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2 Seminário – Experiências de fortalecimento da ESF para o enfrentamento da Covid-19: o que podemos aprender? Ano 2020

O seminário “Experiências de fortalecimento da Estratégia Saúde da Família para o enfrentamento da Covid-19: o que podemos aprender? ” organizado pela  Rede de Pesquisa em APS da Abrasco com apoio do Cebes e participação do Conasems foi realizado em 9 de junho 2020 e fez parte da Marcha Pela Vida organizada pela Frente Pela Vida. O evento foi transmitido pela TV Abrasco no YouTube e sua gravação está disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=Bk5lWekQ3yQ.

O objetivo do seminário foi analisar experiências locais de reorganização da atenção básica e iniciativas inovadoras na Estratégia Saúde da Família para o enfrentamento da pandemia de Covid-19 e discutir fragilidades encontradas em diferentes contextos.

As experiências de reorganização da APS no contexto da pandemia apresentadas no seminário possibilitam diversos aprendizados. Desde o primeiro momento, a Rede de Pesquisa APS acompanha o desdobramento da crise sanitária da Covid-19, as principais medidas que vem sendo adotadas para seu enfrentamento e recomenda diretrizes para a organização dos serviços de saúde de AB nesta fase.  Ao tratar dos principais fundamentos da APS no Brasil, expressos na organização da ESF, aponta três eixos de atuação na pandemia, mostrando a relevância de sua interação. São eles:

(1) desenvolvimento de ações de vigilância em saúde para bloquear e reduzir o risco de expansão da pandemia, e cuidado aos casos leves,

(2) oferta de suporte a grupos mais frágeis e vulneráveis que necessitarão de atenção especial durante a pandemia, e

(3) continuidade das ações próprias da atenção primária na sua rotina de promoção da saúde, prevenção de agravos e provisão de cuidados

Em um segundo momento, a Rede se aproxima de experiências governamentais e institucionais de reorganização da APS e seleciona cinco casos de municípios de diferentes portes populacionais, grau de implantação e consolidação de estrutura de atenção nos moldes da ESF e de organização do Sistema Único municipal – Florianópolis (SC), Sobral (CE), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro/Complexo do Alemão (RJ) e Niterói (RJ) – para compreender como se deu sua atuação  inovadora para o cuidado e o controle do contágio.

A troca entre gestores, profissionais de saúde, lideranças comunitárias e pesquisadores do Comitê Gestor da Rede APS, em tempos de enfrentamento da pandemia, reúne alternativas de organização da atenção primária à saúde em âmbito municipal ou local e de organização comunitária que potencializa a análise das interfaces Estado e Sociedade, e coloca a atenção primária em um lugar estratégico e dialógico para novas formas de organização do cuidado. Com isto desmitifica relações sociais restritivas, aproxima atores e diversos segmentos sociais envolvidos.

As narrativas e informações de representantes responsáveis por essas iniciativas parcialmente divulgadas em boletins de notícias da Rede APS, vem a público reunidas neste segundo seminário sobre os desafios da APS em tempos de Covid-19 pelo desejo de compreender a natureza diversa dessas experiências, moldadas pelo contexto social, econômico e cultural de seus territórios, e suas potencialidades e contribuições à vida social. Nosso esforço é encontrar aspectos convergentes nas propostas de uma atualização do processo social e deixar um legado para novos tempos.

A sistematização dessas experiências constrói conhecimento que valoriza o SUS e a reorganização da APS cujos detalhes singulares podem ser exemplos concretos de possibilidades e alternativas a serem visitadas. Nenhuma experiência é em si absoluta ou representa uma nova totalidade, mas todas indicam dimensões a serem observadas e adaptadas à realidade da pandemia em cada local.

Sinteticamente podemos elencar sete lições aprendidas neste tempo de pandemia Covid-19:

1 – O SUS nacional importa muito, é um patrimônio da sociedade brasileira que se mostra capaz de responder a suas necessidades básicas mesmo com os constrangimentos de financiamento a partir do nível federal somados a falta de repasses solidários na crise;

2 – Todas as pessoas e vidas merecem ter um atendimento integral, efetivo e resolutivo a partir do território em que vivem e dependem de total requalificação da ESF e de suas equipes de profissionais restritas e ampliadas, articulando a rede de atenção em todos os níveis;

3 – As ações básicas de Vigilância em Saúde e APS ao serem intensificadas apoiam o enfrentamento da pandemia, com o correto monitoramento de sua evolução para apoio da tomada de decisão, do acompanhamento de casos confirmados e suspeitos e da continuidade do cuidado;

4 – A implementação da integração dos serviços a partir de uma regulação pública da rede de serviços de saúde é condição necessária para preservar a integralidade;

5 – Em uma crise, a coordenação da ação deve considerar a intersetorialidade para que seja garantido apoio à população em geral quanto à renda, trabalho, alimentação e o acolhimento adequado dos casos dos grupos vulneráveis;

6 – A introdução de inovações tecnológicas no atendimento, na comunicação social e popular, com universalização da conectividade de internet e uso de aplicativos para reduzir o contágio, favorecer o distanciamento social, estender a proteção social com uso de EPI pelos profissionais envolvidos e máscaras artesanais para toda a população é fato novo que veio para ficar, porque imprescindível para a qualidade da atenção;

7 – A necessidade de formulação de políticas sociais e econômicas mais abrangentes que atendam diversos segmentos afetados pela medida severa de isolamento e restrição de circulação e em consonância com novas formas de governança que incluam a gestão pública e os instrumentos coletivos de poder originários das comunidades e da sociedade civil em prol da redução das desigualdades e implementação de políticas públicas de igualdade.

Assim dois desafios se destacam – escutar a demanda de participação política e social na condução de políticas públicas nas grandes cidades e sua periferia que já se destaca pela intensidade com que evidencia a falta de coordenação central da política de saúde, diante da pandemia que se espalha das zonas nobres das cidades para a periferia e finalmente para o interior, suas áreas remotas e rurais, povoadas de minorias igualmente excluídas.

Pelo lado das instituições governamentais, o movimento setorial até aqui mostrou-se pouco solidário intra-município e intermunicípios, o que pode exigir mais esforços em avançar nas diretrizes do SUS quanto à regionalização, condição de dar à APS mais fortaleza na sua posição de coordenação do cuidado. Tal desvelamento não ignorado também traz o desafio de ampliar outros sentidos como a visão, a interlocução e formulação que implique um caminho possível para uma ação comportamental menos calcada na retórica e mais dialógica.

Espera-se então dos governos estaduais e municipais, que mantenham a luta pela responsabilização compartida do governo federal com apoio financeiro efetivo para fazer frente aos eventos e recursos a serem providos em face da gravidade da pandemia, e que, contudo, são insuficientes para preservar o direito à Saúde e à Vida de modo universal.

Na mesa de abertura Luiz Augusto Facchini destacou a importância do evento para debater os avanços e desafios da APS neste momento de subnotificação de casos e sonegação de informação. Gulnar Azevedo (Abrasco) salientou a importância do SUS, da APS e do trabalho em rede para o enfrentamento à pandemia e convidou para participar da Marcha Pela Vida. Lucia Souto (CEBES) chamou a atenção sobre a experiência de construção do SUS e do direito à saúde como construção sociopolítica e cultural da sociedade brasileira e chamou à ação contra as afrontas à democracia num ato de grande amor ao Brasil. Cristiane Pantaleão (Conasems) destacou a importância do evento para compartilhar experiências exitosas que possam ajudar outros gestores na reorganização da atenção à saúde neste momento de pandemia e apontou a necessidade de fortalecimento do SUS.

O painel iniciou com a Experiência de Belo Horizonte (MG) apresentada por Fabiano Guimarães, gerente de Atenção Básica da SMS-BH, que buscou integrar sua rede SUS para o enfrentamento à pandemia a APS. Destacou o importante papel da APS na identificação precoce e ação resolutiva nos casos leves, no encaminhamento rápido e adequado nos casos graves, no acompanhamento dos pacientes de grupos de risco, na coordenação do cuidado, no suporte familiar e comunitário, na divulgação de informações confiáveis baseadas na ciência e na valorização do SUS (Guimarães et al, 2020).

Na experiência de Sobral (CE) apresentada por Marcos Aguiar Ribeiro coordenador de Vigilância do Sistema de Saúde-SMS realçou a importância do fortalecimento do SUS e da APS territorializada com abordagem familiar e comunitária no município para o enfrentamento à Covid-19. Salientou o fortalecimento das ações de vigilância com perspectiva territorial, o cuidado articulado nos diferentes pontos da rede de atenção e a ressignificação e adaptação das ações de atenção à saúde ofertadas na APS (Ribeiro et al, 2020).

O teleatendimento e a continuidade dos cuidados de rotina desenvolvidos pelas equipes de saúde da família foi destaque na experiência de Florianópolis (SC) apresentada por Ronaldo Zonta coordenador do Departamento de Gestão da Clínica da SMS. Em Florianópolis, o enfrentamento à Covid-19 acelerou mudanças no processo de trabalho orientadas ao teleatendimento e à realização de teleconsultas, com a incorporação de tecnologias de comunicação como telefone, internet, WhatsApp e videochamada (Silveira & Zonta, 2020).

Na experiência da Clínica de Familia Zilda Arns no Complexo do Alemão (RJ)[i] apresentada por Humberto Sauro, médico de familia e comunidade preceptor do Programa de Residência em MFC da SMS, destacou-se a criação de um Painel de Monitoramento de Covid-19 local que é atualizado diariamente através de uma planilha de Google Forms e surgiu pela demanda da comunidade por dados confiáveis locais, nos quais se apoiar para fortalecer a adesão da população às medidas de isolamento social. Também chamou a atenção, a experiência de articulação com movimentos e associações comunitárias como o Coletivo Papo Reto, o jornal Voz da Comunidade e o Coletivo Mulheres em Ação pelo Alemão. Essa articulação tem permitido estabelecer estratégias comunitárias para combater as fake News, divulgar informações de qualidade e apoiar a distribuição de cestas básicas, dentre outras.

A ação articulada entre APS e políticas sociais para o enfrentamento à Covid-19 foi destaque na experiência de Niterói (RJ) apresentada por Aluisio Gomes da Silva Junior, diretor do Instituto de Saúde Coletiva –UFF. Em Niterói, foi estabelecido um Comitê de Crise pela prefeitura municipal em articulação com as universidades que atuam no município (UFF, Fiocruz e UFRJ): intensificaram-se as ações de vigilância epidemiológica, realizou-se mapeamento das populações em vulnerabilidade, foram distribuídos kits de limpeza e máscaras de pano (encomendadas aos artesãos do município), houve contratação emergencial de profissionais da saúde para reforçar as equipes de saúde, organizou-se o laboratório de referência, foram reorganizados os fluxos nas unidades, foi estabelecido um complemento de renda municipal para os beneficiários do Bolsa Familia e para pessoas em informalidade, estabeleceu-se o pagamento de folha de pequenas empresas com recursos municipais, por três meses com o compromisso de não demissão por 6 meses, dentre outras ações (Junior et al, 2020). Além dessas importantes ações, também foram apontados alguns desafios como a dificuldade para receber recursos federais, a grave situação dos municípios vizinhos e a grande pressão de empresários e moradores para o relaxamento das medidas de isolamento social.

A apresentação de Cristiane Pantaleão, vice-presidenta do Conasems destacou a importância da APS como ponto central da rede de atenção à saúde. Salientou que o Conasems e o Conass estão atentos, escutando os municípios que precisam de ajuda neste momento e têm publicado guias para orientar o trabalho na APS, não somente para a atenção e acompanhamento dos casos de Covid-19, como também para a continuidade das ações rotineiras da APS com foco nos mais vulneráveis, com ações nos territórios e levando à prática as diretrizes da APS. Além disso, salientou a necessidade de continuar divulgando experiências exitosas de organização do SUS municipal, convidou os assistentes a gravar vídeos de um minuto e marcar @conasemsoficial e @paginaconasems para divulgar as experiências.

Os assistentes ao seminário participaram e enviaram suas perguntas através do chat de Youtube fortalecendo o debate. Para terminar o painel, a pesquisadora Maria Helena Magalhães de Mendonça, membro do comitê gestor da Rede APS sintetizou aprendizados possíveis das experiências de reorganização da APS no contexto da pandemia. Destacou as ações desenvolvidas na Rede APS para contribuir no enfrentamento da Covid-19, na reflexão e divulgação de informações de qualidade e relevância, orientadas para profissionais da saúde que atuam nos serviços, gestores, pesquisadores e movimentos sociais em suas iniciativas (Mendonça et al, 2020).

No final da reunião convidou-se novamente aos participantes a se juntarem na Marcha Pela Vida. Aylene Bousquat membro do Comitê Gestor da Rede APS da Abrasco salientou que marchar pela vida é também marchar pelo SUS, o que implica reconhecer as dificuldades, fortalezas e experiências criativas que estão sendo feitas nos diversos municípios e equipes do país. Convidou todos os profissionais de AB a responder a pesquisa Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS, realizada por iniciativa da Rede APS da Abrasco com o apoio da OPAS e coordenada por professores da USP, Fiocruz, UFBA e UFPEL pelo link  https://apscovidsus.pro.br/ . A pesquisa está orientada para os profissionais de saúde que atuam em serviços de Atenção Básica/ Atenção Primária à Saúde (AB/APS) e gestores municipais, distritais e coordenadores de AB e tem por objetivo identificar os principais problemas e as estratégias de reorganização da AB utilizadas no enfrentamento da Covid-19 nos municípios brasileiros.

Durante o seminário foi também lançado um número especial da APS em Revista – Relatos de experiências locais da APS no Enfrentamento da COVID-19, que traz um mosaico de experiência locais que demonstram que ainda em um panorama de grandes , o SUS, a APS e o compromisso dos gestores, profissionais de saúde e pesquisadores permitem fazer frente à Covid-19. A revista traz relatos de Belo  Horizonte (MG), Canaã dos Carajás (PA), Florianópolis (SC),  Ilhéus  e  Itabuna  (BA),  Londrina  (PR), Nova Lima (MG), Niterói (RJ), Petrolina (PE), Recife (PE), Rio Branco (AC),  Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Sobral (CE) e Vitória (ES).

Boletim elaborado por Diana Carolina Ruiz, Valentina Martufi e Maria Helena Magalhães de Mendonça  

Referências

Guimarães, F., Carvalho, T., Bernardes, R., & Pinto, J. (2020). A organização da atenção Primária à Saúde de Belo Horizonte no enfrentamento da Pandemia Covid 19: relato de experiência. APS EM REVISTA, 2(2), 74-82. https://doi.org/10.14295/aps.v2i2.128

Junior, A., Latgé, P., de Oliveira, R., Franco, C., & Vasconcelos, M. (2020). A experiência de Niterói no enfrentamento da COVID 19: notas preliminares sobre a articulação de políticas sociais e de saúde. APS EM REVISTA, 2(2), 128-136. https://doi.org/10.14295/aps.v2i2.126

Mendonça, M. H., Silva Junior, A., Cunha, C. L., & Latgé, P. (2020). A pandemia COVID-19 no Brasil: ecos e reflexos nas comunidades periféricas. APS EM REVISTA, 2(2), 162-168. https://doi.org/10.14295/aps.v2i2.124

Ribeiro, M., Júnior, D. G. A., Cavalcante, A. S. P., Martins, A., de Sousa, L., Carvalho, R., & Cunha, I. C. K. O. (2020). (RE)Organização da Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da COVID-19: Experiência de Sobral-CE. APS EM REVISTA, 2(2), 177-188. https://doi.org/10.14295/aps.v2i2.12

Silveira, J. P., & Zonta, R. (2020). Experiência de reorganização da APS para o enfrentamento da COVID-19 em Florianópolis. APS EM REVISTA, 2(2), 91-96. https://doi.org/10.14295/aps.v2i2.122

 

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