de aprender com as experiências internacionais, especialmente no que diz respeito à atenção primária, para incorporar esses aprendizados em suas próprias reformas políticas e fortalecer o sistema em nível nacional. Entre os dias 17 e 20 de março foi realizado um evento de intercâmbio e aprendizado no Reino Unido, reunindo pesquisadores, profissionais de saúde e gestores de diferentes países. Luiz Augusto Facchini participou do debate sobre os rumos e desafios dos sistemas públicos de saúde no século XXI, principalmente do NHS. A ESF no SUS é uma inspiração ao NHS, o sistema público de saúde do Reino Unido [Confira em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx20r97kyl7o ou clique aqui].

Além da participação do professor Facchini representando a Associação Brasileira em Saúde Coletiva  (Abrasco) e a Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (Rede APS), o evento contou com a presença de diversos representantes internacionais, ampliando o diálogo global sobre sistemas de saúde. Estiveram presentes representantes dos seguintes países: Canadá, África do Sul, Chile, Costa Rica, Índia, Japão, Nova Zelândia, Tailândia, Zimbábue, Reino Unido e Nigéria. A diversidade dos participantes favoreceu o intercâmbio sobre os desafios e inovações nos cuidados primários em diferentes contextos sociopolíticos e culturais. Mais informações sobre os representantes convidados pode ser consultado em [Link: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2025/04/Roundtable-on-Lessons-from-International-Experience-in-PHC_060325.pdf ou clique aqui]. 


O objetivo do encontro foi responder a perguntas centrais sobre a transformação do sistema de saúde, com foco na transição de um modelo baseado no tratamento de doenças nos hospitais para um cuidado mais efetivo na prevenção e no manejo da saúde na comunidade, mais próximo das casas das pessoas. As discussões abordaram como é preciso mudar o financiamento e a forma de entrega dos serviços de saúde para viabilizar essa mudança; como construir uma força de trabalho preparada para atuar em nível local, priorizando a redução de internações hospitalares; qual deve ser o novo papel dos hospitais e como reorganizar os cuidados especializados; e, por fim, como promover uma responsabilização coletiva entre diferentes prestadores e profissionais de saúde nesse novo modelo.


O encontro teve como pano de fundo o atual contexto de crise e reforma do sistema de saúde britânico, o NHS, conforme delineado no manifesto do Partido Trabalhista (Labour) do Reino Unido: “The Challenge: Build an NHS fit for the future” [LINK: https://labour.org.uk/change/build-an-nhs-fit-for-the-future/ ou clique aqui]. O manifesto trabalhista de 2024 afirma de forma contundente: “O NHS está quebrado – e os Conservadores o quebraram”, conforme destaca Facchini sobre a intensa disputa política em relação ao sistema universal de saúde do Reino Unido. O documento denuncia o colapso do sistema sob o governo conservador, apontando o crescimento das listas de espera, a precarização dos serviços e o surgimento de um sistema de saúde de dois níveis – um público sobrecarregado e um privado cada vez mais requisitado. Diante desse cenário, o Labour propõe uma transformação estrutural do NHS, apostando na integração entre saúde física e mental, ampliação do cuidado comunitário, modernização tecnológica e valorização dos profissionais.

O Secretário de Estado do Department of Health and Social Care (DHSC) do Reino Unido, ministro Wes Streeting, está muito interessado em aproveitar as experiências e lições de outros países para delinear as mudanças no NHS, reorientando a assistência à saúde dos hospitais para a comunidade. Streeting encarregou Lord Ara Darzi, um ex-ministro da saúde, de realizar uma rápida revisão do NHS, para avaliar o acesso dos usuários, a qualidade do atendimento e o desempenho geral do sistema de saúde. Darzi destacou que “O NHS está em uma condição crítica, mas seus sinais vitais são fortes”. Em seu relatório apontou para a necessidade de o NHS realizar três grandes mudanças: 1) transferir mais cuidados dos hospitais para as comunidades; 2) fazer melhor uso da tecnologia em saúde e assistência; 3) focar na prevenção de doenças e não apenas no tratamento.

Sob liderança dos professores Alex Shankland, do Institute of Development Studies, Sussex University, Andrea Cornwall e Jennifer Constantine, do King’s College London,  o evento foi organizado com o objetivo de promover um diálogo internacional sobre políticas públicas de saúde e seus desafios contemporâneos. Houve ênfase nas experiências de sistemas universais, como o NHS e o Sistema Único de Saúde (SUS), que podem se fortalecer mutuamente diante das crises e desafios que enfrentam. Também foram objetivos do evento: analisar a situação do NHS e as propostas de reforma propostas pelo Partido Trabalhista britânico; refletir sobre os impactos dessas transformações para o NHS e estimular o intercâmbio de experiências e estratégias entre profissionais e pesquisadores das áreas de saúde coletiva e políticas públicas.

Nos dias 17 e 18 de março, as atividades ocorreram no Instituto de Estudos sobre Desenvolvimento (Institute of Development Studies – IDS), em Brighton, na University of Sussex, voltadas ao compartilhamento de experiências, debates em grupos e construção de diálogos estratégicos — chamados “Hard Talks” — abordando questões-chave formuladas pelo Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido. A programação incluiu uma mesa-redonda com atores locais do NHS em Brighton e Hove e uma visita ao centro WellBN, referência em cuidados integrados de APS e bem-estar, sob liderança de Laura Marshall Andrews, GP at WellBN.

No dia 19 de março, as atividades ocorreram em Londres, com destaque para a Mesa Redonda Internacional sobre o Plano Decenal (10-year Health Plan for England) do Governo do Reino Unido de construir um NHS adequado para o futuro, realizado no King’s College, com participação do Secretário de Estado do DHSC (ministro da saúde), Wes Streeting. Na oportunidade, Facchini apresentou ao ministro as características do SUS, enfatizando o alcance das mais de 53 mil equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e dos mais de 300 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS), responsáveis pela cobertura de cerca de 150 milhões de pessoas, em todo o território brasileiro. Facchini também destacou as contribuições das universidades públicas brasileiras à APS, desde a formação e educação permanente de pessoal, passando pela avaliação, até a formulação de políticas.  

Na sequência, os participantes visitaram o projeto de Community Health and Wellbeing Workers (CHWW) em Westminster, desenvolvido na clínica Healthcare Central London e implementado em comunidades locais de maior vulnerabilidade. O projeto é liderado por Connie Junghans Minton, médica da clínica e professora do Imperial College, inspirado na experiência de Matthew Harris, também professor do Imperial College, na ESF, em Camaragibe, Pernambuco. 

As intensas atividades do dia se encerraram em uma audiência pública no Parlamento Britânico, no Westminster Palace, convocada pelo deputado Simon Opher MP (Labour), coordenador do All-Party Parliamentary Group (APPG) on Health, que já foi médico da APS no NHS. Na sessão, cujo objetivo era discutir como o NHS pode aprender com as experiências internacionais, representantes de Brasil (Facchini), Canadá (Jennifer Rayner), Costa Rica (Rocio Saenz), Índia (Rajeev Sadanandan) e Nova Zelândia (Emma Rawson Te-Patu) compartilharam experiências transformadoras no fortalecimento da APS. Facchini destacou a relevância de uma APS com equipes multidisciplinares, com base territorial, comunitária e participação social, que combine o cuidado individual no centros de saúde e domicílios dos usuários, com ações de saúde coletiva, promoção da saúde, prevenção de agravos e vigilância em saúde, incluindo a vigilância popular. Também fizeram uso da palavra Ashley Dalton, vice-ministra para assuntos parlamentares do Department of Health and Social Care (UK), Matthew Harris (Imperial College) e Laura Marshall Andrews (Brighton and Hove, UK), que discutiram os desafios da APS no NHS.

No momento, o King’s College London e o Institute of Development Studies estão trabalhando com o Department of Health and Social Care (DHSC) para sistematizar as discussões do encontro e apresentar propostas robustas para a reforma da APS no NHS. O desafio é viabilizar mudanças significativas no modelo de tratamento de problemas de saúde em hospitais para melhor cuidar e prevenir problemas de saúde na comunidade, mais perto das casas das pessoas. Em maio de 2025, 0 Secretário Wes Streeting publicará um novo Plano Decenal para o NHS, com o detalhamento das propostas para efetivar as três mudanças, a fim de cumprir a promessa do manifesto trabalhista: “[…] já salvamos o NHS antes, e o próximo governo trabalhista fará isso novamente”.

A programação do último dia pode ser consultada em [Link: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2025/04/APPG-event-international-learning-in-PHC-reform_KCL-IDS.pdf ou clique aqui]. O evento encerrou-se com um retiro de escrita colaborativa no King’s College London, com o objetivo de consolidar os aprendizados e produzir publicações conjuntas.

Verifique o depoimento do Prof Luiz Augusto Facchini sobre o evento no vídeo abaixo:

Referências

LABOUR. “Build an NHS fit for the future” The Labour Manifesto. UK; 2024. Disponível em: https://labour.org.uk/change/build-an-nhs-fit-for-the-future/. Acesso em: 7 de abril de 2025.

BBC NEWS BRASIL. SUS pode ser inspiração para salvar saúde do Reino Unido, diz jornal inglês. BBC, 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx20r97kyl7o. Acesso em: 8 abril de 2025.

Repositório de Fotos da Rede APS

Visita ao centro de saúde e experiência com ACS sob liderança de Dr Connie Junghans Minton, Imperial College London/Westminster City Council, Clinical Lead for the Community Health and Wellbeing Workers (CHWWies), Healthcare Central London (UK)

Community Health Workers

Discussão sobre a reforma do NHS no King’s College


Visita ao centro de saúde e experiência com ACS sob liderança de Dr Connie Junghans Minton, Imperial College London/Westminster City Council, Clinical Lead for the Community Health and Wellbeing Workers (CHWWies), Healthcare Central London (UK)

Emma Rawson Te-Patu, líder Maori da Nova Zelândia e presidente da World Federation of Public Health Association (WFPHA) e Toshihiko Hasegawa, diretor do National Institute of Health Services Management, Japan

Apresentação sobre o SUS, a ESF e os ACS no Parlamento inglês em Westminster Palace, Londres

Visita ao Westminster Community Center, com participação dos Community Health Workers

Alex Shankland, Institute of Development Studies, Sussex University, apresentando as ações individuais sob responsabilidade do NHS e as ações de saúde pública vinculadas aos municípios

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