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Arquivo Diário 10 de abril de 2013

Atenção básica é fundamental à saúde do trabalhador

A pesquisadora Elizabeth Costa Dias, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esteve na ENSP, em 8/4, para discutir a Contribuição da atenção básica para a atenção integral à saúde do trabalhador. Segundo ela, a caminhada da saúde do trabalhador é um sonho que vem sendo construído ao longo dos anos por muitas pessoas. Sua apresentação, realizada na aula inaugural do curso de especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, abordou o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) na proteção social aos trabalhadores e o compromisso desse sistema na construção da saúde referenciada pela Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.

 

Participaram da mesa de abertura a coordenadora do curso de especialização e pesquisadora do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), Maria Blandina Marques dos Santos; o coordenador do Centro, Marcos Menezes; e a coordenadora da especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana na modalidade a distância, Rita Mattos.

 

No início de sua palestra, Elizabeth afirmou que o trabalho e a produção da riqueza ocorrem numa conjuntura em que os recursos naturais e a força de trabalho, representada pelos trabalhadores, são cobrados ou apropriados pelo capital que organiza os processos produtivos nos setores primário, secundário e terciário. “Essa é a montagem clássica da economia em que estão formados os processos produtivos”, explicou. A pesquisadora comparou essa relação existente hoje a uma caixa-preta. “Sabemos exatamente o que sai e o que entra. No entanto, não temos ideia de como se conforma a organização dos processos produtivos. Além disso, muitas vezes esse não é um conhecimento facilmente disponível. Assim, muitas vezes fica difícil intervir e modificá-lo.”

 

É preciso não esquecer, ressaltou a palestrante, que desses processos produtivos saem o lucro, a renda do trabalhador e os aspectos positivos do trabalho, como a construção da subjetividade, a inclusão social e, também, a saúde dos trabalhadores. “Acredito que este seja um aspecto ao qual nós, profissionais da saúde do trabalhador, devamos estar cada vez mais atentos. Quando falamos da relação trabalho-saúde-ambiente, muitas vezes temos dificuldade de nos libertarmos da ideia de trabalho que produz morte, adoecimento e degradação ambiental. Tudo isso existe e é verdade. Entretanto, devemos lembrar as dimensões positivas do trabalho”, alertou Elizabeth.

 

Segundo ela, em determinados momentos históricos – e particularmente neste –, o sonho do capital é automatizar todos os processos e se livrar do trabalhador. Porém, os profissionais de saúde entendem que esse trabalho precisa ser preservado. “Isso não significa defender qualquer trabalho, mas sim um que viabilize e construa saúde. Desentranhar a dimensão positiva do trabalho é um dos atuais desafios dos profissionais em questão”, observou.

 

“A intensificação do trabalho é uma marca do tempo em que vivemos”, disse Elizabeth. Os profissionais de saúde de uma maneira muito particular, alertou ela, devem se enxergar no olho do furacão. De acordo com a pesquisadora, isso ampliará a responsabilidade e incitará uma necessidade de buscar o desenvolvimento de alternativas estratégicas para lidar com o momento histórico atual.

 

A palestrante indagou como as mudanças no mundo do trabalho repercutem ou modificam o perfil dos trabalhadores e determinam suas condições de vida-saúde-doença. Para ela, a mudança do perfil populacional dos trabalhadores é muito clara e está anunciada desde o Censo de 2010. A grande questão, segundo Elizabeth, é que as políticas públicas não a acompanharam. “O grande contingente de força de trabalho vai dos 20 aos 50 anos. No entanto, a idade média de trabalho da pirâmide populacional está se alongando e precisamos saber o que fazer com os nossos trabalhadores envelhecidos que querem continuar trabalhando, mas já apresentam problemas próprios do avanço da idade. Tão grave quanto o rápido afunilamento da pirâmide é o enxugamento da base. Se o comportamento da pirâmide se mantiver, quem vai sustentar os trabalhadores atuais no seu envelhecimento?”, questionou a pesquisadora.

 

Saúde do trabalhador e a atenção básica

 

Hoje, no Brasil, existem cerca de 93 milhões da população em idade ativa. Destes, uma média de 54 milhões estão empregados e 32 milhões têm carteira assinada. Quase 54% da população ativa é contribuinte da previdência social e os outros 46,5% não são, ou seja, mais de 43 milhões de não contribuintes. “O que isso significa em termos de garantias da saúde do trabalhador? Essa é uma preocupação, principalmente pelo grande grupo de trabalhadores desassistidos.”

 

 

 

 

Além disso, segundo Elizabeth, os trabalhadores vivem, adoecem e morrem de modo compartilhado com o conjunto da população, em um dado tempo, lugar e classe social, porém, diferenciado, dependendo do trabalho que fazem ou de sua inserção nos processos produtivos. “Temos, no trabalho, um definidor da relação trabalho-saúde-doença. Essa relação deve ser vista em quatro dimensões: trabalho como determinante da saúde; saúde como condição de trabalho; trabalho como causa de doença; e doença como impedimento ao trabalho”, discriminou.

 

“Cada uma das categorias citadas tem expressões na vida moderna, mas infelizmente não sabemos responder sobre a causa do adoecimento e morte dos trabalhadores brasileiros. Nossas políticas públicas são definidas em uma correlação de forças. Por isso, devemos ficar felizes com os avanços, mas sabendo que são completamente desiguais”, disse ela. Ainda sobre os dados da população em idade ativa, 50% dos trabalhadores atuam no campo informal, e o único equipamento do Estado que chega a esses trabalhadores é o Sistema Único de Saúde (SUS). Elizabeth ressaltou que, dentro do SUS, muitas vezes só o agente comunitário de saúde (ACS) entra neste ambiente. “Não existe outra autoridade sanitária no território capaz disso. Precisamos de tais trabalhadores de saúde para desvelar esta realidade”, disse ela.

 

No encerramento, a pesquisadora disse que a luta pela saúde do trabalhador tem raízes históricas e citou o Cesteh/ENSP como um importante ator desse processo. Segundo ela, o desafio permanece. “A nossa realidade é de um exercício profissional comprometido com os trabalhadores, independente do referencial teórico, ético e moral. Portanto, precisamos depurar o que há de bom em cada uma das ações para chegarmos ao ideal.” Para Elizabeth, o DNA da saúde do trabalhador envolve a compreensão da determinação social do processo saúde-doença; o compromisso com o trabalhador que é sujeito da sua saúde na perspectiva da participação e controle social; a indissociabilidade entre as práticas preventivas-curativas com a primazia da prevenção; e o enfoque transversal das políticas e práticas de saúde intra e intersetoriais.

Nota publicada no site da ENSP- www.ensp.fiocruz.br

Pesquisa avaliativa sobre os aspectos de implantação, estrutura,processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro

A atenção primária à saúde (APS) é o primeiro nível de acesso a um sistema de saúde, caracterizando-se, principalmente, pela longitudinalidade, integralidade da atenção e a coordenação do cuidado, podendo contar com características complementares como a orientação familiar e comunitária e a competência cultural. Países com APS forte, ordenadora e coordenadora da atenção, apresentam melhores indicadores de saúde com menores investimentos em relação a países com APS fraca. No Brasil, estudos mostraram efeitos importantes da APS, especialmente da Estratégia Saúde da Família (ESF), na melhoria da saúde da população. Entretanto, a heterogeneidade na qualidade da atenção ainda é uma marca da ESF, assim como os desafios de se ampliar sua capacidade de resposta frente a novos e velhos agravos que caracterizam a saúde no Brasil, especialmente as doenças crônicas.

No município do Rio de Janeiro a cobertura da ESF em 2009 estava em torno de 7%. A partir desse ano, forte ênfase foi dada para a APS. Iniciou-se uma reforma da APS orientada pela qualidade, representada pela criação das novas Clínicas da Família e pelas Unidades tipo A (ambas 100% ESF), diferente das unidades B (Unidades com algumas ESF) e C (Unidades Tradicionais, sem ESF). Ao final de 2012, a cobertura populacional da ESF era 40%. Assim, neste estudo, procurou-se identificar e descrever aspectos relacionados à implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro, comparando o grau de orientação à APS entre Unidades A, B e C. Foi realizado um estudo de caso sobre a implantação das Clínicas da Família, complementado por um estudo transversal acerca do grau de orientação à APS dos diferentes modelos de atenção (A, B ou C) por meio da aplicação do PCATool-Brasil, versão Profissionais de Saúde. Diversas estratégias metodológicas foram utilizadas, como revisão da literatura, obtenção e análise de indicadores de saúde, visitas a Unidades de APS, entrevistas a informantes-chave, análise de dados dos prontuários eletrônicos – diagnóstico de demanda – e estudo transversal com médicos atuantes nas unidades de APS do município do Rio de Janeiro. O projeto de pesquisa foi submetido aos Comitês de Ética em Pesquisa da SMSDC-RJ e da UFRGS, sendo aprovado em ambos.

Os resultados obtidos apontam que o município do Rio de Janeiro, assim como grande parte do país, apresenta uma tripla carga de doenças: afecções agudas (ex: dengue) e condições materno-infantis (mortalidade infantil e materna, sífilis congênita) ainda não resolvidas, a epidemia das doenças crônicas (doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças mentais, HIV/AIDS) e das causas externas (violência e acidentes, nem mencionadas anteriormente). Todos esses grupos de morbimortalidade se apresentam, sem exceção, com um viés de iniquidade, sendo mais presentes, quanto mais vulnerável socioeconomicamente é a população. Aliado à vulnerabilidade social, o envelhecimento populacional agrega mais desafios aos serviços de saúde cariocas.

Frente a esses desafios, o diferencial da reforma da APS foi a aposta na qualidade, por meio da criação e ampliação das Clínicas da Família. Estas são grandes Unidades de Saúde, que concentram 5 ou mais equipes de Saúde da Família, com estrutura física diferenciada, onde a ambiência, o conforto, a beleza e a sustentabilidade são requisitos importantes, aliados à incorporação de tecnologia apropriada à pratica da APS, com oferta de coleta de exames laboratoriais, raio X, ecografia e outros.

Não há dúvida de que foi realizada uma revolução na qualidade da APS do Rio de Janeiro em apenas 4 anos. Os resultados da análise multivariável do PCATool-Brasil mostram inequivocamente que as unidades do modelo A apresentam superior, independente e significativamente maior orientação para APS que as unidades do modelo B e C. Entretanto, a proposta ainda não está consolidada. A cobertura de ESF na cidade está próxima de 40%, devendo avançar mais, e, alguns atributos, em especial o acesso, a longitudinalidade e a coordenação, ainda devem ser muito fortalecidos. O grande risco para a consolidação do modelo proposto é a falta de recursos humanos de qualidade e bem preparados para trabalhar em APS, em especial de médicos de família e comunidade. Neste sentido, as Clínicas da Família que contam com residência médica parecem ter alcançado a qualidade almejada e esta parece ser a melhor aposta para formar e fixar bons profissionais. Os dados analisados mostram que houve progresso importante na ESF, com oferta e utilização de consultas espontâneas e programadas adequadas. A ‘Carteira de Serviços’ mostrou o norte a ser seguido para alcançar maior integralidade, mas todas as equipes devem seguir as equipes pioneiras que já estão próximas dealcançar seu objetivo: ofertar e possibilitar à população a utilização de todas as ações desta ‘Carteira’.

Em resumo, recomenda-se radicalizar o processo de reforma em direção às Clínicas da Família, intensificando o aumento da cobertura da ESF. Esta radicalização deve se dar, preferencialmente, por meio da criação de novas Clínicas da Família, extinção das unidades do modelo C, e suspensão da criação de unidades do modelo B. Além disso, é essencial que se mantenham e intensifiquem estratégias de formação de médicos de família e comunidade na rede de APS do Rio de Janeiro, além de criar mecanismos de coordenação assistencial, a fim de reforçar o papel coordenador da APS.

Leia a pesquisa completa.