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Ágora Abrasco 04.08.2020 – Colóquio: Como a APS está enfrentando a pandemia de Covid-19 no Brasil

Disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=ICJhe3SIHiI

Abertura: Gulnar Azevedo e Silva – Presidente da Abrasco

Apresentação dos resultados da pesquisa “Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS”: Aylene Bousquat, FSP/USP

Debatedores: Maria José Evangelista (Assessora técnica do Conass, representante do Conass na Rede APS), Cristiane Pantaleão (Vice-presidente do Conasems) e Mónica Padilla (Coordenadora da Unidade Técnica de Capacidades Humanas para Saúde e da Divisão de Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS representação Brasil)

Comentários: Luiz Augusto Facchini (UFPel), Luis Eugênio de Souza (ISC/UFBA), Ana Luiza Viana (FMUSP), Oswaldo Tanaka (FSP/USP), Gonzalo Vecina (FSP/USP)

Coordenação: Lígia Giovanella, ENSP/Fiocruz e Rede de Pesquisa em APS

Relatoria: Diana Ruiz e Valentina Martufi – Doutorandas (ISC/UFBA) e colaboradoras de Rede APS

Ligia Giovanella abriu indicando que serão apresentados e debatidos os resultados preliminares da pesquisa “Desafios da Atenção Básica no enfrentamento à pandemia de Covid-19 no Sistema Único de Saúde” realizada no mês de junho através de um inquérito online com profissionais e gestores da Atenção Básica de 1.000 municípios brasileiros. Foi uma pesquisa realizada por iniciativa da Rede de Pesquisa em Atenção Primária da Abrasco, com coordenação da USP, Fiocruz, UFPEL, UFBA, e apoio de Renato Tasca da OPAS Brasil, sem financiamento algum, somente com os recursos de taxas de bancada e bolsas de produtividade do CNPQ de alguns dos pesquisadores participantes.

Gulnar Azevedo e Silva – Presidenta da Abrasco – realizou a abertura do evento agradecendo a participação de todos e lembrando que alguns pesquisadores que estão neste evento estiveram em Brasília na Câmara Federal numa audiência pública falando do Plano de Enfrentamento à Covid-19, onde destacou-se a importância da APS e especificamente da aliança entre APS e vigilância. Além disso, apontou que já se observa que nos locais onde a APS está mais estruturada os resultados no enfrentamento à Covid-19 são melhores.

Aylene Bousquat apresentou a pesquisa:

Pesquisadores participantes

Aylene Bousquat, Ligia Giovanella, Maria Guadalupe Medina, Maria Helena Magalhães Mendonça, Luiz Augusto Facchini, Renato Tasca, Fúlvio Nedel, Juliana Lima, Paulo Henrique Mota e Rosana Aquino.

Introdução

A situação atual causada pela Covid-19 é um desafio sem precedentes e cobra respostas rápidas em diversos setores. Em muitos países o foco da resposta sanitária esteve na atenção hospitalar, nos pacientes graves, nas UTI, nos respiradores. Isso é fundamental, mas o enfrentamento de uma pandemia como a causada pelo Covid-19 não pode se ater somente nessa dimensão. Todos os níveis do sistema de saúde devem atuar de maneira articulada para reduzir o sofrimento e as mortes na população, especialmente nos segmentos mais vulneráveis e sem dúvida, a APS tem um papel fundamental nesse processo.

No Brasil enfrentar a pandemia é um processo mais complexo do que em outros locais devido à crise, sanitária, política e econômica atual.  Mesmo dentro desta crise evidencia-se uma resposta cotidiana e criativa do SUS, apesar das muitas dificuldades advindas também do desfinanciamento crônico.

O objetivo da pesquisa foi identificar os principais constrangimentos e as estratégias de reorganização da APS utilizadas no enfrentamento da Covid-19 nos municípios brasileiros, com o intuito de que os resultados ajudem a orientar novas políticas e novas ações de enfrentamento à pandemia.

Metodologia

O estudo foi elaborado a partir de quatro eixos propostos para a atuação da APS no enfrentamento à pandemia: vigilância em saúde para bloquear e reduzir o risco de expansão da pandemia; cuidado aos usuários com Covid-19; continuidade do cuidado ofertado pela APS (cuidado individual e coletiva, promoção da saúde e prevenção da doença); apoio social especialmente para as populações mais vulneráveis.

Trata-se de um estudo transversal, realizado através de um web survey com tópicos organizadas nos quatro eixos de atuação da APS propostos, além de questões sobre infraestrutura, EPI e equipamentos. O inquérito foi realizado no período de 25 de maio a 30 de junho de 2020, o público alvo foram profissionais dos serviços de APS e gestores das secretarias municipais de saúde brasileiras. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP. A pesquisa foi realizada em tempo curto para que os resultados consigam subsidiar políticas públicas que contribuam a diminuir o sofrimento e  morte no país pela Covid-19.

Para acessar aos possíveis respondentes foram enviados e-mails a 5.500 secretarias municipais de saúde brasileira, a pesquisa foi divulgada em sites e redes sociais de Associações Científica ligadas à Saúde Pública e á APS, associações profissionais, universidades, organizações multilaterais (OPAS) e também com o apoio do Conass e Conasems.

 

 

 

 

 

 

 

Resultados

Foram recebidas respostas de 1.000 municípios de todos os estados (18% do total de municípios do Brasil o que corresponde a 58% da população brasileira) mais o distrito federal.

Os respondentes se distribuíam em  diversas categorias profissionais, com destaque  para enfermeiros e médicos. 83,2% dos respondentes atuavam na ESF, 89% em unidades urbanas, com uma mediana de 2 ESF por UBS.

 

 

 

 

Infraestrutura

Pode-se observar na figura os resultados sobre disponibilidade de internet. Salienta-se que esses resultados são piores nas regiões norte e nordeste.

No tocante à disponibilidade de celulares da UBS (não celulares pessoais), unicamente 28% dos profissionais indicaram ter celular, com percentagens superiores na região sul. 72% dos profissionais estão usando seu próprio celular e possivelmente sua própria internet para oferecer o cuidado aos usuários. Esse é um achado muito relevante que precisa ser revertido.

Proteção à Saúde dos profissionais e insumos para o combate à Covid-19: EPI

No momento em que foi realizado a websurvey observou-se que não se tinha a garantia de EPI disponível em 100% das situações, com percentagens piores nas regiões norte e nordeste e melhores na região sul. Os gestores informaram que tiveram dificuldades para a compra dos EPI. Esses resultados são similares aos apontados por outros estudos e é uma questão que precisa ser resolvida.

 

 

 

 

 

 

Capacitação

41,1% dos profissionais indicaram ter realizado capacitação sobre EPI e 54,2% sobre Covid-19. Isso é uma questão muito importante, porque todo o processo de uso adequados dos EPI e elementos adequados a cada atividade precisa ser discutida com a equipe.

 

 

 

 

 

 

No que diz respeito aos insumos, preocupa a falta ou insuficiência de oxímetros, probas de RT-PCR, termômetro infravermelho e  oxigênio.

Organização do trabalho da UBS para o enfrentamento da epidemia

80,2% dos gestores indicaram que existia separação de fluxos para sintomáticos respiratórios na maioria das UBS do município e 89,5% dos profissionais apontaram essa separação na própria UBS onde atuam. 77,0% dos profissionais responderam que organizaram espaços exclusivos para atendimento dos sintomáticos respiratórios seja dentro ou fora das UBS. Destaca-se que essa separação de fluxos não é algo simples, principalmente em unidades muito pequenas, mas, sem dúvida, houve muita criatividade para realizar essa separação ainda nesses casos.

A ação mais desenvolvida pelos profissionais da APS foi o incentivo ao isolamento social nos territórios das UBS: 92% dos profissionais apontaram desenvolver essa atividade e 91,6% dos gestores responderam que essa ação era desenvolvida na maioria das UBS. As ações menos desenvolvidas foram as atividades educativas em equipamentos sociais no território (33,8% dos profissionais e 51,4% dos gestores na maioria das UBS). Destaca-se que essas percentagens foram maiores nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A identificação de grupos com maior vulnerabilidade social foi apontada por 60% dos profissionais e por 79,4% dos gestores para a maioria da UBS.

A realização de ações de vigilância ou apoio a essas ações em lares para idosos, orfanatos e abrigos para deficientes no território foi apontado unicamente por 35% dos profissionais. Essa é uma atividade que precisa ser desenvolvida em todas instituições de longa permanência, levando em conta que em outros países houve uma alta mortalidade nesse tipo de instituições.

Ações desenvolvidas pelos profissionais da UBS para manejo dos casos e controle da Covid-19 encontraram-se resultados bons segundo as respostas dos profissionais no que se refere a notificação dos casos, identificação dos contatos e acompanhamento da quarentena dos contatos. No entanto a articulação entre a vigilância dos municípios, dos estados e das UBS ainda não é 100%, somente 71,3% dos profissionais responderam que a UBS é informada sobre casos suspeitos e confirmados da sua área de abrangência, como se observa na figura.

 

 

 

 

 

 

Também foi identificado que as UBS acompanham os casos com periodicidades diferentes, e através de distintas ferramentas (visita peridomiciliar, visita domiciliar, teleconsulta, whatsapp, telefonema). No entanto no Brasil como um todo 10% informaram que não realizam esse acompanhamento e esse valor é pior na região norte (16% dos profissionais referem não fazer esse acompanhamento).

 

 

 

 

 

Sobre a atuação dos ACS, destaca-se que 11,4% tiveram suas atividades suspensas e 47,3% saíram dos territórios ficando prioritariamente nas UBS, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Essa é uma questão que precisa ser reavaliada porque com os equipamentos de proteção e protocolos definidos, estes profissionais podem contribuir de maneira muito importante para evitar a propagação da epidemia.

Sobre o encaminhamento dos pacientes moderados ou graves, 90% dos profissionais indicaram saber qual era o serviço de referência ao qual deveriam encaminhar os pacientes, 69,3% no próprio município. Dos profissionais que precisaram fazer encaminhamento de pacientes 88,9% conseguiu faze-lo. O principal fluxo de encaminhamento era para hospitais (64,1%) e depois para UPA (31,5%), em 30% dos casos o transporte teve que ser feito pela família.

Organização do trabalho na UBS para a continuidade do cuidado dos usuários

Em outras epidemias observou-se excesso de mortes por outras causas que deixaram de ser atendidas, por tanto é muito importante continuar o cuidado dos usuários que continuam precisando atenção, grávidas, hipertensos, diabéticos, etc. quem também estão no grupo risco para Covid-19.

 Nesta pesquisa encontrou-se uma redução nas atividades de rotina da UBS (segundo os gestores 49,6% e segundo os profissionais 53%). As atividades que mais foram mantidas segundo os profissionais foram o pré-natal (58,2%) e a vacinação (60,1%), o atendimento a hipertensos e diabéticos foi principalmente adaptado (73,6%) e a visita domiciliar pelo ACS também foi adaptada (64,8%), ainda que em alguns casos foi suspensa (27,2%). Essa questão precisa ser repensada, para implementar novas maneiras de garantir a continuidade do cuidado.  

Algumas tecnologias que têm sido usadas para garantir a continuidade do cuidado segundo os profissionais são: listas de usuários (83,4%), chamada telefónica (50,8%), WhatsApp (42,8%), prazo de dispensação das receitas ampliado (83,3) e entrega de medicamentos no domicilio (32,6%). 

No que diz respeito ao processo de trabalho dos ACS foram inseridas novas atividades, na pesquisa encontrou-se que uma boa quantidade de ACS ficou na recepção de sintomáticos respiratórios. Esse é um achado interessante porque se os ACS ficam nessa atividade podem ter mais dificuldades para continuar realizando as ações comunitárias, de continuidade do cuidado e vigilância.

 

 

 

 

 

 

Ações de apoio social no enfrentamento da Covid-19

Apesar da importância das ações de apoio social para oferecer suporte às restrições econômicas e sociais e garantir o isolamento social, na pesquisa encontrou-se que segundo os profissionais em muitos casos essas atividades não eram desenvolvidas ou eram desenvolvidas sem o apoio da UBS.

 

 

 

 

 

 

Considerações finais

Alguns dos principais constrangimentos apontados na pesquisa e que precisam ser superados para que a APS cumpra sua função são: em relação à estrutura, ampliação da internet com qualidade, disponibilidade de celular, oxímetro termômetro infravermelho, oxigênio, acesso a RT-PCR e EPI; em relação com os profissionais, atividades de educação permanente (em relação com Covid-19, uso de EPI, formas de atenção remota e ação no territórios, articulação vigilância-APS) e destaque para o importante trabalho dos ACS para o enfrentamento da pandemia.

Alguns aspectos positivos encontrados na pesquisa foram a potencialidade do trabalho dos ACS, mudança de rotina de trabalho num tempo muito curto e com boas respostas, e incorporação de usuários com quadros clínicos mais complexos.

Também apontaram-se como desafios: garantir a continuidade do cuidado com segurança , ampliar as ações de vigilância em saúde e as ações de apoio social.

Para finalizar, a pesquisadora destacou, lembrando a Boaventura Santos (2020), que qualquer quarentena é mais difícil para determinados grupos sociais, e a APS com sua capilaridade tem a potencialidade de chegar nessas comunidades, nesses usuários e fazer esse processo menos dramático.

Ligia Giovanella destacou que a os resultados da pesquisa mostram a grande potencialidade da APS, das equipes da Estrategia de Saúde da Familia, o muito que está sendo feito, e ao mesmo tempo também explicitam as dificuldades e o muito que temos que avançar.

Debate

A debatedora Maria José Evangelista parabenizou os pesquisadores e pesquisadoras por essa importante iniciativa muito necessária neste momento de fakenews e muita incertezas. Também, apontou ou aspectos do contexto brasileiro que têm dificultado ainda mais o enfrentamento a pandemia, a crise social econômica e política, a mudança dos ministros da saúde que causou uma ausência de liderança, planejamento e ações coordenadas. Alem disso, destacou a ação articulada do Conass e do Conasems que estão trabalhando na implantação de um Guia para o Enfrentamento à Pandemia que contempla todas as questões apontadas na pesquisa. Salientou que no começo o foco do cuidado para o enfrentamento à pandemia esteve nas unidades hospitalares, houve uma discontinuidade no cuidado rotineiro dos usuários, não existia EPI para todos os profissionais nem na atenção hospitalar e muito menos na APS, existiam muitas problemáticas de conectividade nas UBS. No entanto, no processo de implementação do Guia nestes últimos dois meses, tem se avançado em algumas dessas questões: foi realizada uma parceria com o Banco Itaú e dessa maneira conseguiu-se oxímetros para as equipes de APS no Brasil, e para garantir que esse equipamento ficasse nas UBS também estão sendo distribuídos oxímetros para UPAS, consultórios na rua e outros estabelecimentos de saúde nos municípios; realização de atividades de educação permanente e capacitação online; capacitações para as pessoas que trabalham nas ILPI e realização de RT-PCR cada 15 dias. Por outro lado, alguns desafios continuam presentes, como a falta de provas RT-PCR; a integração com a atenção especializada; a atenção às gestantes, questão muito preocupante porque já se observa aumento na mortalidade materna; vigilância e cuidado nas ILPI de maneira articulada com a APS; ausência de comunicação em massa de informações relevantes para o cuidado e proteção neste momento, precisa-se uma campanha de comunicação muito forte para orientar a população. Para finalizar, sugere repetir a pesquisa em dois ou três meses porque algumas coisas já têm sido modificadas o estão em processo de melhora.

Ligia Giovanella destacou que as universidades, associações científicas, a Abrasco, Conass e Conasems podem contribuir muito nesse processo de capacitação tão necessário para as equipes de APS com ênfase na vigilância em saúde, utilização de EPI e atividades de comunicações em massa.

Cristiane Pantaleão agradeceu a Rede APS pelo trabalho, discussões qualificadas e apoio nas discussões do CONASEMS. Parabenizou a pesquisa, que enriquece os esforços do Projeto Rede Colaborativa do CONASEMS, que, com mais de 170 apoiadores em todo o pais, permite identificar os problemas enfrentados pelos gestores municipais em todas as regiões do pais.

O CONASEMS vem buscando discutir com o Ministério da Saúde para abordar questões como a dos EPI – que melhorou bastante do início da pandemia até agora, a dificuldade de compra é bem menor, e os preços diminuíram também. Porém, há muitas diferenças entre as regiões, e Pantaleão reconhece que a pesquisa vai auxiliar os esforços do Ministério de Saúde para identificar quais locais estão mais precisando de EPI.

Em relação à situação atual, comunicou que ainda estão terminando de receber o recurso publicado na Portaria Nº 1.666, de 1º de Julho de 2020, e acreditam que vai ajudar na aquisição dos insumos identificados como faltantes na pesquisa. Receberam os oxímetros, e estão também recebendo os kits de RT-PCR, tentando identificar com antecedência os locais que mais precisam, para priorizá-los.

Pantaleão relatou que a questão dos ACS foi complicada desde o começo, inclusive porque a população não queria receber visitas, e que estão em discussões para redefinir o papel desses profissionais, que será publicado no Guia mencionado anteriormente. Destacou que há necessidade de estudar os impactos da pandemia nos indicadores de saúde da população, para ver qual foi o impacto das medidas tomadas nos diferentes locais.

Por outro lado, expressou satisfação com a atuação das equipes de APS, que reduziram e adaptaram os serviços, mas continuaram trabalhando apesar das dificuldades. Além disso, reforçou o orgulho de trabalhar em um sistema de saúde que depois de menos de 5 meses de pandemia já consegue apresentar experiências exitosas – como as mais de 400 coletadas pelo Congresso do Conasems.

Em relação a documentos e atividades de capacitação, ressaltou que para os gestores municipais o melhor é ter um guia único, em vez do que notas separadas para aspectos diferentes, como aconteceu no começo. Tiveram capacitações em parceria com a UNASUS, mas fazer chegar até os profissionais foi mais complicado, adaptar as equipes de saúde à formação online tem sido um desafio. Felizmente, conseguiram uma parceria, através do Sírio Libanês, para que o Zoom libere 40 mil licenças para as equipes para fazer consultas interdisciplinares, assegurando a proteção das informações, qualificar o atendimento, e poder fazer capacitações simultâneas com todas as equipes. Atualmente, antes de ter a parceria estabelecida, já estão fazendo mais de 1800 oficinas sobre o uso do Guia.

Ligia Giovanella concordou em ressaltar a importância de redefinir e potencializar o papel dos ACS, apontando para os preocupantes resultados da pesquisa que indicam que grande parte dos ACS foram colocados na recepção dos sintomáticos respiratórios nas UBS, perdendo a fundamental ação comunitária que deveria guiar a atuação destes profissionais. Realçou, adicionalmente, a importância de prover as equipes com os equipamentos necessários para os atendimentos remotos, telemonitoramento e busca ativa, em particular celulares e internet.

Mónica Padillla analisou como pode se caracterizar este momento. Inicialmente, a magnitude e velocidade da pandemia tem posto à prova a capacidade de resposta dos sistemas de saúde, e em particular os profissionais de saúde têm se destacado em termos de importância de atuação. Porém, uma apropriada liderança política representa também um fator protetor. Outros elementos que caracterizam este momento foram os as Fake News, e a polarização da população, representando fatores de risco. Adicionalmente, a crise econômica que acompanhou a sanitária obrigou os estados a elaborar medidas concretas para apoiar a população mais pobre, para evitar a quebra total da organização social. Outro elemento chave deste momento é a necessidade de conhecimento cientifico, para saber como responder à Covid-19. Portanto, concorda com a necessidade de repetir a pesquisa depois de uns meses, por causa da constante mudança na situação.

Levantou então a pergunta  relacionada à pesquisa apresentada: O sistema estava preparado para isso? A pandemia mostrou claramente que o desfinanciamento do sistema de saúde deixou o sistema frágil para responder: a pesquisa evidencia a falta de investimento e nos leva a pensar em como mudar isso. Outra questão ressaltada é a fragmentação do sistema dos serviços, que impediu uma resposta organizada e coordenada entre todos os níveis do sistema de saúde. Apontou também para a concentração da força de trabalho nos nichos de mercado, nas zonas urbanas, e a rigidez entre as profissões que não deixa reorganizar o processo de trabalho suficientemente rapidamente.

Por outro lado, a pandemia demandou que todos os tetos fiscais sejam quebrados, nos diferentes países, apresentando necessidades absolutas, como, por exemplo, a contratação de profissionais adicionais. De fato, analisando a situação de todos os países, a flexibilização da mobilidade de profissionais de saúde tem sido crucial para reforçar os sistemas de saúde. O Brasil apresenta um exemplo muito importante com a movimentação para a incorporação de estudantes de medicina nos serviços. Propõe então estudar quais medidas puderam se tomar durante a pandemia que não poderiam ter se tomado anteriormente.  

Outro fator de risco imbricado nas complexidades do sistema de saúde se relaciona às condições de trabalho dos trabalhadores da saúde: estes profissionais tem sido focos de contágio em todos os países, portanto o multiemprego representa um fator de risco muito alto. Portanto, todas as iniciativas para proteger aos profissionais e suas famílias têm sido fundamentais (p.ex. a provisão de locais para se isolar da família).

Ressaltou então os quatro eixos utilizados na pesquisa: cuidados para Covid-19, continuidade dos serviços da APS, vigilância e apoio social. Apontou como a continuidade na provisão de serviços de APS depende de uma ação coordenada e integrada do sistema, e, portanto, requer uma reestruturação desde o nível da gestão. A vigilância tem permitido à APS tomar um papel mais central no monitoramento, com maior resolutividade, por estar perto da população. Enquanto ao apoio social, nos traz de volta para uma reflexão sobre os determinantes sociais da saúde, e a importância da ação intersetorial. Para os cuidados para Covid-19, realça o papel das equipes de APS, e os ACS em particular.

Expressou o interesse de reforçar a iniciativa da APS Forte, para identificar e valorizar experiências de êxito na resposta à pandemia.

Ligia Giovanella trouxe uma preocupação com a inicial demora na utilização dos repasses financeiros para enfrentar a Covid-19, sendo que até 30 de junho somente tinha sido gasto um terço do financiamento. Preocupa, também, o subsequente aceleramento na utilização dos repasses, tendo gasto os dois terços faltantes no mês de julho, executados a partir de demandas clientelistas dos parlamentares associados às eleições municipais.

Luiz Augusto Facchini apontou que a pesquisa apresenta um retrato das carências e potencialidades da APS. Desde a formação da Rede APS em 2010 houve um fortalecimento das discussões sobre APS no Brasil, conseguindo dar uma resposta às e lacunas no conhecimento, identificando temas de interesse para preparar estudos como este, de forma rápida e eficiente.

A pandemia agravou exponencialmente as crises econômica, social, política e sanitária decorrente do modelo neoliberal atualmente adotado pelo pais. Neste momento, conforme os registros oficiais, o país apresenta mais de dois milhões e 700 mil casos e mais de 95 mil óbitos decorrentes da Covid-19. Há mais de um mês morrem mais de mil pessoas por dia do novo Coronavírus, o que torna a doença a primeira causa de morte diária no país. Esse cenário requer uma coordenação nacional e abordagem sistêmica muito diferente do que está sendo protagonizado pelo governo federal, mas também alguns estados e municípios. Para evitar o desperdício dos escassos recursos disponíveis uma forte ação da APS como prioridade é fundamental. Investimentos prioritariamente em testagem com RT-PCR, em vigilância de contatos de pessoas com testes positivos ou com sintomas respiratórios. Esta ação somente será efetiva se APS for articulada com as demais iniciativas e se houver investimento na infraestrutura dos serviços, principalmente: na universalização do acesso à internet de computadores, nos equipamentos de proteção dos trabalhadores de saúde, em testes e insumos para o manejo clínico de doentes e acompanhamento da população em seus domicílios. A todos esses investimentos é preciso somar iniciativas de educação permanente dos profissionais da APS para o manejo do convívio e o uso de EPI, mas também para adaptação das atividades para os usuários regulares do serviço, como, por exemplo, gestantes ou usuários como condições crônicas de saúde.

Portanto, para amortizar os efeitos perversos da pandemia, proteger a população, e reduzir a mortalidade, será necessário priorizar a APS, especialmente a ESF. Nesse contexto, o maior desafio da APS, segundo Facchini, é garantir financiamento necessário para viabilizar investimentos na adequação das unidades básicas, na suficiência de pessoal e na qualificação das práticas profissionais aos novos tempos. Lembra que, em muitos lugares pequenos e remotos do nosso país, a APS ou ESF é o único serviço de saúde disponível. Portanto, para enfrentar os desafios atuais da pandemia e preparar a rede básica para o pós-pandemia, inclusive na vacinação em massa da população, será preciso ampliar substancialmente o financiamento da atenção básica. Em estimativas preliminares realizadas pela Rede de Pesquisa em APS identificou-se que seria necessário o incremento progressivo de recursos pelo menos até duplicar os atuais 20 bilhões alocados pelo Ministério da Saúde para a atenção básica. Sem investimentos financeiros substanciais e educação permanente das equipes, o futuro será de agravamento da situação sanitário-social com ampliação das iniquidades sociais, trazendo prejuízo, mais uma vez, para a população mais pobre e vulnerável.

Ana Luiza Viana cumprimentou o esforço da pesquisa, sobre tudo como contribuição para pensar a APS no Brasil pós-pandemia. Na sua fala, ressaltou três ausências, como indicadores indiretos de uma ausência de comando sobre a política da APS no país, há algum tempo.  Esta se reflete na ausência de uma política tecnológica, de uma política para a educação permanente, e na falta de apoio às ações intersetoriais. Tivemos incentivos quase inexistentes para essas três questões fundamentais para se pensar a APS pós-pandemia. Segundo Viana, a terceirização da gestão da APS é responsável por essa situação, sendo que as organizações sociais, com raras exceções, não têm condições de cumprir com os requisitos de educação permanente. Ressalta então a necessidade de ter uma educação permanente articulada a uma política de incorporação tecnológica, sempre considerando a intersetorialidade, para falar de sistemas universais de proteção social, e não exclusivamente de saúde.  

Citou então os dados da OPAS lançado no dia 31 de Julho para a América Latina pós-pandemia: quedas previsíveis do PIB ao redor de 7%; 40% de pessoas na linha da pobreza; queda de 4,9 no indicador GINI da desigualdade social. Concluindo que nós vamos ter uma situação de calamidade social, apontou que é imprescindível que se desenvolvam propostas para superar e para dar conta desse quadro social e sanitário através da APS, e em colaboração com outros setores da área social. Citou também o artigo “Desafios atuais da luta pelo direito universal à saúde no Brasil”, que traz como necessidades ações de promoção e ação intersetorial, desenvolvimento das redes, desenvolvimento industrial e de ciência e tecnologia, ressaltando que este último deveria estar muito presente entre as diretrizes da APS.

Luiz Eugênio de Souza parabenizou a Rede APS e a sua pesquisa, que, segundo ele, traz um retrato bem fidedigno.  Acrescentou uma proposta, relacionada a um indicador da fragilidade da APS, já mencionado aqui: o número de morte de gestantes. O Brasil tem o maior número de mortes por Covid-19 entre gestantes, indicando que os serviços de pré-natal e atenção ao parto não está funcionando para as mulheres que contraíram Covid-19. Ressaltando esta tragédia de quase 6 mil mortes, sugere que a Rede APS, Abrasco, OPAS, CONASS e CONASEMS lancem imediatamente uma campanha de defesa das mulheres em gestação, parturientes e puérperas, para salvar essas vidas. Realçou como as grandes lideranças institucionais tem se destacado, sobretudo na ausência do Ministério da Saúde, no enfrentamento da pandemia, e que agora devem fortalecer as equipes de APS, engajando o potencial dos ACS, e articulando com a rede, com as maternidades e os serviços de referência para encaminhamento das mulheres sintomáticas. Reforçou que o Brasil tem os conhecimentos e a capacidade técnica para cuidar dessas mulheres, sendo, portanto inaceitável permitir esse número de mortes.

Oswaldo Tanaka também parabenizou o excelente projeto de pesquisa, e sugeriu mais dois recortes para seguir analisando os dados coletados: a vigilância epidemiológica, como área que foi mais fragilizada no processo de combate à Covid-19, e como papel fundamental da APS, especialmente em relação à busca de contatos e reforço da quarentena; e a continuidade dos serviços, em termos do encaminhamento de pacientes com Covid-19, onde a APS também teve centralidade. Os exemplos exitosos destes dois aspectos identificados na pesquisa, segundo Tanaka, podem servir como imagem objetivo, ou projeto padrão.  

Respostas às questões levantadas no debate

Aylene Bousquat indicou que sobre as ações do NASF, assim como as da saúde bucal, somente há resultados preliminares, por agora. Em 66% dos casos os profissionais NASF foram deslocados para o enfrentamento da pandemia. Apontou que há certo interesse em realizar uma segunda onda de pesquisa, mas se precisaria viabilizá-la, com o apoio do CONASS, CONASEMS e OPAS.

Ligia Giovanella ressaltou novamente o fortalecimento e valorização dos ACS, e a importância da articulação entre atenção básica, educação e ação social. Fez um apelo sobre importantíssima questão da comunicação de massa, sendo que as pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre uso de máscaras, sobre a não aglomeração, e atualmente não tem uma propaganda informando a população.

Realçou também a importância da APS na vacinação, se e quando houver vacina. A capilaridade da APS será fundamental, precisa-se então fortalecer também neste aspecto – sendo que segundo dados do PMAQ somente 77% das equipes avaliadas têm geladeira exclusiva para vacina. Além disso, é preciso tomar cuidado na utilização dos recursos em relação à distribuição de medicamentos não uteis, sendo que não existe ainda nenhum medicamento que mate o vírus, e um cuidado preventivo oportuno é o mais importante.

Para concluir, propôs a contribuição da Rede APS na capacitação das equipes de APS em temas específicos, através de parcerias com o Zoom como a mencionada anteriormente. Maria José Evangelista aceitou a proposta, pedindo a ajuda da Rede APS para potencializar os cursos preparados para as equipes APS pelo CONASS. Cristiane Pantaleão também apreciou a proposta de colaboração. Monica Padilla lembrou dos cursos oferecidos pela OPAS também, ratificando o compromisso da OPAS para lograr uma APS Forte.

Rede APS