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APS no enfrentamento da Covid-19: no território ou no consultório?

A pesquisa “Desafios da Atenção Básica no enfrentamento à pandemia de Covid-19 no SUS” consistiu em estudo transversal no formato de inquérito, com uma amostra aleatória de 945 UBS brasileiras, com representatividade em nível nacional e para cada uma das cinco regiões brasileiras. As Informações foram coletadas entre 15 de julho e 12 de novembro de 2021 em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de todo o país. Os principais resultados foram apresentados em seminário que chamou a atenção para a necessidade de atuação das equipes de APS no território em na UBS, na abordagem individual e na abordagem coletiva. O seminário está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=aQTb-Indgpc&list=RDCMUCZsVg7kvQGv7-fuoGsWKyuw&start_radio=1.

A pesquisa desvela reflexos diretos da pandemia, com aumento da demanda de trabalho em 86% das UBS do país (em 56% houve grande aumento e em 30% houve aumento da demanda de trabalho). A quase totalidade das equipes (87,5%) informou estar sobrecarregada (48%) ou muito sobrecarregada (39%). No entanto, os profissionais tinham acesso a apoio psicológico em somente 47% das UBS. É importante lembrar que o aumento da sobrecarga laboral já ocorria antes do advento da pandemia, desde a PNAB 2017, com diminuição do número de ACS, abandono dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF) e redução de financiamento para  Estratégia Saúde da Família.

Os resultados ressaltam o importante papel que a Atenção Primária à Saúde (APS) brasileira vem desenvolvendo, principalmente as equipes da Estratégia Saúde da Família, a despeito das dificuldades do cenário pandêmico e da ausência de coordenação nacional.

No seminário, os debatedores ressaltaram a importância destes resultados para a orientação de estratégias para o enfrentamento das novas demandas e o fortalecimento da orientação comunitária, da vigilância à saúde e territorialização.

“Precisamos vencer os desafios que estão colocados na APS superando as desigualdades regionais, a desarticulação da coordenação nacional e o desmonte de um componente estratégico e fundamental que ocorreu na AB durante esses últimos anos que foi muito sentido durante a pandemia. Eu me refiro ao desmonte da organização e estruturação dos NASF que com o novo modelo de financiamento da atenção básica os recursos destinados à indução de organização dos NASF foram incorporando para  financiamento das equipes mínimas. Equipes multiprofissionais que seriam muito importantes no enfrentamento da pandemia.”

Nésio Fernandes (CONASS)

 

“O ACS quando está no território cumpre melhor toda a perspectiva de trabalho que está posta para a Estratégia de Saúde da Família e para o trabalhador. O cumprir melhor significa dialogar com mais capacidade com essas dimensões que a pesquisa abordou (o cuidado, a vigilância, o monitoramento, o apoio social). O ACS exerce um cuidado no seu nível, com acompanhamento de pacientes, promoção a adesão de cuidados, atenção ao aparecimento de sintomas, leva as informações das equipes; tem papel importantíssimo na vigilância. Pensar vigilância em saúde no nosso país e nas nossas condições sanitárias é pensar em estar no território. […] Retirar o ACS do território é desarticular a possibilidade de considerar a determinação social do processo saúde-doença como uma diretriz.”

Angélica Fonseca (EPSJV/Fiocruz)

 

“A pesquisa da Rede APS com ondas no ano de 2020 e 2021 retrata o papel da APS e traz questões muito importantes, principalmente a riqueza dos dados nacionais de um país que possui dimensões continentais e extremamente desigual. O estudo revela a capacidade de resiliência e de resistência da APS não só a esse governo federal, mas resistir desde 2016 o processo de desconstrução de políticas.”                                                                                  Adriano Massuda (FGV-USP)

 

Principais resultados da pesquisa

Acesso a internet e computadores: O acesso à internet tem marcadas diferenças regionais, com piores condições na Região Norte, na qual apenas 58% das UBS referem possuir internet com qualidade adequada para as suas atividades, frente à média nacional de 76%. Apenas metade das UBS tem telefone fixo e somente 28% dispõem de celular. Os profissionais usam celular privado frequentemente para atividades de trabalho em 63% das UBS. A disponibilidade de computador com câmera e microfone e com conexão de internet, item essencial para a realização de consultas e acompanhamentos online, foi reportado por 27,5% das UBS 

Vigilância em Saúde: Neste estudo, sete das dez ações de Vigilância em Saúde (VS) investigadas apresentaram diferenças significativas entre as regiões do país. Ainda assim, em todo o país, as atividades de Vigilância em Saúde sob governabilidade das equipes das UBS mostraram um desempenho bom (busca ativa e acompanhamento de quarentena: 82%) e até mesmo ótimo (incentivo ao isolamento; monitoramento de casos e atividades educacionais: 87% ou mais das UBS realizam). As atividades que dependiam da gestão (testes, sistemas de informação) tiveram piores resultados.

Organização do trabalho e fluxos Covid: Diante da severidade da pandemia, 30% das UBS atendiam a casos graves, com porcentagens mais elevadas na região Sul (48%) e menores no Nordeste (20%). Para o cuidado dos usuários houve a introdução de diversas e novas modalidades de acompanhamentos de usuário. A maioria das UBS utilizou principalmente telefonemas (85%), exceto no Norte, onde as visitas domiciliares foram a modalidade mais frequente de acompanhamento (77%). Chama a atenção a menor proporção de visitas domiciliares no Sul (59%) e Centro-Oeste (58%). A região Nordeste destaca-se pelo uso de videochamadas (27%), superior à média nacional.

Continuidade do cuidado: Embora as UBS tenham mantido ações para continuidade do cuidado, houve diminuição da oferta de consultas para usuários portadores de doenças crônicas em 60% das UBS no país, sem diferenças significativas entre regiões. Tal redução teve impacto negativo, prejudicando o cuidado em cerca de um terço das UBS no país (34%).

Apoio Social: As atividades de apoio social no território da UBS foram a dimensão com o menor desenvolvimento no enfrentamento da pandemia. Não obstante, em 30% das UBS, foram empreendidas iniciativas de articulação com movimentos sociais e em 42%, houve articulação com outra organização ou instituição. 

Dificuldades no enfrentamento da Covid-19

Os resultados indicam a necessidade de grandes investimentos no SUS e na APS, em especial para o atendimento de pessoas com  Covid longa e dar conta do acúmulo das condições crônicas nos últimos dois anos. Para o controle da pandemia, é imprescindível ativar ainda mais os atributos comunitários das equipes; ampliar a associação às iniciativas solidárias das organizações comunitárias e articular-se intersetorialmente para apoiar a população em suas diversas situações de vulnerabilidade. É necessário também garantir a continuidade das ações de promoção, prevenção e cuidado, criando novos processos de trabalho para a vigilância em saúde e para a continuidade da atenção para quem dela precisa.

Disparidades regionais

Internet, disponibilidade de testes e EPI são bastante diferentes entre as regiões. A região Sul em geral apresentou melhores resultados na disponibilidade de equipamentos, principalmente em relação às regiões Norte e Nordeste.

Em outra direção, as UBS do Nordeste foram o destaque positivo da pesquisa na temática da Vigilância em Saúde com maior presença em ações no território e participação dos ACS.

 

A pesquisa foi coordenada por Aylene Bousquat (USP), Ligia Giovanella (Fiocruz) , Luiz Augusto Facchini (UFPel), Maria Helena Magalhães de Mendonça (Fiocruz), Geraldo Cury (UFMG), Fúlvio Nedel (UFSC). Teve o apoio financeiro da OPAS e Umane.

O relatório completo pode ser consultado clicando aqui (ou pelo link: https://redeaps.org.br/wp-content/uploads/2022/08/Rede-APS.-Relatorio-Pesquisa-Desafios-da-Atencao-Basica-no-enfrentamento-da-pandemia-Covid-19-2021-1.pdf) .

Rede APS