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Arquivo Diário 12 de dezembro de 2012

Saúde da Família ganha eleição?

Leonardo C M Savassi é docente da Universidade Federal de Ouro Preto

Glossário de termos:
APS: Atenção Primária a Saúde DATASUS:Banco de dados do Sistema Único de Saúde ESF: Estratégia Saúde da Família eSF: Equipe de Saúde da Família MFC: Medicina de Família e Comunidade PCA-Tool: Ferramenta internacional de avaliação da Atenção Primária PIB: Produto Interno Bruto PMAQ: Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica PNAB: Política Nacional de Atenção Básica TSE: Tribunal Superior Eleitoral UPA: Unidade de Pronto Atendimento

Saúde ganha ou perde eleição?

Findas as eleições, é natural que analistas políticos tracem perfis, vencedores e perdedores, e analisem o que levou aos resultados eleitorais. Neste âmbito, poucos são aqueles que analisam a fundo o papel da Saúde na contagem dos votos. Mais ainda: a não ser que a Saúde Pública de um município esteja sob desestruturação visível (caos), são poucos que atribuem vitórias ou derrotas a este tópico. Uma pesquisa rápida no Google com os três principais temas “Saúde ganha eleição?”, “Educação ganha eleição?”, “Segurança ganha eleição?” já demonstra que poucos têm conhecimento, ou coragem para debater o assunto.

Talvez a lógica seja aquela que venho discutindo: “Saúde não ganha, mas perde eleição”. O campo da saúde sempre terá desafios e novas necessidades a se enfrentar, e por isto mesmo, o tema da saúde sempre será o “Carro Chefe” da campanha da Oposição a um governo. Como bem já nos relembrou MENDES , uma das características da nossa área é que “Saúde é saco sem fundo”. Uma revisão recente sobre qualidade na APS  traz alguns postulados e “leis” que regem o sistema de saúde: tecnologias são somativas, serviços tendem a esgotar rapidamente sua capacidade, os investimentos necessários são virtualmente infinitos.

E como isto se traduz na hora do voto? O cidadão, via de regra, não costuma estar plenamente satisfeito com seu sistema de saúde, por não entender que é impossível ter um cardiologista na porta de sua casa, ou porque o ecocardiograma não é feito no mesmo dia, ou porque precisa ir ao centro da cidade fazer um ultrassom. Se o medicamento precisa de autorização burocrática, ainda que seja ofertado, já não serve. Se chega a uma UPA, e demora para ser atendido, ainda que seu caso seja de menor complexidade, o sistema é ruim.

Então, ainda que se faça muito pelo cidadão, ele dificilmente estará plenamente satisfeito e facilmente se seduz pela proposta de melhorias da oposição. Por outro lado, por ter bases de comparação fracas com outros municípios dificilmente sabe o quanto o seu está bom ou ruim.

Como mensurar o impacto de uma política pública, ou de uma estratégia, na eleição?

Sei que o tema é polêmico e espero mesmo que seja, mas tomemos dois cases (como gostam de nominar os marqueteiros políticos):

Cenário prévio Ações na saúde Resultados
_____________________________. 

2º maior município do Brasil.

6.000.000 habitantes

2º PIB do país.

Apoio amplo do Governo Federal

Pluralidade partidária

7% cobertura ESF (127 eSF) – início do mandato

 

_____________________________. 

1) “kit cidadania” nas comunidades com UPAs, Clínicas da ESF, somados a aparatos de educação, segurança e lazer.

2) Captação dos melhores profissionais, montou residência em MFC

3) Ampliou para 736 eSF, ampliando a cobertura para 40% da população.

.,.

.,.

REELEIÇÃO no 1º turno, com 64,60%  dos votos contra 28,15%.
_____________________________. 

57º maior município do país.

400.000 habitantes

2º PIB do estado, 16º do país.

Apoio amplo do Governo Federal

“Bipartidarismo”

34% cobertura ESF (40 eSF) + 3 UPAs +programa Residência em MFC

_____________________________. 

1) Investiu fortemente em políticas públicas de cidadania.

2) Construiu mais 2 UPAs e criou o transporte sanitário municipal.

3) Ampliou para 62 eSF/ 55% de cobertura, optando por seguir também os “novos formatos” de equipes, preconizados na Nova Política Nacional de Atenção Básica PNAB

.,.

DERROTA no 1º turno, com 31,91% contra 68,09% da oposição

Fontes: DATASUS,   TSE

Resguardadas as diferenças de tamanho (é muito mais complexo lidar com municípios maiores, e com vários partidos relativamente fortes) e de PIB (175 Bilhões vs. 25 Bilhões), as comparações são extremamente válidas.  Obviamente, não estou aqui falando que Saúde da Família ganhou a eleição no primeiro case. Pode sim ser a grande responsável pela derrota no segundo cenário.

Também não estou atribuindo todo o peso eleitoral a uma ação apenas, e sim enxergando diferenças em cenários que tinham tudo a seu favor, e obtiveram desfechos absolutamente distintos.

O que já se sabe sobre a satisfação do usuário com o sistema de saúde?

A satisfação do usuário do sistema de saúde é um eixo fundamental para a estruturação dos serviços de saúde.

Em todas as regiões, 80,7% dos Brasileiros estão satisfeitos com a Estratégia Saúde da Família

Pacientes atendidos por serviços com alta orientação para a Atenção Primária  apresentam significativamente maior satisfação com o serviço, o que favorece a adesão ao cuidado.

As eSF tem alta orientação para a Atenção Primária (52%), mais do que as equipes do modelo tradicional (27%). Crianças negras apresentaram maiores chances de receber cuidados adequados e similares às brancas nas unidades da ESF.

Na ESF crianças que obtiveram Alto Escore Geral de APS tinham mais chances de terem sua saúde definida como excelente ou muito boa pelas mães e maior satisfação das mães com as consultas.

As eSF são mais orientadas para a Atenção Primária, e são avaliadas como de melhor qualidade também pelos Profissionais de Saúde.

Avaliada pelo Índice de Atenção Básica, a satisfação dos usuários é mais elevada nas Unidades com eSF do que nas unidades tradicionais e quanto melhor o estrato social, melhor a avaliação.

A satisfação do usuário da Saúde da Família se associa à melhor informação sobre o processo saúde-doença, à visita domiciliar como elemento chave da prevenção, e ao acompanhamento.

O Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) avaliará a satisfação do usuário.  Aqui o artigo  e aqui a fala do atual Diretor da Atenção Básica do MS.

Além disto, esse documento traz um resumo dos principais resultados da ESF e também esta apresentação .

Outros instrumentos de avaliação, como a carta-SUS, o próprio PMAQ ou o PCATool poderão avaliar ainda melhor o papel da ESF como ordenadora do sistema de saúde, e como responsável por uma maior satisfação do usuário.

Neste contexto, o que deve fazer o Prefeito eleito?

Espero de um gestor municipal dois pontos fundamentais: a escolha de sua equipe de governo de acordo com critérios técnicos e meritocráticos, ou seja, alguém da área da saúde com a capacidade de análise de cenários, e a consideração dos melhores formatos cientificamente comprovados para a estruturação de seu sistema de saúde.

Cabe ao gestor avaliar as evidências científicas e de gestão e optar pelo melhor formato, não mais com “eu-achismos”, e sim com dados concretos.

Boa sorte aos novos prefeitos do Brasil!

Publicado no Blog Saúde Brasil http://blogsaudebrasil.com.br/