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Rede entrevista Marcelo Demarzo

Médico de Família, Docente do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Membro do “Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC)” e Fellow permanente do “International Primary Care Research Leadership Programme” (Department of Primary Care Health Sciences, University of Oxford). Atualmente realiza estágio de pesquisa pós-doutoral no “Grupo de Salud Mental en Atención Primaria del Instituto Aragonés de Ciencias de la Salud / Universidad de Zaragoza”, Espanha, com bolsa do Programa “Ciências sem Fronteiras”/CNPq.
1) Como está sendo a realização de sua pesquisa em saúde mental, com foco na APS, na Universidade de Zaragoza?
a. Eu integro um grupo de pesquisa interdisciplinar de aproximadamente 20 pessoas (entre docentes, pesquisadores, profissionais de saúde, e pós-graduandos) que tem como objetivo estudar a promoção da Saúde Mental na APS. São várias linhas de pesquisa e inúmeros projetos em andamento, cujos principais assuntos são ansiedade, depressão, dor crônica (fibromialgia, em especial), imigrantes em situação de risco e vulnerabilidade, novas tecnologias em saúde mental, burnout em profissionais da APS, e aspectos genéticos e epigenéticos dos transtornos mentais. Eu particularmente estou mais envolvido nos projetos sobre intervenções do tipo “Mindfulness”, que podem ser consideradas como uma nova tecnologia em saúde mental na APS. O termo guarda-chuva “Mindfulness” (“Atenção Plena” em português) engloba uma série de intervenções e técnicas consideradas de “terceira geração” dentro da área de psicologia e saúde mental, pois trabalham aspectos da “psicologia positiva”, flexibilidade psicológica, e resiliência, e que têm benefícios cientificamente comprovados em diversas condições clínicas associadas a ansiedade, depressão, dor crônica, hipertensão e diabetes.

2) Quais são os modelos e incentivos para pesquisa propostos pela Espanha?
a. A Espanha trabalha atualmente com um modelo de “pesquisa em rede”, que é composta por diversos grupos de investigação temáticos e interdisciplinares (leia-se diversas profissões e especialidades), geralmente liderados por um pesquisador principal. Esses grupos (que podem eventualmente ser classificados como “consolidados” ou “emergentes”, dependendo do grau de desenvolvimento e maturidade dos projetos e pesquisadores envolvidos) desenvolvem temas considerados prioritários, segundo uma agenda nacional e/ou europeia de pesquisa. No caso da APS, configurou-se uma rede de pesquisa chamada de “RedIAPP (Red de Investigación en Actividades Preventivas y Promoción de la Salud)”, criada por meio de edital específico em 2003, que congrega grupos de pesquisa temáticos dos vários Estados (comunidades autônomas) que compõem a Espanha. Sua missão é “generar conocimientos válidos para la Atención Primaria, especialmente sobre la eficacia, efectividad y eficiencia de intervenciones innovadoras en prevención y promoción de la salud, así como transmitir la información necesaria para que la población, la comunidad científica y los gestores de servicios integren la prevención y apliquen los resultados obtenidos en la práctica clínica rutinaria y la organización de servicios”. Os grupos se configuraram segundo temas prioritários, e com base na experiência previa de colaboração entre os pesquisadores em projetos e publicações cientificas. Os novos editais de financiamento seguem a mesma lógica, priorizando os projetos desenvolvidos pelos diversos grupos existentes, e segundo as linhas de pesquisa consideradas prioritárias. Há também um grande incentivo à pesquisa clínica em APS, principalmente em relação aos estudos pragmáticos e/ou translacionais, em sua grande maioria multicêntricos ou coordenados. Em suma, há uma estrutura que privilegia e incentiva estrutural e financeiramente a pesquisa em rede interdisciplinar dentro de um sistema integrado de saúde, que inclui a APS.

3) Quais as principais linhas de investigação nas pesquisas em APS?
a. Os grandes assuntos de pesquisa, em torno dos quais se configuram os principais grupos de pesquisadores, são: estilo de vida, câncer, doença cardiovascular, diabetes, saúde mental, organização e gestão dos serviços sanitários.

4) Como pesquisador, como se pode promover a pesquisa nos serviços da APS e quais são as condições necessárias para seu desenvolvimento?
a. Na Espanha, assim como no Brasil e diversos outros países, há uma dificuldade para se integrar os projetos de pesquisa na realidade dos serviços de saúde. Assim, há um incentivo político e financeiro para a conformação de laboratórios de pesquisa junto aos serviços de APS, efetivamente integrados no ambiente físico e operacional das unidades. Assim, muitas unidades de medicina familiar (APS) têm estrutura docente e de pesquisa, que facilita a cooperação entre docentes, pesquisadores e profissionais “da ponta” dentro dos projetos de pesquisa, promovendo também projetos mais “realistas” do ponto de vista das necessidades e possibilidades dos serviços de APS. Por exemplo, o laboratório no qual desenvolvo a maior parte dos projetos, fica instalado no 2º andar de uma unidade de APS, na qual convivo diariamente com docentes, estudantes de graduação e pós-graduação, profissionais de saúde, funcionários administrativos e pacientes.

5) Como é feito na Espanha o Incentivo às empresas tecnológicas universitárias também conhecidas como “Spin-Off”?
a. Há atualmente um incentivo muito grande à integração de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) na Espanha (e na Europa como um todo), principalmente frente a um momento de crise econômica, enquanto alternativa viável para um desenvolvimento econômico e social mais sustentável. Dentro desse contexto, incentiva-se efetivamente a criação de empresas “Spin-off” (tecnicamente, iniciativas empresariais nascidas a partir de uma ideia gerada em uma organização já existente, que as acolhem para seu desenvolvimento), principalmente quando integradas ao ambiente universitário e de pesquisa. Há legislação e editais específicos que incentivam essa conformação, auxiliando também aos docentes que queiram abrir suas empresas tecnológicas, disponibilizando espaço físico e um ambiente político e institucional adequado dentro da própria universidade. Há um incentivo também às “cátedras tecnológicas”, que são como institutos de base tecnológica dentro das universidades, co-financiados pela iniciativa privada a partir de empresas de base tecnológica. Por exemplo, o grupo de pesquisa no qual estou inserido faz parte de uma “cátedra tecnológica”, e tem atualmente vários projetos desenvolvidos a partir de parcerias com empresas “spin-off” da Universidade de Zaragoza, principalmente dentro dos temas de “neurociências” e “tecnologia da informação”.

6) Como a nossa Rede de Pesquisa em APS pode auxiliar o desenvolvimento e melhora da produção científica em APS no Brasil?
a. Na minha opinião, a nossa Rede tem um potencial muito grande de influenciar positivamente a pesquisa e inovação em APS, com foco na melhora do desempenho dos serviços e ações do sistema de saúde como um todo. Eu dividiria em duas linhas principais de ação, uma “interna” e outra “externa”:
b. “Internamente”, com base no capital humano e na estrutura já existentes dentro da Rede APS, poderia se fomentar:
i. A discussão sistemática de uma “Agenda de Pesquisa” de médio e longo prazo para APS;
ii. “Módulos de Formação” para a capacitação complementar e permanente de pesquisadores de APS, oferecidos pela internet, gratuitamente. Existem experiências internacionais bem sucedidas nesse sentido, como por exemplo a da Rede Norte-Americana de Pesquisa em APS, e outras iniciativas de cursos “online” gratuitos capitaneados por universidades como Harvard e Berkeley (plataforma “Edx”). O conteúdo poderia ser produzido pelos próprios membros da Rede, a partir da expertise de cada pesquisador/grupo de pesquisa/universidade, com o apoio logístico da Rede APS;
iii. Incorporação e capacitação (via “módulos de formação” já citados) de profissionais “da ponta” interessados em pesquisa. A incorporação efetiva desses profissionais poderá criar um ambiente propício à pesquisa e desenvolvimento tecnológico nas unidades de saúde, propiciando o melhor desempenho dos projetos de pesquisa junto à rede de atenção, principalmente em relação à pesquisa clínica em APS, ainda pouco desenvolvida no Brasil.
c. “Externamente”, a Rede APS pode influenciar e apoiar política e tecnicamente as agências de fomento, para a criação de editais como foco no desenvolvimento cientifico e tecnológico da APS. Poder-se-ia fomentar (com base no modelo espanhol):
i. A criação de uma estrutura de rede nacional de grupos temáticos de Pesquisa em APS (pesquisa em rede interdisciplinar), com base nas prioridades definidas por uma “Agenda de Pesquisa Nacional em APS”, e a partir da experiência de colaboração já existente entre pesquisadores e grupos de pesquisa. O incentivo poderia ser contextualizado conforme o grau de maturidade dos grupos (“consolidados” ou “emergentes”). Pode-se criar metas e critérios de excelência para a avaliação contínua dos grupos, garantindo ao mesmo tempo recursos que permitam a sustentabilidade e o custeio das atividades;
ii. A pesquisa clínica (multi e interdisciplinar) em APS, incentivando principalmente os protocolos de pesquisa pragmáticos e de pesquisa translacional;
iii. A incorporação de “laboratórios” de pesquisa em APS junto às unidades básicas de saúde, propiciando a integração, consolidação de protocolos de pesquisa, pesquisa com foco na realidade, desenvolvimento profissional contínuo conjunto entre equipe de saúde e pesquisadores;
iv. Os institutos e empresas de base tecnológica incubados dentro das universidades (empresas “spin-off”, por exemplo) com foco em APS.
d. Eu creio que essas ações, entre tantas outras possíveis, poderiam colocar o Brasil como país de referência na pesquisa em APS no mundo, já que possuímos um dos maiores sistemas universais de saúde do planeta, com base em uma cobertura de APS das maiores também, e assim com um potencial gigantesco que ainda está “adormecido”, e que precisa se desenvolver com a força de nossos próprios pesquisadores.

Rede APS

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