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Arquivo Diário 17 de maio de 2016

A esperança somos nós -por Gastão Wagner

A esperança somos nós…

Vários fatores têm contribuído para a gênese e cronicidade da crise política, econômica e social brasileira. Há um aspecto, contudo, que tem sido pouco comentado. Refiro-me ao fato de que grande parte de nossa população se tornou mais exigente, havendo claramente ampliado a demanda por direitos sociais e por cidadania. Somos dezenas de milhões a cobrar acesso à saúde e à educação, a se opor ao racismo e ao machismo, a apoiar a luta dos povos indígenas e da população LGBT. Nesse sentido o Brasil melhorou.

Entretanto, o que vem acontecendo é que nem o Estado, ou os políticos, isto sem mencionar o mercado, têm tido capacidade de responder satisfatoriamente a essa emergente característica de grande parte de nossa sociedade. Há um desgaste evidente das formas de representação política, o que tem dificultado a concretização destas aspirações em projetos e iniciativas concretos. Na verdade, as dezenas de milhões de pessoas que aspiram à justiça social e à democracia estão desorganizados, divididos e têm dificuldade em identificar estratégias potentes para viabilizar suas aspirações.

A Abrasco, o CEBES, os movimentos de reforma sanitária, em alguma medida, vêm contribuindo para essa mudança do perfil cultural e político de nosso povo. A prolongada luta pelo direito à saúde, pelo SUS, pela humanização das instituições e das práticas em saúde, em defesa de cidades saudáveis e do meio ambiente, a construção de políticas públicas em Ciência e Tecnologia, a luta contra a violência e em defesa da saúde mental, tudo isto, de distintas maneiras, ajudou a enraizar em nossa sociedade uma nova consciência, bem novos espaços sociais que atuam em defesa da cidadania. Um sintoma que indica a vitalidade deste movimento é a constante incorporação, em nossas fileiras, de importante parcela da juventude.

A esperança de um Brasil mais justo e democrático está, portanto, em nós mesmos. Está no fortalecimento da sociedade civil e em nosso engajamento para reformar o caráter patrimonialista e clientelista do Estado nacional.

Entretanto, existe outro componente da crise brasileira que contrapõe classes e agrupamentos sociais. Trata-se do acirramento da disputa pela apropriação da riqueza nacional e, em particular, do orçamento público. Nos últimos anos, quase metade do arrecadado em impostos vem sendo gasto com o serviço da dívida interna (processo intensificado pelo aumento constante de juros pelo Banco Central sob o pretexto de controle da inflação) e com a isenção fiscal e transferência direta de recursos públicos para uma não admitida “bolsa empresa”, dois mecanismos de transferência do orçamento público para grupos econômicos minoritários e que já controlam grande parte da riqueza nacional. A “gastança”, a irresponsabilidade fiscal dos governos não resultou, portanto, de investimentos em políticas públicas, mas de um perverso sistema de devolução do imposto arrecadado aos mais ricos. Assistimos a uma odiosa mistificação da opinião pública, realizada pela mídia, pelos partidos e lideranças políticas quando indicam que a recuperação do Brasil passaria pelo desmonte de nossas ainda incipientes políticas públicas. O anunciado documento “Ponte para o Futuro” é a encarnação desta desfaçatez.

Teremos, ao contrário, que fortalecer as políticas públicas e a democratização da sociedade e do Estado brasileiro e a esperança de que isto aconteça depende principalmente de nós mesmos, depende da capacidade de resistência e de luta da sociedade. Em nosso âmbito, precisamos fortalecer a Abrasco. E deveremos ainda somar forças com setores democráticos e a favor da consolidação da cidadania.

A diretoria da Abrasco entendeu que a melhor forma de defesa do SUS e do direito à saúde é intensificarmos o esforço para prosseguirmos com a reforma sanitária. Organizar movimentos em que além de resistirmos às ameaças às conquistas existentes, atuemos ativamente para completar a reforma social e política ainda incompleta. Defender as políticas e programas do SUS que vem funcionando, mas, ao mesmo tempo, lutar para ampliar o orçamento para as políticas públicas, para qualificar e aumentar a cobertura da Estratégia de Saúde da Família e de toda a rede de hospitais e de serviços de média complexidade.

Prosseguir na democratização da rede pública, radicalizando mecanismos de gestão participativa, extinguido a miríade de cargos de confiança ainda existentes no SUS. De pressionarmos por uma reformulação da gestão pública que se contraponha à receita conservadora e antissocial da privatização e da terceirização do cuidado. Apontar a possibilidade concreta – inclusive financeira – da construção de uma nova política de pessoal que contemple direitos trabalhistas e a centralidade do cuidado ao usuário, com definição clara de responsabilidade sanitária. Resistir aos ataques à Vigilância Sanitária e em Saúde, fortalecendo a capacidade de regulação e de controle sobre o mercado e de enfrentamento de epidemias, investir no saneamento básico e na reforma de nossas cidades. De nos associarmos a outros setores para o combate a violência e mudança radical das estratégias de enfrentamento do narcotráfico e do crime.

A diretoria da Abrasco entendeu a necessidade de intensificarmos a defesa da Educação Pública. De adequarmos o financiamento das Universidade e do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

Para isto apelamos ao povo da saúde. Associem-se a Abrasco, coloquem suas anuidades em dia. Nossa autonomia política depende disto. Participem das Comissões, dos Grupos Temáticos, dos Fóruns, organizem Núcleos Regionais de Saúde Coletiva, promovam seminários, oficinas, tanto entre profissionais de saúde, quanto em conjunto com outros setores e, em particular, envolvendo os usuários. Relatem estas experiências, divulguem problemas e estratégias de defesa da cidadania que funcionarem. Usem o nosso site, as nossas revistas, os meios de comunicação possíveis para socializarmos uma cultura democrática, solidária e reflexiva entre nosso povo.

Nossa esperança sobreviverá entre nós, tratemos de desatá-los.

Gastão Wagner de Sousa Campos

 

Cobertura universal em saúde e atenção primária e medicina da família

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da situação da Cobertura Universal em Saúde na Iberoamérica em relação à oferta de serviços de Atenção Primária (AP), considerando a participação da Medicina de Família e Comunidade (MFC). Também, propõe indicadores relacionados à AP e à MFC para que a Cobertura Universal em Saúde possa ser mensurada e avaliada numa perspectiva longitudinal, permitindo acompanhar seu progresso e os resultados alcançados. Com esta finalidade, foi realizado um estudo de caso utilizando informações obtidas dos presidentes das Associações de Medicina de Família da Confederação Iberoamericana de Medicina de Família (WONCA Iberoamericana-CIMF). Os indicadores propostos neste estudo podem representar uma contribuição efetiva para o alcance de uma Cobertura Universal de qualidade, com base em critérios de processo, mais abrangentes que os dos programas verticais baseados na abordagem de condições ou doenças específicas que, habitualmente, ocupam as agendas de gestão de saúde. Embora estes programas verticais tenham alguma validade, eles deixam em segundo plano aspectos estruturais e estratégicos dos sistemas de saúde que permitiriam obter resultados mais abrangentes e duradouros das ações de saúde ao longo do tempo.

Autores: Maria Inez Padula Anderson, Maria de Lourdes Rojas Armadillo, Niurka Taureaux Díaz, Sofía Cuba Fuentes

 Leia artigo completo –artigo9_05_2016

Artigo publicado na Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) http://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1276

I Curso Básico de Vigilância em Saúde do Trabalhador na Atenção Primária em Saúde

O I  Curso Básico de Vigilância em Saúde do Trabalhador na APS será  realizado integralmente na modalidade EaD, e é uma parceria entre o Departamento de Saúde Comunitária, Núcleo de Tecnologias e Educação à Distância em Saúde, da Faculdade de Medicina/UFC e Ministério da Saúde.

Poderão se inscrever profissionais de saúde e membros das organizações e movimentos sociais vinculados às ações da política de Saúde do Trabalhador. Ao todo serão ofertadas 100 vagas  para todo o Brasil, sendo 80 para profissionais de nível médio e superior vinculados à Atenção Primária e 20 para integrantes de movimentos sociais e outras organizações de interesse.

O Edital com todas as informações pode ser acessado no site: http://www.nuteds.ufc.br/noticias/296-nuteds-ufc-lanca-curso-basico-de-vigilancia-em-saude-do-trabalhador-na-atencao-primaria-em-saude

 

Reforma da APS no Rio de Janeiro: comemorando os 450 anos de fundação da cidade

No Rio de Janeiro, a Reforma da Atenção Primária à Saúde teve início no ano de 2009, com a implementação de um novo modelo de governança e de suporte administrativo das unidades municipais. Em dezembro de 2008, a cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) estava em torno de 3,5%. A partir de então, foi dada ênfase à expansão dessa proposta que, ao final de 2015 já atendia a 50% da população, ou seja, ao registro e acompanhamento de mais de três milhões de pessoas. A Reforma que se fundamentou nos princípios da seguridade social estabelecidos pela Constituição de 1988 exigiu um claro comprometimento com a diminuição das desigualdades sociais, mediante a priorização de serviços para as comunidades mais carentes; ênfase nas parcerias locais onde as Clínicas de Saúde da Família se implantaram; relevância aos cuidados de prevenção, indo além da vacinação e das ações de planejamento familiar; introdução de intervenções educacionais e sociais; diminuição da utilização dos hospitais, mediante diagnóstico precoce de agravos à saúde e de gestão da rede de referência.

Constata-se, pois, que o Rio de Janeiro se moveu para uma posição mais próxima à da cobertura de saúde universal e, do mesmo modo que em outras regiões do Brasil, aqui foram observados declínios significativos nos índices de morbimortalidade, especialmente de crianças com idade inferior a cinco anos. As Clínicas da Família também têm investido na formação dos trabalhadores das unidades, proporcionando-lhes treinamento e incentivando estudantes e residentes a se tornarem mais conscienciosos de quanto ofertar cuidados essenciais à saúde constitui um trabalho realizador e gratificante. Desta forma, a capacitação dos especialistas em medicina de família no Rio de Janeiro está se tornando uma das muitas forças associadas às reformas em saúde do município. Embora os profissionais que atuam na ESF ainda não estejam todos plenamente qualificados em medicina da família, a meta é atingir a totalidade, de forma a assegurar aos pacientes bons serviços num mesmo local, evitando-se despesa desnecessária e demora no atendimento.

Os desafios para o Rio de Janeiro dar continuidade a esse importante processo são provavelmente os mesmos de outros estados e países: (1) assegurar o comprometimento político contínuo com a atenção primária investindo modelos eficazes de realização e financiamento da proposta; (2) praticar um processo decisório cristalino e não tendencioso em relação a parcerias público-privadas, com estruturas de governança e responsabilização que evitem corrupção e práticas não seguras; promover serviços com qualidade e consistência suficientemente elevadas: quando os usuários não confiam no sistema e não fazem uso adequado dos serviços, a eficácia dos custos alocados se reduz e os resultados se deterioram; (3) investir no treinamento, provimento de recursos e preservação de uma força de trabalho qualificada e motivada, que valorize sua prática como generalistas e seja capaz de entender e encaminhar as necessidades de saúde que as Clínicas não cobrem.

Dar continuidade à execução da proposta é uma tarefa complexa. Conforme se constatou no Reino Unido, uma mudança de governo reverteu os princípios que permitiram o avanço de determinados serviços. O Rio de Janeiro e o Brasil precisam manter um comprometimento total com a ESF, de modo a dar-lhe continuidade e permanente aprimoramento. Os que se interessam pelo conhecimento e pela gestão das políticas de saúde estarão observando e aprendendo!

Autores: Amanda Howe1 , Maria Inez Padula Anderson2 , José Mendes Ribeiro3 , Luiz Felipe Pinto4

1Norwich Medical School, University of East Anglia, President Elect World Organisation of Family Doctors (WONCA)
2Escola de Ciências Médicas, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
3Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz
4Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Artigo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva Vol. 21, nº5 -maio 2016.