
Boletim Rede APS | 12 de maio de 2025
Publicado na Revista RECISS (Online) em 2025, o artigo intitulado “Saúde digital na Atenção Primária”, estudo de autoria de Paôlla Layanna Fernandes Rodrigues, Joanne Rodrigues Lemos, Érica Lima Costa de Menezes, Magda Duarte dos Anjos Scherer, João Antônio Brito Porto, Daniela Arruda Soares, Nília Maria de Brito Lima Prado traz importantes reflexões sobre as competências profissionais para a inclusão da saúde digital na Atenção Primária à Saúde e seus desafios.
O estudo trata-se de uma revisão de escopo realizada nas bases PubMed, Science Direct e periódicos Capes, que buscou artigos em inglês ou português, publicados entre 2013 e 2023. O objetivo dos autores foi sistematizar a produção científica sobre as principais competências profissionais necessárias para inclusão da saúde digital na Atenção Primária à Saúde. A pergunta que guiou a pesquisa foi “Quais são as principais competências profissionais necessárias para inclusão da saúde digital na Atenção Primária à Saúde (APS) descritas pela produção científica entre 2013 e 2023?” (RODRIGUES et al., 2025).
Os autores utilizaram como referência para a competência profissional a seguinte definição: “[…] capacidade de articular e de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes, colocando-os em ação para resolver problemas e enfrentar situações de imprevisibilidade, em uma dada situação concreta de trabalho e/ou em um determinado contexto cultural” (DELUIZ, 2001). As categorias de competências estão descritas no Quadro 1.
Quadro 1. Síntese e descrição das categorias de competências do estudo.
1. Competências no uso de tecnologias digitais para comunicação inter-relacional: |
As competências digitais voltadas à comunicação e ao uso da internet envolvem não apenas o domínio técnico, mas também habilidades sociais e criativas. Profissionais de saúde devem saber operar ferramentas digitais, navegar e avaliar informações com criticidade, comunicar-se eficazmente em ambientes virtuais e produzir conteúdos relevantes. A alfabetização digital é essencial para evitar erros na transmissão de informações e garantir uma comunicação segura e eficiente. Essas competências se articulam com dimensões transversais como segurança da informação, resolução de problemas, colaboração e desenvolvimento profissional, exigindo acompanhamento contínuo de desempenho e apoio institucional. |
2. Competências para o uso de tecnologias em ações assistenciais (telemedicina e atendimento remoto): |
No atendimento assistencial digital, como na telemedicina, é crucial que os profissionais dominem tecnologias e integrem-nas ao cuidado, respeitando as especificidades de cada usuário. O modelo de maturidade das competências digitais ajuda a entender o grau de preparo dos profissionais, desde a ausência de capacitação até a institucionalização de treinamentos com recursos sustentáveis. Para um atendimento de qualidade, recomenda-se a combinação de métodos digitais e presenciais, garantindo espaços de interação humana e discussão clínica. Além disso, é fundamental investir em capacitação contínua para o uso de protocolos digitais, gestão de dados e atuação em equipes interdisciplinares, favorecendo decisões clínicas mais seguras e colaborativas. |
3. Competências para o uso de tecnologias na obtenção e análise de dados em saúde: |
A coleta, análise e aplicação de dados digitais em saúde exigem competências funcionais e críticas que vão além do uso técnico. Os profissionais devem saber interpretar informações com base em critérios de relevância, confiabilidade e aplicabilidade, considerando os determinantes sociais e culturais da população atendida. Para isso, é necessário fortalecer a formação digital, especialmente entre gestores, promovendo o uso adequado de registros eletrônicos e sistemas informacionais. O uso seguro e eficiente dessas ferramentas é essencial para apoiar decisões clínicas e de gestão, exigindo leitura qualificada dos dados e a capacidade de transformar informações em ações concretas para melhorar o cuidado em saúde. |
Fonte: Rodrigues et al. (2025).
Os resultados do estudo evidenciam que, embora exista avanços no uso de tecnologias para a comunicação, atendimento remoto e gestão de dados, com um destaque para competências técnicas e operacionais em informática, ainda há pouca ênfase em competências consideradas essenciais, como o pensamento crítico, a sensibilidade cultural, o compromisso ético e político com a equidade. Segundo os autores, essas habilidades são fundamentais para promover uma atuação colaborativa e equitativa na tomada de decisões em saúde. Ou seja, mais do que saber mexer em sistemas, é preciso saber para quê, como e com quem usar essas ferramentas.
Ainda, os autores enfatizam que a integração dessas competências no cotidiano da APS é um desafio complexo, considerando a rapidez das transformações tecnológicas. Para garantir que a digitalização dos serviços não aprofunde desigualdades, o estudo defende que as organizações de saúde devem oferecer oportunidades de aprendizado contínuo no uso de tecnologias, promovendo equidade no acesso e nos resultados dos cuidados em saúde.
O estudo também destaca que a maioria das competências digitais discutidas ainda se concentra em países desenvolvidos (Canadá, Estados Unidos e Finlândia), deixando lacunas importantes para realidades como a brasileira. No Brasil, programas como o Programa de Apoio à Informatização e Qualificação dos Dados da Atenção Primária à Saúde (Informatiza APS) e o Conecte SUS estão em curso, mas ainda são tímidos quando o assunto é a formação em competências digitais.
Outro ponto relevante abordado pelos autores é que não basta ensinar os profissionais a usar a tecnologia: é preciso garantir que eles possam trabalhar de forma integrada, colaborativa e com suporte institucional contínuo. A formação precisa ser permanente, sensível às diferentes funções e profissões da equipe e voltada para a melhoria do cuidado em saúde.
Os autores concluem que a transformação digital da APS depende não apenas da infraestrutura, mas do fortalecimento das competências profissionais alinhadas a uma atuação crítica, interprofissional e voltada para o bem comum. Mais do que aprender novas ferramentas, trata-se de construir um novo modo de cuidar, centrado nas pessoas e apoiado por tecnologias.
Para acessar o artigo completo, clique no link (https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/4153) ou aqui.
Referências
DELUIZ, Neise et al. Qualificação, competências e certificação: visão do mundo do trabalho. Formação, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 5-15, 2001. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/Revista2002.pdf. Acesso em: 27 de abril de 2025.
RODRIGUES, Paôlla Layanna Fernandes et al. Saúde digital na Atenção Primária: uma revisão de escopo sobre competências profissionais. RECIIS (Online), v. 19, n. 1, e4153, 2025. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/4153. Acesso em: 27 de abril de 2025.