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Emendas Parlamentares para a saúde e o aumento das disparidades regionais no SUS

Mais da metade dos recursos discricionários do Ministério da Saúde são executados, atualmente, através de Emendas Parlamentares, cuja lógica de alocação de recursos segue predominantemente critérios de negociação política e interesses partidários e clientelistas. Isso gera implicações na capacidade de indução de políticas de saúde e redução de desigualdades regionais, além de prejudicar o planejamento e a regionalização do SUS.

As Emendas Parlamentares (EP) ao orçamento público são instrumentos que permitem a deputadas(os) e senadoras(es) realizarem alterações no orçamento público anual. Na relação entre Executivo e Legislativo sobre a formulação, execução e fiscalização do Plano Plurianual (PPA) e das leis orçamentárias (LOA e LDO), o processo orçamentário brasileiro permite esse mecanismo peculiar chamado EP. Com elas, o Legislativo pode destinar parte do orçamento discricionário das despesas do poder Executivo Federal a órgãos ou entidades da administração pública (direta ou indireta, dos três entes federativos), bem como a consórcios públicos, organizações da sociedade civil ou serviços sociais autônomos (Cunha et. Al, 2024; Câmara dos deputados, 2024).

Se aprovadas, a União é obrigada a executar as EP e é por isso que são chamadas de impositivas. Através delas, as(os) membros do Legislativo podem influenciar a alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato (Controladoria Geral da União, 2024). No limite, as EP representam uma mudança no regime de governança orçamentária no Brasil em que o Poder Legislativo alcança maior capacidade de definir prioridades de financiamento de políticas públicas em detrimento do Poder Executivo. Dentre as críticas que as EP recebem, Silva et. al (2024, p. 9) destacam o “caráter distributivo das emendas que concentram benefícios em localidades específicas, por meio de impostos gerais que envolvem a contribuição de todos no financiamento de seus custos, gerando mais impactos individuais do que coletivos”.

Grande parte das EP se destina a Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) e a forma como estas alocações de recursos tem sido realizada é motivo de preocupação para especialistas. Um dos motivos para tal preocupação é a progressiva redução na capacidade do Ministério da Saúde (MS) direcionar os recursos discricionários da pasta a partir de prioridades estabelecidas pela política nacional de saúde. Por exemplo, no ano de 2023, conforme Vieira (2024), o governo federal pôde decidir a alocação de menos da metade das despesas discricionárias com ASPS (47,5%). Em outros termos, para o último ano, o Congresso Nacional definiu mais da metade das despesas discricionárias do MS com ASPS.

Outro motivo de preocupação, expresso por Cunha et. al. (2024, p. 8), é a “lógica fragmentada e sem critérios distributivos que operam os recursos transferidos por emendas parlamentares para os demais entes federativos, em particular os municípios”. Enquanto a legislação brasileira define critérios para alocação de recursos, através da Lei 8.080/1990 e da Lei Complementar 141/2012, a transferência através de EP segue critérios baseados no clientelismo político. Com isso, há risco de ruptura com a lógica redistributiva e de redução de desigualdades regionais.

Inicialmente, as EP eram destinadas a construção e ampliação de unidades de saúde bem como a aquisição de equipamentos, mas, desde 2016, o custeio tornou-se sua despesa principal. “Neste quadro, as ASPS que deveriam contar com fontes de recursos regulares para sua manutenção, passam a depender de negociações políticas entre representantes dos poderes executivo e legislativo. Amplia-se, assim, o desafio das gestões municipais de planejamento do seu gasto e de desenvolvimento de estratégias contínuas para manutenção do patamar de recursos recebidos por EP” (Silva et. al., 2024, p. 10).

O ano de 2023 evidenciou a alocação desigual de recursos aos municípios através das EP ao se considerar os recortes regionais do SUS e a destinação a Atenção Primária à Saúde (APS) e Atenção Especializada à Saúde (AES). As regiões Norte e Nordeste receberam os maiores valores de recursos destinados à APS de forma geral. Do mesmo modo, tais regiões também foram beneficiadas por mais recursos destinados à AES, mas de modo concentrado em menor número de macrorregiões e regiões de saúde (Vieira, 2024). Silva et. Al. (2024, p.8) alertam que o maior peso dos recursos de EP para as regiões Norte e Nordeste pode sugerir maior dependência dessa fonte e que isto é preocupante quando comparado com a redução de gasto público em saúde, nestas mesmas regiões, verificada no período de 2004 a 2017. Desta forma, “se em alguma medida, as EP representam fontes adicionais de recursos para essas regiões, isto ocorre de maneira instável, sem uma contribuição real para a sustentabilidade do financiamento do SUS.”

Em 2019, 92,1% dos municípios receberam emendas na modalidade de incremento de piso da atenção básica correspondendo a quase todo o território nacional, com distribuição díspar entre municípios mais e menos vulneráveis (Vieira e Lima, 2022). Para Silva et. Al. (2024, p. 9), tal fato não se vincula a uma indução ao fortalecimento deste nível de atenção, mas aponta para a busca de maior capilaridade dos parlamentares junto às suas bases eleitorais. Ao considerar que a maioria dos municípios não dispõem de serviços de média e alta complexidade, a preferência de repasse de parlamentares à APS parece representar uma estratégia política, atrelada ao seu desempenho eleitoral, desvinculada de um olhar para necessidades e prioridades em saúde. “Entretanto, ainda que no processo de execução de EP estejam contemplados alguns parâmetros estabelecidos pelo executivo federal, são nas negociações entre parlamentares e prefeituras que o destino dos recursos é definido”.

Em 2023, exercício de maior execução de despesas com ASPS por emendas, ocorreu grande destinação de recursos para AES (R$ 7,2 bilhões a mais que no ano anterior), enquanto os recursos destinados para a APS se mantiveram sem mudanças importantes (R$ 171,8 milhões a mais que em 2022). Ao comparar os anos de 2022 e 2023, há menor crescimento dos gastos em APS (de R$ 9,2 bilhões para R$ 9,4 bilhões – 1,9%) e maior crescimento dos gastos com AES (se R$ 6,2 bilhões para R$ 13,4 bilhões – 115,9%). Para investimentos, houve menor alocação para a AES em relação à APS em UFs do Norte e do Nordeste, onde se encontram maiores vazios assistenciais (Vieira, 2024, p. 35).

Diante deste cenário, com aprofundamento das desigualdades regionais, as implicações das EP incluem prejuízos ao alcance da integralidade do atendimento em saúde, haja vista que impõem obstáculos ao fortalecimento de redes de atenção regionalizadas. Para a APS, a dependência do repasse dos recursos aos acordos políticos de ordem clientelista pode gerar prejuízos na continuidade dos serviços e no planejamento e execução das ações e para o modelo assistencial preconizado de APS com abordagem integral e comunitária da ESF.  

REFERÊNCIAS

Câmara dos Deputados. Orçamento impositivo. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/fiquePorDentro/temas/orcamento-impositivo. Consulta em 16/11/2024.

Cunha ML, Bergamin J, Telésforo J, Brenck C, Ribeiro R. As emendas parlamentares e a disputa do orçamento em um contexto de austeridade fiscal. São Paulo: Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made/USP), 2024. Disponível em: https://madeusp.com.br/wp-content/uploads/2024/11/NPE59-emendasparlamentares.pdf

Controladoria Geral da União. Portal da Transparência. Entenda a gestão – Emendas Parlamentares. 2024. Disponível em: https://portaldatransparencia.gov.br/entenda-a-gestao-publica/emendas-parlamentares#:~:text=Emenda%20parlamentar%20%C3%A9%20um%20instrumento,lei%20or%C3%A7ament%C3%A1ria%20enviado%20pelo%20Executivo

Silva AS, Lima LD, Baptista TW, Vieira FS, Andrade CL. Transferências federais por emendas parlamentares aos municípios: implicações para o financiamento do SUS. Ciência & Saúde Coletiva, 29(7):1-12, 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/bbcNcmMvsbfdNWkM7XrLJHH/?format=pdf&lang=pt

Vieira FS. Financiamento federal de ações e serviços públicos de saúde por emendas parlamentares e suas implicações para a regionalização da saúde. Brasília, DF: Ipea, 2024. 52 p. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/15997/1/TD_3048_web.pdf

Vieira FS, Lima LD. Distorções das emendas parlamentares à alocação equitativa de recursos federais ao PAB. Rev Saude Publica 2022; 56:123. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/dcvQcXbz5NLxWJdqYr8Yv8K/abstract/?lang=pt

Elaborado por Carla Straub, em 2/12/2024

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