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Arquivo Mensal fevereiro 2011

Hernán Montenegro

Quais aspectos você considera positivos e negativos na saúde do Brasil?

HERNAN MONTENEGRO – Bem, em vários anos, muitos aspectos positivos têm sido desenvolvidos com a reforma do sistema sanitário, ou seja, várias décadas de trabalho e aprofundamento estão sendo inspiradas nos princípios fundamentais da saúde. Como o tema da universalidade, por exemplo, em que o SUS, como sistema único, independentemente da renda, trabalho etc., tenta chegar a toda a população. Outro princípio importante é o da integralidade, pois ele está realmente tentando abranger todas as necessidades em saúde das pessoas, desde o fomento até a promoção da saúde, tratamento e cuidado paliativo. Existem outros princípios que vocês conhecem mais do que eu no contexto latino-americano, como a participação, em que a população seja considerada envolvida na saúde; a importância da renovação da Atenção Primária à Saúde, considerando a saúde como um direito; e a busca pela equidade do sistema, para realmente abordar todos esses desafios de saúde para a sociedade.

Na sua experiência, no que você conhece da América Latina em geral, que aspectos poderiam ser mais bem trabalhados?

HERNAN MONTENEGRO – Algo muito importante que tem que existir e que tenho escutado permanentemente é o financiamento do SUS. É uma preocupação também das autoridades e dos gestores de como isso vai ser feito. Sendo público e universal, também tem um custo. Em lugares mais evoluídos, a saúde é priorizada, pois é vista como forte investimento, assim como a educação e a proteção social, formando uma parte-chave para o desenvolvimento de uma nação. Em países que investem na saúde, o financiamento é feito por meio de grande proporção do PIB e do gasto público como gasto em saúde, mantendo e oferecendo certa qualidade. No entanto, ainda existem aspectos que eles não conseguem cobrir. O financiamento é fundamental para sustentar o sistema. Isso é uma área que o SUS ainda tem que se aperfeiçoar e ver quais são as prioridades. A locação desses recursos também pode melhorar, ter mais eficiência e equidade, ainda que o Brasil tenha avançado muito. Outra área, por exemplo, para avançar é a coordenação da rede assistencial. Ter uma fortaleza com a ESF e priorizar o nível de atenção (atenção básica), que precisa ser mais bem articulada com o resto da rede com atenção especializada nos hospitais. Este é certamente outro desafio que também vamos testar na agenda do Brasil, mas ainda falta muito mais. Um terceiro ponto é colocar a saúde em todas as políticas públicas. Isso é uma agenda também importante. Em alguns aspectos (não são todos), o País tem avançado e acho que vai continuar com outros desafios para o futuro.

Qual o papel que você vê na atenção primária dentro do sistema de saúde que seja consistente e eficiente?

HERNAN MONTENEGRO – Temos como evidência empírica e científica de que a atenção básica, no primeiro nível, é a porta de entrada, é o contato inicial. Não se consegue estruturar um sistema de saúde eficaz, com resultados em nível populacional, nem equitativo, nem eficiente, nem de qualidade e de satisfação se não existe essa primeira atenção forte e perto de onde as pessoas moram e trabalham. Não se pode estruturar um sistema baseado na APS se esse componente do sistema for fraco, pois ficará completamente capturado pelo hospital e por outras especialidades. O sistema existe, de fato, mas, além de não proporcionar facilidade no acesso, requer custo muito elevado e não apresenta os resultados esperados. Então, para ter efetividade, o sistema precisa ser universal, solidário, baseado nos princípios de uma atenção forte. Os países que gastam em saúde estão se fortalecendo, fazendo bons investimentos e alocando muito mais recursos nesse nível, além de capacitar e treinar pessoal. Há todo um cumprimento de políticas para fortalecer a resolutividade, a proximidade, o acesso nesse nível.

Qual ponto de sua apresentação realizada na III Reunião da rede gostaria de destacar?

HERNAN MONTENEGRO – Eu acho que, para se ter uma forte e bem-sucedida decisão política no nível mais alto dos governos, é preciso não somente formulá-la, mas apoiar com recursos e resoluções. Tudo isso é um componente político extremamente importante. Associada a esse contexto, tem que haver a continuidade das políticas ao longo do tempo. O tema da reforma do sistema sanitário não é de apenas uma administração ou partido político, é de toda uma sociedade ao longo do tempo. Os investimentos demoram a se materializar e ter resultados. Como o Brasil já tem feito isso há décadas e a Estratégia Saúde da Família vem se consolidando, conseguimos ter mais eficiência e apresentar alguns resultados favoráveis, como a redução da mortalidade infantil, fortalecimento do sistema e redução das internações hospitalares que não são necessárias, pois são suscetíveis a um cuidado. Quer dizer, para os resultados, você precisa de decisão política, ter essas boas políticas ao longo do tempo. Outro ponto importante é a necessidade de o País construir consenso, pois o tema não é somente do Ministério da Saúde, abrange todos os outros setores. O Brasil vem sendo federativo e essa discussão demora mais porque precisa do consenso no nível estadual, federal, municipal, o que é muito importante, pois essas negociações e consensos fortes formam também a parte da sustentabilidade. Além disso, temos que ter parceria dos outros setores que já falei com as políticas públicas, como tentar casar os políticos, os decisores com gestores, com os prestadores e com outros parceiros do mundo acadêmico. Nós formamos agora uma importante academia, as universidades, as instituições, por exemplo, para o tema de concepção dos recursos humanos. Ou seja, na formação, esse tema tem que ser envolvido. O mundo acadêmico compreende e se adapta a essas necessidades que são sociais. Também precisamos de mais pesquisadores que saibam como fazer estudos complexos, pois têm a ver com sistemas, avaliação, que são mais abrangentes, pois não se trata de uma pesquisa clínica propriamente, apesar de importante. Outra coisa que gostaria de destacar aqui é a necessidade de compromisso político, sustentabilidade política no tempo, trabalho entre os distintos níveis e de envolver o mundo acadêmico para a formação da pesquisa e de pessoal, que é muito importante para todo esse sucesso.

Como você vê o papel da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde?

HERNAN MONTENEGRO – Por exemplo: uma reforma importante é o tema da liderança, que precisa acontecer em todos os níveis, desde o microprestador até o Ministério, com as políticas. As melhores decisões só podem ser tomadas se tiver informações, dados e evidências empíricas e científicas. O líder, afinal, conduz, inspira, motiva a tomar decisões… A pesquisa é a base para apoiar uma tomada de decisão e de gestão. Há muitos níveis de possibilidades de se fazer pesquisa e que estão apoiando essa política de liderança que é importante. Os pesquisadores da Rede têm potencial muito grande para gerar essa massa crítica com informação, com mais evidências, com conhecimento, ajudando nas decisões-chave do País e na gestão do sistema. Acho também que a Rede, possivelmente, vai criar uma comunidade que não somente vá gerar pesquisa, mas também se apoiará para a construção da APS, tendo como base a troca de experiências e o intercâmbio de práticas. Então, o link que nós queremos fazer com a Rede de Pesquisa do Brasil e com a rede regional é permitir exatamente isso, essa troca além da fronteira. Por exemplo, com os outros países, o intercâmbio entre as redes de pesquisadores e de práticas em Atenção Primária à Saúde será potencializado ainda mais.

Quando a Rede Regional foi lançada?

HERNAN MONTENEGRO – Nós estamos querendo trabalhar agora no ano de 2011 para tentar já lançar isso. Já temos a proposta e, no nível regional, estamos com parcerias, entre elas, com o Brasil, que é um grande parceiro. Estamos pensando em fazer o lançamento disso em um portal importante na internet que permita realmente aproveitar as tecnologias virtuais e das comunicações da informação para maximizar essa troca e todos os componentes que eu já falei pela manhã.