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O fortalecimento do gerencialismo no SUS através do Programa Previne Brasil e suas implicações para a APS  

Boletim 16/12 

Um estudo analisou o processo de implantação do Programa Previne Brasil no período de 2019 a 2022 e concluiu que o programa distanciou as práticas de cuidado e de gestão da APS do conceito original dos cuidados primários em saúde. O estudo foi realizado por Mariana Alves Melo durante seu doutorado cursado no Programa de Pós Graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo e foi apresentado na tese intitulada “Críticas à nova forma de alocação dos recursos federais para a Atenção Primária em Saúde – Programa Previne Brasil – no Sistema Único de Saúde (SUS): análise dos municípios brasileiros (2019-2022)”. 

Como metodologia, a autora acompanhou o processo de implementação do Programa Previne Brasil entre os anos de 2019 e 2022, com o intuito de discutir a evolução dos parâmetros de distribuição dos recursos e seus efeitos financeiros e operacionais nas redes básicas de saúde municipais. O estudou se amparou em pesquisa documental, bibliográfica e quantitativa, a partir da análise do conjunto normativo que delimitou a implantação do programa federal de cofinanciamento da Política Nacional de Atenção Básica (Previne Brasil). Também analisou dados financeiros das transferências federais e outros marcadores da Atenção Primária em Saúde do conjunto de municípios brasileiros (5.570). 

Para Mariana Alves Melo, a pesquisa demonstrou que foram “ampliadas as práticas que instrumentalizaram os processos institucionais do SUS, especialmente em suas relações interfederativas, sob a priorização de arranjos operacionais que valorizaram a tríade gerencialista (“modernização” falaciosa, “eficiência” neoclássica e desempenho atomizante)”. Com isso, houve distanciamento entre concepção original de cuidados primários e as práticas de cuidado e gestão efetivamente implementadas. Além disso, ampliaram-se os marcos regulatórios que favorecem a expansão do capital privado nas políticas públicas de Saúde, rumo a um “SUS Operacional”. Acerca dos resultados financeiros do programa para o conjunto dos 5.570 municípios brasileiros, a autora concluiu que “houve desvio à ideal distribuição equitativa dos recursos e prejuízos a um conjunto representativo de municípios, e, por este motivo, cerceamento do princípio da universalidade do sistema”. 

Em novembro de 2024, Mariana Alves participou da mesa “Financiamento da Atenção Primária em Saúde”, no 5º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, da Abrasco (link para os slides da apresentação). Acerca dos resultados do Programa Previne Brasil, a pesquisadora afirmou que houve perdas reais crescentes em relação ao modelo de financiamento anterior para parte significativa dos municípios brasileiros já a partir do primeiro ano de vigência (2020), quando 30,4% deles tiveram perdas. O processo ampliou e, em 2022, totalizou 59,5% dos municípios com perdas financeiras em relação ao que recebiam em 2019. Além da ampliação numérica de municípios com perda, que passaram a ser maioria, houve também ampliação no montante financeiro das perdas. Outro aspecto importante destacado pela pesquisadora foi a comparação da alocação de recursos federais a partir da categoria tipologia municipal (TM), em que os dados obtidos demonstram que a sobreposição de parâmetros do programa resultou em uma não proteção de municípios considerados mais vulneráveis, haja vista que produz valores equivalentes entre as categorias da TM. Para a pesquisadora, há neutralização do peso adicional por categoria da TM impetrada pela relação inversamente proporcional do volume de cadastros por tipo de equipe que cada categoria adiciona à margem potencial. Finalmente, ao analisar o Programa Previne Brasil a partir da categoria Porte Populacional, a pesquisadora afirma que as perdas de recursos, mensuradas pela variação negativa, foram aumentando gradativamente para todos os portes populacionais a cada ano de implementação do programa. Para ela, o porte populacional parece explicar melhor o padrão de perdas do que a classificação TM. 

 

Parte dos resultados da pesquisa estão publicados em artigos, em colaboração com Áquilas Mendes e Leonardo Carnut:   

Análise crítica sobre  a implantação do novo modelo de alocação dos recursos federais para Atenção Primária à Saúde: operacionalismo e improvisos (Link: https://www.scielo.br/j/csp/a/RzCN3QfmZthv6GBQQfNQHsQ/abstract/?lang=pt). Ensaio crítico sobre as políticas adotadas pelo governo Jair Bolsonaro no âmbito da APS  com ênfase no primeiro ano de implantação do Programa Previne Brasil. Através de análise dos cenários de tendência da implantação do novo modelo de “financiamento” da APS nas capitais São Paulo e Manaus, os autores relacionaram os valores do Componente de Capitação Ponderada desses municípios, comparando 2019 (ano sem o novo modelo) e 2020 (um ano de implantação do novo modelo) e os dados obtidos apontaram para o desfinanciamento progressivo da APS. Os autores também consideram que o modelo do Programa Previne Brasil impacta na universalidade do SUS, pois a valorização de atributos de “modernização” e racionalização das atividades estatais do SUS, ao ser associada a interesses de mercado, reforça uma atenção à saúde voltada aos privilégios e às carências (que prioriza a população mais vulnerável) e destitui a universalidade do financiamento. O fortalecimento do “SUS operacional”, com práticas de reforço a instrumentos administrativos e gerenciais, afasta-se do SUS que tem o direito à saúde como central e universal. Além disso, o processo burocratizado e dificultoso de desfinanciamento, que por vezes impede a execução orçamentária, tem efeitos diretos até em municípios de grande porte e que possuem corpo técnico razoável para gerir o novo modelo; como consequência, há um esvaziamento de recursos que desertifica a APS e que pode justificar caminhos para a sua privatização por dentro do sistema. 

  

Continuum de desmontes da saúde pública na crise da Covid-19: o neofascismo de Bolsonaro (Link: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/4nFqGgLQ5wL5wHGjtJfntNS/). Neste artigo, aprofunda-se a discussão crítica às políticas adotadas pelo governo Bolsonaro em relação à saúde pública, particularmente no que tange ao financiamento em geral, ao enfrentamento da pandemia e ao primeiro ano de implantação do novo modelo de “financiamento” para a Atenção Primária à Saúde (APS). A análise evidencia o acirramento da legitimidade restrita do regime político, assumida por políticas ultraneoliberais e pelo neofascismo do governo Bolsonaro. Estas formas de dominação – política e econômica – engendram uma conjuntura interna que visa remodelar a acumulação de capital na saúde pública via APS por meio de mecanismos “operacionais” burocráticos sutis de desconstrução da universidade do “financiamento”. 

 

Rede APS

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