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Arquivo Diário 5 de junho de 2012

Sinvaldo Alves Pereira

Sinvaldo Alves Pereira atua, há oito anos, como Secretário Municipal de Saúde de Pirapora – Minas Gerais, cargo que exerceu também na cidade de Lagoa dos Patos por mais oito anos. Sua formação não é na saúde, mas seus longos anos de experiência (e prática com a área) o tornaram um respeitado gestor em saúde. As boas práticas em saúde em Pirapora já estão sendo divulgadas além de nossas fronteiras. Encontramos Sinvaldo apresentando a sua experiência na I Muestra Nacional de APS do Paraguai, onde gentilmente nos concedeu esta entrevista.

1)Como está sendo sua experiência, como gestor, tendo a APS como orientadora do sistema?
Pirapora é uma cidade situada ao norte de Minas, na mata, na Macrorregião de Montes Claros. É um polo microrregional que hoje vive momentos interessantes em relação à saúde pública pelo trabalho feito nos últimos oito anos, no qual sentamos com todos os trabalhadores de saúde para ouvir e tirar deles qual a melhor proposta, o melhor modelo de saúde para o município. Começamos, então, a fazer um levantamento dos principais problemas e demandas da população de Pirapora e, entre eles, havia a grande dificuldade de viabilizar o acesso às pessoas pela baixa estrutura da rede física que existia, pela falta de formação profissional e ausência de capacitações. Após um grande trabalho e planejamento estratégico, adotamos a metodologia de ter a Saúde da Família como o centro gravitacional e ordenador da Rede. A partir daí, houve todo um trabalho voltado para o fortalecimento da atenção primária e, principalmente, para a questão do financiamento. Nos últimos anos, o orçamento para a atenção primária vem aumentando de forma significativa e, hoje, 48% do nosso orçamento da saúde é destinado a ela. A partir daí, podemos aumentar nossa cobertura populacional de Saúde da Família. Atualmente estamos com 90%. E, também, junto ao governo do Estado, conseguimos investimentos para reformar e construir toda a rede física do nosso município. Agora, 80% das nossas unidades são novas.

2)Qual foi a principal ferramenta para o sucesso na implantação da Saúde da Família no município?
Tivemos momentos de grande participação da população no processo. Trabalhamos com diversas audiências públicas para saber se o que ela estava querendo era também o que estava sendo definido no nosso planejamento da saúde. Felizmente, houve uma grande sintonia porque havia históricos, relatórios das conferências municipais de saúde, tirados do Conselho Municipal de Saúde, que mostravam a real situação e apontavam para nós quais os caminhos que deveriam ser seguidos. Porém tínhamos que trazer para a nossa gestão algumas ferramentas importantes para ordenar o fluxo de informação. Assim, poderíamos tomar medidas importantes para não só desenhar o modelo de saúde do nosso município, mas, também, de certa forma, viabilizar o acesso das pessoas que, até então, dependiam muito do hospital. Aquele modelo era centrado no hospital e tínhamos, de fato, que reverter essa situação. Essa grande ferramenta foi construída por nossos próprios profissionais, enfermeiros, médicos da atenção primária, auxiliares de enfermagem. Montamos uma sala de situação para começar a ordenar o fluxo de informação e repassar essas informações para a equipe, mostrando o resultado que estava sendo apresentado naquele momento e qual que era o vislumbrado e necessário para que conseguíssemos, de fato, fortalecer a atenção primária. Após esse momento de estruturação da rede física e melhoria dos processos de trabalho, começamos a contabilizar alguns resultados importantes.

3)E quais foram as maiores dificuldades?
Havia uma taxa de mortalidade infantil bastante alta, em torno de 30 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Em  2011 foram  12 óbitos em menor de 01 ano – redução de 60,5%); baixa adesão ao Pré-natal e aos programas de prevenção (câncer de colo, de útero); alto índice de hipertensão e de diabetes. Esses indicadores foram o norte do nosso trabalho. Sabíamos que tínhamos que nos preocupar com a atenção hospitalar, pois era um dos municípios que mais encaminhavam pacientes, mas, se não discutíssemos a atenção primária antes de mexer na questão assistencial, certamente não haveria sucesso. Então, esse foi o grande momento de se pensar num modelo assistencial. Mas como fortalecer a atenção primária e reverter esses indicadores que eram tão desfavoráveis para nós? Para isso, seria necessário muito trabalho e dedicação e, naquele momento, elegemos um grupo condutor que hoje eu chamo de grupo gestor. Tiramos do gestor municipal a responsabilidade de definir o que era melhor para o município e passamos a ter a colaboração de um grupo gestor, que alimentava as nossas reuniões com propostas e definições importantes para que saíssemos daquela situação. Percebemos que, durante esse processo, fomos bastante acompanhados pela mídia e autoridades sanitárias e que, na visão delas, de fato, estávamos no caminho certo. Passamos a ter uma boa credibilidade em relação às nossas propostas e às nossas ações de saúde. Com isso, acreditamos que o nosso trabalho estava correto e que precisávamos intensificar as nossas ações e planejamentos.

4)Quais foram as principais mudanças?
Eu vejo que Pirapora se destacou não só pelas questões dos resultados favoráveis dos nossos indicadores, mas, principalmente, pela questão da Rede, pela preocupação dos trabalhadores da saúde com o sistema. É importante que todos os envolvidos compreendam esse sistema e entendam que é preciso ter uma linguagem única para que possamos transmitir segurança para população. E o que se vê é que alguns programas importantes que foram implantados, como a classificação de risco da atenção primária, tiveram um bom começo e, hoje, são essenciais para fazer a gestão da Rede. Passamos por sérios problemas com a questão do fluxo totalmente desorganizado, pessoas que iam para as filas de madrugada procurar consultas médicas e, agora, isso não existe mais. Houve, da nossa parte, certa rigidez para que pudéssemos implantar corretamente essas propostas, mas tivemos um apoio muito grande da população, pois ela passou a entender o processo. Isso nos motivou e continua nos motivando a trabalhar.
5)O que é fundamental em todos os processos?
Sabíamos que, ao assumirmos a administração do município, era preciso priorizar algumas ações importantes, pois a questão da saúde é hoje uma das maiores preocupações do povo brasileiro. Então, adotamos a saúde de Pirapora como a prioridade da administração. E, naquele momento, eu, já como gestor há alguns anos, assumi um compromisso político com o nosso prefeito de que tínhamos que reverter a situação e que precisava do apoio dele, mas que, acima de tudo, eu traria os resultados esperados. A partir disso, fomos ao Secretário de Estado da Saúde do governo de Minas Gerais, solicitando a eles o apoio para que pudéssemos fazer as transformações no nosso município. A gente entende que não se pode fazer saúde “debaixo de uma mangueira” e Pirapora precisava ter estrutura física, gente com compromisso e destaque no orçamento para a saúde. Então, feito tudo isso, chamamos os nossos profissionais de saúde e estabelecemos uma meta que era, durante o nosso tempo de administração, a de mudar a cara da saúde do nosso município. E, para ter esse destaque, primeiro era preciso definir o modelo de saúde e identificar as pessoas que, de fato, gostavam e queriam trabalhar e assumir compromissos. Foi isso que fizemos. Assim, começamos um trabalho baseado na informação que foi primordial. Percebemos um grande avanço quando adotamos a sala de situação de saúde. Os municípios que estão trabalhando com essa estratégia têm se sobressaído em relação aos outros que não o fazem. Passamos a dar enfoque aos principais problemas da população: as doenças crônicas. Mas também não ficamos só nisso. Buscamos algumas experiências novas, como o importante trabalho de busca, a participação ativa em todas as discussões, mesas, não se esquecendo do debate. Tem-se que provocar o debate constantemente. Foi com muita coragem que colocamos para a população todas as nossas fragilidades, porém, foi um momento, também, de buscarmos apoio dela para conseguirmos fazer toda a mudança.

6)Qual foi a maior lição aprendida?
O conjunto de ações e de atitudes que nós tomamos e levamos para o governo de Estado foi uma proposta de acordo de resultados. Se não fizéssemos essa aliança, de buscar para as nossas propostas apoio financeiro e técnico, associado às vivências práticas de outros municípios, certamente continuaríamos fazendo o mesmo e tendo resultados iguais. Foi uma obsessão trabalhar na redução dos nossos indicadores e, quando conseguimos diminuir a taxa de mortalidade infantil, percebemos que tínhamos modificado e melhorado vários processos de trabalho que foram importantes para trabalharmos outros temas. Agora, não podemos nos esquecer de que o plano diretor da atenção primária foi um momento especial e de amadurecimento da nossa equipe. Promovemos a integração dessa Rede e colocamos a atenção primária para falar com todos os outros setores. Criamos uma comunicação interna, uma “infovia”, para que fossem eliminadas as distâncias, o tempo. Assim, a informação passou a circular rapidamente. O que eu sempre falo é: se quiser se organizar, você não pode ter medo de se expor. E acho que foi um grande crescimento nosso, porque nós nos expomos, colocamos a cara e assumimos os nossos problemas, mas passamos a valorizar todas as nossas conquistas. Isso mexeu com nossos profissionais, com a população e com todas as pessoas envolvidas e responsáveis pelo sistema de saúde.