
UM POUCO DE HISTÓRIA
As equipes de saúde bucal (ESB), compostas por cirurgião dentista, auxiliar e técnico de saúde bucal foram oficialmente incorporadas às equipes da ESF por meio da Portaria nº1444/GM, que atribuiu um incentivo financeiro para inclusão das ESB. Foi estabelecida a relação de uma equipe de ESB para cada duas equipes da ESF,(BRASIL, 2000), relação esta que foi posteriormente alterada, com possibilidade de equiparação. Em 2001, o primeiro ano de sua inserção na ESF havia 1288 municípios com ESB implantadas.
Entretanto, é no ano de 2004, que se observam avanços importantes na saúde bucal, com o lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), conhecida como“Brasil Sorridente”.A partir deste momento, ocorreu a expansão do número de Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família, com a reorientação do modelo assistencial e do processo de trabalho de acordo com os princípios norteadores da ESF. Naquele ano, também acontece a ampliação da rede de atenção, o aumento do financiamento, definição de protocolos e indicadores, monitoramento e avaliação de desempenho, educação permanente e ampliação das estratégias populacionais em larga escala (Barros et al., 2016).
Segundo Moyses e Goes (2012), a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) expressa a necessidade de resposta do Estado brasileiro e do SUS para atender às necessidades de todas as pessoas (universalidade), possibilitando acesso a todos os recursos odontológicos e tecnologias em saúde que necessitem (integralidade), de forma prioritária aos que precisem mais (equidade), exercidas de forma participativa com a população (controle social) (Góes & Moysés, 2012).
Assim, a PNSB compreende um conjunto de ações individuais e coletivas, incluindo desde a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento até a reabilitação. Estas atividades serão desenvolvidas por meio do exercício de práticas democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas à populações do território em que vivem pelas quais assume a responsabilidade com o cuidado em saúde bucal.
Alguns fatos foram relevantes para esta tomada de decisão, trazidos pela divulgação dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD – IBGE) e dos resultados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal-SB Brasil 2003. Eles demonstravam a necessidade de políticas mais inclusivas para a saúde bucal. Um dado relevante trazido pela PNAD 2003 apontou que quase28 milhões de brasileiros nunca tiveram acesso ao dentista, sendo 13% de crianças ou adolescentes de até 19 anos, vivendo em áreas urbanas e regiões metropolitanas. Para brasileiros idosos e da zona rural a situação era ainda mais preocupante: acima dos 70 anos, dois terços eram edêntulos.
A inclusão da ESB na ESF representou a possibilidade de criar um espaço de novas práticas e relações a serem construídas no processo de trabalho em saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde, em uma concepção ampla de processo saúde-doença-cuidado. Silveira Filho (2002), (3), destacou como o maior desafio inicial tornar as ações de saúde bucal um direito de todos os cidadãos brasileiros, independentes de sua idade, escolaridade ou classe social, validando os princípios constitucionais, numa mudança paradigmática da saúde bucal.
Com isso, o Ministério da Saúde alinhava a saúde bucal aos princípios e diretrizes do SUS, ampliando o acesso da população às suas ações dentro de uma rede integrada de serviços que garantisse resolutividade e possibilitasse o acompanhamento dos seus usuários.
Em 2023 um novo marco se destaca com a assinatura da Lei 14.572 que institui a Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para incluir a saúde bucal no campo de atuação do SUS, com um expressivo aumento para seu financiamento em todos os níveis da atenção. A lei estabelece 10 Diretrizes para orientar as ações direcionadas à produção social da saúde bucal e, especificamente, as ações odontológicas em todos os níveis de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Imagem 1. Gráfico do número total de equipes de saúde bucal por ano. Brasil, 2014 a 2024.

Em maio de 2024, tem-se 31.500 ESB em relação à 61.262 ESF, o que mantém a disparidade em relação à meta de 1 ESB para 1 ESF.
Ao mesmo tempo, observa-se um processo de terceirização dos contratos de trabalho em todo o país. Como consequência, tem-se a precarização do trabalho, tanto em relação aos cumprimentos dos princípios da APS no SUS, como nas condições de trabalho, dos vínculos e salários (Ruiz, Peres & Carcereri, 2022).
Rede de Atenção em Saúde Bucal

A SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA
Os resultados preliminares da última Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB-Brasil, 2023) mostram a redução da prevalência de cárie dentária com melhoria do índice CPOD, (número médio de dentes cariados, perdidos e obturados), nas faixas etárias estudadas, com exceção dos 5 anos de idade (Imagem 2).
Imagem 2. Média de ceo-d e CPO-d em 2022

Permanecem como um desafio a ser superado a prevalência de cárie não tratada, as doenças periodontais, o edentulismo e a atenção aos quadros de dor. Em torno de 10% das crianças de 5 anos, dos adolescentes e dos adultos apresentavam necessidade de atenção imediata por motivos de dor ou infecção de origem dentária (Imagem 3). Nas faixas etárias pesquisadas pelo último levantamento epidemiológico concluído em 2023, (SB BRASIL 2023) verifica-se ainda uma alta prevalência de cárie não tratada na dentição temporária (5 anos) o que mostra uma dificuldade de acesso nesta idade. A prevalência de cárie entre adolescentes (12 e 15-19 anos) se apresenta com redução significativa. Entre idosos, a perda dentária é a marca determinante de uma prática excludente e centrada em procedimentos invasivos.
Imagem 3. Avaliação da urgência de tratamento por faixa etária. Brasil, 2022.

IMPACTO DA PRESENÇA DAS DA ESB NA ESF
A partir da inclusão das ESB na ESF, pesquisas estão sendo realizadas para acompanhar e avaliar as mudanças quanto ao cuidado, ao acesso, na integração das equipes, no processo de trabalho e na resolutividade do trabalho em saúde bucal. É evidente que o incremento nas equipes tornou mais acessível e oportuno o cuidado e atenção às necessidades odontológicas da população.
Em estudo realizado na Paraíba a maioria dos usuários estava satisfeita com a atenção em saúde bucal. Os principais fatores associados à satisfação, foram o atendimento às necessidades dos usuários e o processo de trabalho da ESB (Pires et al., 2020).
No mesmo estado, Paraíba, foi observada a redução gradativa do percentual de extrações associada aos demais procedimentos odontológicos, sugerindo a melhora da oferta de cuidados e do modelo de atenção em saúde bucal (Santiago et al., 2021).
No estado do Paraná, a presença das Equipes de Saúde Bucal nos municípios, pode ter auxiliado na mudança do modelo de atenção com a redução do número de dentes perdidos e o aumentodos procedimentos coletivos preventivos (Siqueira et al., 2021).
No estado de São Paulo, os municípios com menor alcance das ESB e maior desigualdade social, apresentaram maior proporção de dentes extraídos (Santos et al., 2021).
Resultados de um estudo realizado com dados de 5.570 municípios do Brasil, mostraram que a ampliação da cobertura das ESB esteve associada ao aumento da quantidade de procedimentos odontológicos realizados no serviço público. Com o incremento das equipes observa-se o aumento de procedimentos preventivos, de dentes extraídos e do número de dentes restaurados (Colvara et al., 2023).
Monteiro et al. (2020) analisando dados secundários de 112 ESB na ESF de Recife cadastrados no segundo ciclo do PMAQ-AB observou que a equiparação de ESB com ESF mostrou associação significativa nos indicadores de desempenho, demonstrando aumento da qualidade da atenção. A maioria das equipes apresentou adequação as condições de estrutura e processo da atenção em saúde bucal estudados (Monteiro et al., 2020). Todavia, evidenciou a persistência de problemas relacionados à disponibilidade de equipamentos, instrumentais e insumos odontológicos, bem como a deficiência de informações da gestão para a análise da situação de saúde.
Outro estudo desenvolvido na Bahia por Barros e colaboradores (2017) para avaliar o impacto da implantação das ESB/ESF significou uma ampliação da utilização dos serviços, entretanto, o uso de medidas de morbidade referida não revelou impacto sobre as condições de saúde bucal da população, sendo necessário o uso de indicadores mais sensíveis (Barros et al., 2017).
A Estratégia da Saúde da Família (ESF) tem demostrado resultados efetivos em indicadores de saúde. Ao analisar o impacto da ESB/ESF na saúde bucal de adolescentes do sul do Brasil, Ely e colaboradores (2016) observou que jovens de áreas não cobertas pela ESB/ESF tiveram quase a metade da perda de dentes comparados aos jovens das áreas cobertas pela ESF (Ely et al., 2016). Este resultado aponta para o maior acesso aos serviços e de uma prática ainda centrada em procedimentos clínicos invasivos, abordagens menos preventivas e pouca oferta dos tratamentos especializados, por não existirem Centros de Especialidades estabelecidos.
DESAFIOS
Diante destas observações, a presença das ESB na ESF enfrenta ainda uma série de desafios a serem superados. Entre estes podem ser citados: a necessidade a equiparação das ESB na ESF formando uma equipe única; a organização do processo de trabalho das equipes de forma integrada a todos os profissionais da ESF, e-multi, ACS, gestores e usuários; a participação na gestão e planejamento do trabalho em saúde; superação do isolamento das equipes, garantindo o acesso e cuidados integrais centrados nas necessidades dos usuários. Além do gerenciamento da demanda clínica que deve ser executado com ações voltadas à promoção da saúde, com o conhecimento da realidade do território, das condições epidemiológicas e estratificação de risco.
Referências
BRASIL. LEI No 14.572, DE 8 DE MAIO DE 2023. Institui a Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para incluir a saúde bucal no campo de atuação do SUS. Brasília (DF), 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14572.htm
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/sus-celebra-30-anos-da-estrategia-saude-da-familia
Brasil. Secretaria de Comunicação Social. Brasil Sorridente investe R$ 154,8 milhões em equipes de saúde bucal no país em maio de 2024, 84% a mais do que em dezembro de 2022. Brasília (DF), 2024. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/07/brasil-sorridente-investe-r-154-8-milhoes-em-equipes-de-saude-bucal-no-pais-em-maio-de-2024
1 BARROS, S.G., MEDINA, M.G., CARCERERI, D.L., RUIZ, D.C., and PERES, A.C.O. Atenção primária e saúde bucal: as evidências de sua implementação no Brasil. In: CHAVES, S.C.L. Política de saúde bucalno Brasil: teoria e prática [online]. Salvador: EDUFBA, 2016, pp. 173-202. ISBN 978-85-232-2029-7.
2 GÓES PSA, MOYSÉS SJ. Planejamento, gestão e avaliação em saúde bucal. São Paulo:Artes Médicas. 2012. 248p.
3 SILVEIRA FILHO, A. D. A saúde bucal no PSF: o desafio de mudar a prática. Revista Brasileira de Saúde da Família, Brasília, v. 2, n. 6, p. 36-43, dez. 2002
4 RUIZ, DL; PERES, ACO; CARCERERI, DL. saúde bucal na APS. in: Rede de Pesquisa em APS (Org.). Bases para uma atenção primária à saúde integral resolutiva territorial e comunitária no SUS: aspectos críticos e proposições. Rio de Janeiro: Abrasco; 2022. E-book. 111p.
5 PIRES HF, LIMÃO NP, PROTASIO APL, VALENÇA AMG. Fatores associados à satisfação dos usuários com a atenção à saúde bucal na Paraíba.Saúde em Debate:Rio de Janeiro, v. 44, n. 125, p. 451-464, 2020.
6 SANTIAGO, C.P; CAVALCANTE, D.F.B; AMBROSANO, G.M.B.; PEREIRA, A.C.; LUCENA, E.H.G.; CAVALCANTI, Y. W.; PADILHA, W.W.N. Resolutividade da atenção básica em saúde bucal em municípiosdo estado da Paraíba, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, Supl. 2, p. 3589-3597, 2021.
7 Siqueira PM, Umeda JE, Terada RSS, Giozet AF, Leite JS, Paludetto Junior M, Lima CCB, Fujimaki M. Associação da implantação de Equipes de Saúde Bucal com ações coletivas e exodontia no Estado do Paraná, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, suppl 2, p. 3705-3714, 2021.
8 Santos PR, Bulgareli JV, Cunha IP, Brizon VSC, Ambrosano GMB, Francesquini Júnior L. Proporção de exodontia no estado de São Paulo e sua relação com a cobertura da Equipe de Saúde Bucal. Cad Saúde Colet, 2021; Ahead of Print.https://doi.org/10.1590/1414-462X202129020526
9 Colvara BC, Ritzel IF, Aguiar VR, Hilgert JB, Celeste RK. Cobertura do Programa Bolsa Família e fatores associados à realização de procedimentos odontológicos no Brasil, entre 2007 e 2011: um estudo ecológico. Cad. Saúde Pública, v. 39, n. 7, e00200622, 2023.
10 Monteiro, I.S.; Moreira, R.S.; Farias, S.F.Atenção em Saúde Bucal do município de Recife: avaliação pós-adesão ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade de Atenção Básica. Rev. APS, v. 23, n. 1, p. 40 – 56, 2020.
11 BARROS, S. G., CANGUSSU, M. C. T., CRUZ, D. N., SILVA, L. O. R., & RONCALLI, A. G. Impacto da Implantação das Equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família em Dois Municípios do Estado da Bahia. Revista De Saúde Coletiva Da UEFS, v. 6, n. 2, p. 37–42, 2017. https://doi.org/10.13102/rscdauefs.v6i2.1212
12 ELY, H.C.; ABEGG, C.; CELESTE, R.K.; PATUSSI, M.P. Impacto das equipes de saúde bucal da Estratégia da Saúde da Família na saúde bucal de adolescentes do sul do Brasil. Ciênc. Saúde Colet, v. 21, n. 5, 2016.